Francisco: o Papa do povo
por Marco Piva
Uma das canções que mais grudaram na minha cabeça foi a música “O Papa é Pop”, do grupo gaúcho de rock Engenheiros do Havaii, lançada em setembro de 1990. Martelada dia e noite pelo meu primeiro filho, em plena adolescência, aquele refrão “o papa é pop” ficou eternizado na minha memória. Eram os tempos do papa João Paulo II, que preparou o terreno para transformar o seu anticomunismo visceral em dogma da Igreja, o que levou a um cerco e perseguição aos adeptos da Teologia da Libertação.
Agora, morre Francisco, esse sim, na minha opinião, um papa pop por ser do povo, simples, humilde e dono de uma coragem invejável. Suas mensagens nunca tiveram meias palavras, que é aquela forma hipócrita muito usada na diplomacia e na política.
Soube enfrentar a pressão dos dirigentes episcopais que se aferram ao poder, confortavelmente instalados nos palácios romanos.
Em 12 anos de papado, o humilde servo Francisco cumpriu sua missão renovando os ares de uma Igreja Católica pesada, fora do tempo, que sempre teve medo de enfrentar de peito aberto os desafios da sociedade contemporânea. Ele falou de tudo um pouco e, em cada pouco que falou, deixou um registro histórico que será difícil de apagar.
Se algumas palavras expressam o que foi o seu pontificado, algumas delas são, sem dúvida, compaixão, amor aos pobres e esperança. Já na visita a Lampeduza, abraçou refugiados africanos mostrando que a imigração não pode ser ignorada e muito menos tratada com a violência da xenofobia.
Falou o tempo inteiro de amor e acolhimento para todos, sem distinção, provocando a ira daquelas correntes conservadoras que não admitem um Cristo ecumênico e respeitoso com as diferenças. Disse em alto e bom som aos jovens reunidos no Rio de Janeiro, em 2013, durante sua primeira viagem internacional: “Sejam revolucionários!”. Abriu as portas, janelas e os escuros escaninhos da Igreja para os pobres e marginalizados tornando concreto o ensinamento de Francisco de Assis. Desde que teve início a ofensiva militar israelense em Gaza, após os atos terroristas do Hamas duramente condenados por ele, não deixou uma só noite de ligar para a igreja local para saber como estavam e confortar as famílias palestinas.
O que virá depois de um papa que se tornou unanimidade mundial não se sabe. Alguns temem por um retrocesso nos passos corajosos dados por Francisco. Dizem que Donald Trump trabalha por uma solução alinhada com o seu pensamento político. Talvez seja demais imaginar que o presidente da maior potência do planeta tenha tamanha influência. Particularmente, creio que isso não acontecerá porque as ações de Francisco foram tão profundas que qualquer papa terá que trabalhar muito para sair da sua sombra inspiradora e reformista.
A Igreja Católica ganhou muito com Jorge Mario Bergoglio. Os fieis se revigoraram com as suas mensagens. O mundo olhou para ele como quem olha para um pai sábio que sempre diz a coisa certa na hora certa. Por isso, será difícil esquecê-lo e será mais difícil ainda que um novo pontífice o supere. Mas, como Deus é grande, haverá de iluminar os caminhos do novo dirigente máximo dos católicos, seja ele quem for.
Papa Francisco, presente!
Marco Piva é jornalista e foi missionário leigo da Arquidiocese de São Paulo na Nicarágua entre 1980 e 1985.
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