“O Oriente Médio tem petróleo, o Império do Meio [a China] tem terras raras”, disse, certa vez, o ex-presidente chinês Deng Xiaoping, ainda nos anos 80, apontando para o que se tornaria um dos pilares fundamentais poderio da China moderna. 

Nas décadas seguintes, esse mercado estratégico passou a ser dominado pelos chineses. É justamente esse domínio que ajuda a explicar a troca de artilharia na guerra tarifária entre a China — hoje governada por Xi Jinping — e os Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump.

Nas últimas semanas, os dois países decidiram duelar abertamente no campo comercial. Era — e ainda é — o ápice de uma disputa conhecida: com o retorno de Trump à Casa Branca, produtores locais e chineses passaram a se preparar para um provável aumento mútuo de tarifas.

Foi o que ocorreu. Desde abril, quando Trump anunciou novas tarifas de importação sobre produtos de diversos países, ficou claro que seu alvo principal era a China. Em meio a ameaças e quase nenhuma margem para negociação, Washington e Pequim passaram a escalar suas tarifas. Essa escalada, nociva ao sistema de livre comércio, resultou em tributos mais altos — e mais.

É nesse cenário que entra o mercado de terras raras. A China, ao dominar a produção e o refino desses minerais, passou a controlar sua exportação. A medida é uma consequência colateral da guerra comercial, com possíveis impactos para a China e, de forma indireta, para o Brasil.

O que são as terras raras

As terras raras são elementos químicos. De acordo com a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC), são 17 elementos com propriedades semelhantes. Alguns exemplos são neodímio, ítrio, lantânio, promécio e európio.

Na prática, esses elementos são usados na fabricação de uma ampla gama de itens, como motores de veículos elétricos e a jato, discos rígidos, celulares, televisores e equipamentos médicos. Também são fundamentais para produtos de uso militar.

Apesar do nome, o termo “raras” refere-se à dificuldade de extração, já que esses minerais costumam estar misturados a outros. O processo, além de custoso, tem alto impacto ambiental.

Atualmente, a China responde por cerca de 60% da produção global, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). Mas seu domínio é ainda maior no refino: o país é responsável por 92% do processamento mundial desses metais.

Com esse controle, a China decide quem participa do jogo. Um exemplo emblemático ocorreu em 2010, quando Pequim embargou a exportação para o Japão. O episódio forçou Tóquio a buscar novos fornecedores, como a Austrália, mas não sem dificuldades.

Embargos recentes e reação dos EUA

Algo semelhante voltou a ocorrer. Segundo o New York Times, dias após o novo “tarifaço” de Trump, o governo chinês anunciou restrições à exportação de seis metais pesados e ímãs especiais: gadolínio, térbio, disprósio, lutécio, escândio, ítrio e samário.

A confirmação oficial demorou, enquanto surgiam relatos sobre novos processos de licenciamento para exportação. O alvo principal: os Estados Unidos, altamente dependentes das terras raras chinesas.

Entre 2020 e 2023, 70% dos metais desse tipo importados pelos EUA vieram da China. Esses materiais são usados em armamentos como mísseis Tomahawk, caças F-35 e drones militares.

Trump busca alternativas. Em 15 de abril, assinou um decreto ordenando a investigação da dependência norte-americana de minerais críticos. O texto admite a vulnerabilidade do país diante de “fontes estrangeiras”.

“O corte no fornecimento pode comprometer seriamente a base industrial comercial e de defesa dos EUA”, afirma a Casa Branca.

“Tensões geopolíticas, guerras, desastres e conflitos comerciais evidenciam os riscos dessa dependência.”

Desafios à frente

Os EUA ainda possuem alguma capacidade de produção — cerca de 12%, segundo o Instituto Politécnico de Paris. Até os anos 1980, lideravam o setor. Mas perderam espaço diante do avanço chinês, que oferece custos mais baixos.

Agora, a Secretaria de Comércio terá 90 dias para apresentar um plano de redução dos riscos à segurança nacional. O foco é incentivar a produção local, mas o maior desafio está no refino, hoje concentrado na China.

Uma saída possível é buscar fornecedores externos. Trump tem os olhos voltados para a Ucrânia e a Groenlândia, esta última dona da oitava maior reserva mundial de terras raras.

A pressão já é sentida pelo mercado. Elon Musk, membro do governo Trump e dono da Tesla, afirmou em 22 de abril que as restrições chinesas afetam a produção dos robôs humanoides Optimus. Ele disse estar em negociação com Pequim.

Nos EUA, apenas uma mina de terras raras está ativa — operada pela MP Materials, na Califórnia. Há planos para ampliar a produção, mas o ritmo está longe do chinês. E abrir novas minas pode levar décadas, devido a exigências ambientais e de zoneamento.
Brasil: coadjuvante com potencial

Brasil olha de longe, mas com interesse

O país detém cerca de 22% das reservas globais, em nível semelhante ao do Vietnã. No entanto, atende a apenas 1% da demanda mundial. Faltam estrutura, mapeamento e capacidade de extração. Resta saber se a escalada entre EUA e China será o gatilho necessário para acelerar esse processo.

O governo Lula (PT) busca ampliar a exploração. José Luis Gordon, diretor do BNDES, afirmou a CartaCapital que há uma preocupação global em não depender da China. Segundo ele, “o Brasil é a bola da vez”, mas ainda há “tarefas a cumprir” para que essa riqueza seja devidamente aproveitada.

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Last Update: 23/04/2025