Ao longo de seu papado, o papa Francisco destacou-se não apenas como líder espiritual, mas também como uma voz incisiva na luta pelos direitos dos trabalhadores e dos marginalizados. Em diversas ocasiões, ele exaltou o papel central dos sindicatos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Com sua morte nesta segunda-feira (21), o mundo reflete sobre suas palavras visionárias e seu compromisso inabalável com a classe trabalhadora.

Francisco foi um dos poucos líderes globais a defender abertamente os sindicatos como “vozes dos sem-voz” e a denunciar as estruturas econômicas que colocam o lucro acima da vida humana. Seu legado é marcado por elogios sem precedentes ao movimento sindical e pela convocação para que essas entidades se renovem sem perder sua essência combativa.

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“Os sindicatos são chamados a serem sentinelas”

Em junho de 2017, durante um encontro com representantes sindicais no Vaticano, Francisco proferiu uma das declarações mais emblemáticas sobre o papel dos sindicatos: “Os sindicatos nascem e renascem todas as vezes que, como os profetas bíblicos, dão voz a quem não a tem, denunciam os poderosos que pisam nos direitos dos trabalhadores mais frágeis e defendem a causa dos estrangeiros, dos últimos e dos rejeitados.”

O pontífice enfatizava que os sindicatos não podem se limitar a funções administrativas ou institucionais. Para ele, essas organizações devem estar nas periferias, escutando a realidade dos explorados e excluídos. “Não existe uma boa sociedade sem um bom sindicato”, afirmou em uma mensagem que ecoou profundamente entre os movimentos trabalhistas.

Cinco preocupações centrais no mundo do trabalho

Em seus pronunciamentos, Francisco destacou três grandes preocupações contemporâneas relacionadas ao trabalho:

1. Segurança dos trabalhadores

O papa lamentou o elevado número de mortes e acidentes laborais, classificando cada tragédia como uma derrota para toda a sociedade. “Cada morte no trabalho é uma derrota para toda a sociedade”, disse. Ele criticou duramente a mentalidade que coloca o lucro no mesmo patamar que a vida humana, alertando: “Não permitamos que ponham o lucro e a pessoa no mesmo nível.”

2. Exploração e precarização

Francisco condenou veementemente o trabalho precário e análogo à escravidão, além das jornadas exaustivas que impedem os trabalhadores de sustentar suas famílias. “Há pessoas que, apesar de terem um emprego, não conseguem ter esperança no futuro”, afirmou, denunciando as injustiças de um sistema econômico que privilegia os ricos às custas dos vulneráveis.

3. Situação de jovens e mulheres

O pontífice também chamou atenção para as condições desiguais enfrentadas por jovens e mulheres no mercado de trabalho. Ele criticou contratos precários que submetem a juventude a formas modernas de escravidão e cobrou isonomia salarial para as mulheres. “A dignidade humana é pisoteada pela discriminação de gênero. Por que uma mulher deveria ganhar menos que um homem?”, questionou.

4. Redução da jornada e trabalho infantil

Durante seu encontro com sindicalistas em 28 de junho de 2017, Francisco também discursou sobre o “direito ao ócio”. “Quando pergunto a um homem, a uma mulher que tem dois, três filhos: ‘Mas, diga-me, você brinca com os seus filhos? Pratica este ócio?’ — ‘É, sabe, quando saio para o trabalho, eles ainda dormem, e quando volto, já estão na cama’. Isto é desumano. Por isso, ao lado do trabalho deve caminhar também a outra cultura. Porque a pessoa não é só trabalho, pois nem sempre trabalhamos, e nem sempre devemos trabalhar”, defendeu ele, aproveitando para afirmar a necessidade das crianças e jovens estudarem e não serem obrigadas a trabalhar.

5. Aposentadoria justa

Também mencionou aqueles que não têm uma aposentadoria justa e precisam trabalhar na velhice. “É urgente um novo pacto social humano, um novo pacto social para o trabalho, que diminua as horas de trabalho de quem está na última fase laboral, a fim de criar trabalho para os jovens que têm o direito-dever de trabalhar”, disse. 

