O governo tem "espaço para contornar essa situação" de ataque especulativo ao Real – que pode aumentar a inflação nos próximos meses – e pode fazê-lo com estratégias que sejam interessantes para a "política econômica que o governo Lula quer desenvolver".

O jantar foi revelado em coluna da jornalista Mônica Bergamo. "A conversa foi muito bem conduzida, longa. Estavam lá Eduardo Moreira, Guido Mantega, Fernando Haddad, eu, Luciano Coutinho e Gabriel Galípolo", confirmou Beluzzo ao GGN. Segundo ele, o diálogo foi "amplo, informativo, tranquilo. Nós ponderamos as ações do governo que poderiam ser tomadas, avaliando bem as relações de poder que temos hoje na economia."

A correlação de forças entre o governo federal e os mercados financeiros esteve na pauta do jantar, e os economistas ainda se debruçaram a respeito do papel que a mídia tem exercido no ataque ao Real, atribuindo equivocadamente o aumento sucessivo a "falas de Lula"

"É importante fazer uma distinção entre poder real e poder formal, porque o fato de você ser presidente não significa que você tem poderes para enfrentar, de forma ostensiva e clara, as forças que estão dispostas na sociedade", ponderou Beluzzo.

"O que nós estamos observando hoje, e isso foi discutido, é que os mercados financeiros adquiriram uma força que não estava muito presente. Essa relação de poder é muito importante para a gente observar o que está acontecendo. E tem outra dimensão, que é a dimensão das informações – que a mídia faz – que são muito simplificadoras, imediatista. Eles querem saber por que está ocorrendo essa desvalorização do câmbio", acrescentou Beluzzo, para quem a grande mídia tem feito debates superficiais, e por vezes pobres ou parciais, a respeito da situação.

"Eu sou obrigado a dizer o seguinte: se observarem a história recente do Brasil e do capitalismo, vão notar que tivemos vários episódios de desequilíbrio cambial com desvalorização do real. Vamos lembrar da crise da dívida externa: foi uma crise financeira com dimensão cambial muito importante", disse Beluzzo, citando vários outros exemplos que não têm relação com discursos presidenciais, ao contrário do que setores da imprensa tentam vender.

A resposta ao ataque ao Real

Para Beluzzo, um dos instrumentos disponíveis ao Banco Central para enfrentar o ataque especulativo do mercado financeiro seria o uso das reservas. Mas o problema está no discurso hegemônico construído com ajuda da grande mídia, no sentido de que não é permitido "intervir" no BC para exercer qualquer tipo de modulação sobre o mercado financeiro.

"Pode fazer swap cambial com intensidade. Temos um estoque muito grande de swap cambial, está na casa dos 100 bilhões de dólares. Tem instrumento, sim. Mas quando surgiu a informação de que poderiam usar, por exemplo, o IOF, como o Guido Mantega sugeriu, logo disseram: 'isso é uma intervenção, é um horror!'", comentou Beluzzo.

Por meio do swap cambial, o BC procura evitar movimento disfuncional do mercado de câmbio. Porém, com o bolsonarista Roberto Campos Neto no comando da instituição, qualquer reação ao ataque especulativo não parece ser concretizável.

Esse movimento de naturalizar, ou melhor, "santificar" os movimentos do mercado de capitais, que ocorre com muita força no Brasil, está na contramão do que pensam várias outras nações, disse Beluzzo."Uma das questões mais importantes hoje no mundo é o desconforto de vários países dessa questão do dólar como moeda reserva. Quem disse que o dólar não vai deixar [de ser a moeda reserva]? Todo mundo que acha isso está um pouco equivocado a respeito dos movimentos que acontecem na geoeconomia", alertou.

Ainda sobre o jantar com Lula, Beluzzo acrescentou que "ninguém foi lá para dizer ao Lula o que ele tinha que fazer". Segundo informações da Folha, Lula teria sido aconselhado a reduzir o tom das críticas ao mercado e ao Banco Central para segurar a alta do dólar. "Foi um debate, uma conversa. Houve convergência a respeito de certas medidas que devem ser adotadas, mas ninguém disse ao Lula o que ele tem que fazer", frisou Beluzzo.

Quanto ao corte de gastos, na visão do economista da Unicamp, a aposta é que Lula não abrirá mão de princípios caros a ele, como manter os benefícios sociais, regular a previdência pelo salário mínimo, entre outras medidas que impactam no bolso dos mais pobres.

"Se alguém quiser saber como ele vai se portar, na minha opinião, eu acho que ele vai fazer uma coisa muito seletiva e cuidadosa. Isso ele tem muito claro. A equipe econômica também não vai se dispor a fazer uma coisa dessa. Na verdade, a equipe econômica está tentando fazer um jogo de passar pelos vãos de uma defesa acirrada".

Assista a entrevista completa abaixo:

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Última Atualização: 04/07/2024