Imagine ir a encontros amorosos para investigar o pensamento dos homens de extrema direita? Foi exatamente isso que fez a jornalista Vera Papisova, da revista Cosmopolitan.
Disfarçada como “Veronica”, uma mulher liberal em crise, ela passou seis meses navegando por um aplicativo de namoro conservador, conheceu 60 perfis e participou de 26 encontros presenciais, em uma imersão intensa que revelou padrões de insegurança, machismo e radicalismo.
“Eles são os homens mais inseguros com quem eu socializei. Foi muito difícil ir em algum desses encontros, porque eles eram tão inseguros, eles não sabem de verdade quem eles são, e eles não sabem como descobrir isso”, disse Vera sobre o perfil desses homens, em entrevista à CNN a respeito do artigo.
Tal fala ecoa como um diagnóstico: a radicalização masculina está relacionada a carências profundas, que precedem o desenvolvimento de ideologias. E o cenário digital — a famosa “manosfera”, um espaço online dominado por homens que discutem questões relacionadas à masculinidade, frequentemente com posturas misóginas e radicais — atua como um amplificador dessas angústias, explica a jornalista.
“Eles não ouviam outra coisa. Eles só ouvem homens falando para homens”, contou Vera. E, em um looping de conselhos e teorias da conspiração, a rede de apoio virtual isola ainda mais. “E o isolamento é que gera o ódio”.
Em cada encontro, surgia a exaltação de gladiadores de MMA e do UFC como arquétipos de virilidade. “Eles amam os caras do UFC… são gladiadores modernos. ‘Eles são fodões’”. Era o mote para medir masculinidade — o corpo em combate e o ego inflado por testosterona.
A jornalista relembra que a máscara desses homens cai mesmo em reuniões autointituladas políticas, e que rapidamente viram cultos ao machismo. “Um monte de homens regurgitando conselhos do tipo Andrew Tate, sobre como treinar sua namorada, como treinar sua esposa para que ela seja submissa”. A pauta política? Sumiu quando o assunto virou “domínio feminino”.
Como ela escolhia as “presas”
O critério de seleção da jornalista teve como ponto de partida biografias que comparavam a violência da invasão ao Capitólio à segurança na cama, ou proclamavam “apenas dois gêneros”. “Meu processo de seleção foi simples: filtrava esses perfis antes de deslizar para a direita”.
Para manter a ilusão dos pretendentes, havia toda uma dramaturgia visual como “isca”. “Passei um tempo extra escolhendo o que vestir: um vestido floral da Reforma e cardigã, inspirado em Mandy Moore em A Walk to Remember”.
Algumas frases marcantes
- Valores bíblicos em casa
“Eu não sou tão religioso, mas quero que minha futura esposa ensine valores bíblicos aos nossos filhos.” - O ataque às feministas
“As feministas convenceram as mulheres a serem dominantes. Onde está o amor em tirar a masculinidade de um homem?” - O aborto como crime
“Minha namorada anterior matou nosso filho… Ela fez um aborto e matou nosso filho sem me perguntar”. - Centros de “ajuda” à grávida
Financiados por um dos pretendentes. Eles dizem que salvam vidas em centros de ‘gravidez em crise’, mas divulgam informações falsas. “Se elas pegassem uma Bíblia, Deus mostraria misericórdia’.”
“Só porque eu entendi de onde ele estava vindo, não significava que eu queria ficar com ele”
Na conclusão desse desafio, Vera deixou claro que entender não é concordar. “Só porque eu entendi de onde ele estava vindo, não significava que eu queria ficar com ele”.
Para a jornalista, isolar o discurso extremista exige menos ostracismo e mais escuta — sem complacência, mas com empatia estratégica. É nesse fio tênue que se constrói a ponte para desconstruir narrativas tóxicas, expondo-as à luz do debate público, em vez de deixá-las apodrecer na bolha do ódio.