Uma espiritualidade enraizada na justiça social

Para Francisco, a fé não podia ser dissociada da luta por justiça social. Sua espiritualidade estava profundamente conectada à solidariedade e à ação concreta. Ele afirmava que rezar sem enfrentar as causas da pobreza e da exploração era insuficiente. “Não adianta rezar e fechar os olhos para quem passa fome”, declarou em uma homilia marcante.

Essa postura incomodava os poderosos, mas inspirava milhões ao redor do mundo. Para os sindicalistas, Francisco era uma voz que ecoava nas assembleias, mutirões de regularização, cursos de formação e campanhas por melhores condições de trabalho.

Críticas ao capitalismo e defesa dos pobres

Francisco não hesitava em criticar os aspectos mais nefastos do capitalismo financeiro. Em setembro de 2024, durante uma homilia, ele reiterou que colocar os pobres no centro do debate não é comunismo, mas “puro Evangelho”.

“Enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo”, afirmou. Essas palavras reforçaram sua posição como um crítico ferrenho das desigualdades sociais e econômicas.

Reconhecimento e homenagens dos movimentos sociais

A morte de Francisco gerou comoção entre movimentos sociais e sindicatos, que reconheceram nele um aliado incondicional. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lembrou que o pontífice foi “um fiel aliado dos mais pobres, marginalizados, excluídos e violentados pelo capitalismo”. destacou o papel crucial que o Papa Francisco desempenhou ao longo de seu pontificado, especialmente em tempos de grande polarização e crise. Para a União Nacional dos Estudantes (UNE), o papa foi um símbolo na luta pela igualdade social e pela educação, lembrando que “é através da educação que o ser humano alcança seu potencial máximo”.

O presidente da CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), Adilson Araújo, afirmou que “o Papa Francisco cumpriu uma importante missão. A luz dos problemas contemporâneos passou pelo Papa, e ele foi um revolucionário em seu tempo.” Ao longo de seu pontificado, completou, o Papa Francisco se posicionou de maneira clara e firme sobre temas que afligem a sociedade contemporânea. Araujo apontou como o Papa abordou com empatia questões cruciais como a desigualdade social, as guerras em várias partes do mundo e, especialmente, sua solidariedade ao povo palestino.

“O Papa Francisco sempre se destacou pelo olhar voltado para os mais marginalizados. Sua solidariedade com o povo palestino, sua postura frente às desigualdades sociais, e sua crítica ao capitalismo desenfreado, desenham de maneira emblemática o sentimento de seu pontificado”, afirmou Adilson. Para Araujo, quem sonha com um mundo mais humano e menos desigual, certamente vê o pontificado de Francisco como um símbolo de resistência e esperança.

Já a Central Única dos Trabalhadores (CUT) destacou sua disposição para o diálogo e seu reconhecimento da importância pública dos sindicatos. A União Geral dos Trabalhadores (UGT) afirmou que Francisco compreendeu o valor das periferias e levou sua mensagem de fé e esperança aos cantos mais esquecidos do mundo.

Um legado de luta e esperança

O papa Francisco deixa um legado inédito de apoio ao movimento sindical e à luta pelos direitos dos trabalhadores. Suas palavras e ações continuam a inspirar milhões em todo o mundo, especialmente em momentos de crescente precarização e exclusão social.

“O dinheiro deve servir, não governar”, disse Francisco em um de seus discursos mais memoráveis. Essa máxima resume sua visão de uma economia centrada na vida e na dignidade humana.

Seu pontificado será lembrado como um chamado à ação, um convite para que os sindicatos e os movimentos sociais sigam firmes na defesa dos direitos dos mais vulneráveis. Francisco mostrou que a Igreja pode – e deve – estar ao lado dos trabalhadores, lutando por um mundo mais justo e solidário.

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Last Update: 23/04/2025