Ao longo de seus 12 anos de pontificado, o Papa Francisco quebrou o eco imposto às mulheres pela Igreja Católica e promoveu mudanças profundamente simbólicas, fazendo com que se sentissem vistas, ouvidas e representadas.
Entre os avanços mais expressivos está a nomeação da irmã Nathalie Becquart como a primeira mulher com direito a voto no Sínodo dos Bispos. “Pela primeira vez na história do Vaticano, mulheres passaram a ocupar cargos com voz ativa em decisões importantes”, analisa Ana Lisboa, psicanalista e fundadora do movimento Feminino Moderno. Segundo ela, a nomeação de Becquart “não foi apenas um gesto simbólico, mas o início de uma nova fase, onde a presença feminina começa a deixar de ser exceção”.
Além da representatividade formal, o Papa também chegou a discutir, em comissões, a possível restauração do diaconato feminino, um cargo que permitiria às mulheres atuar em cerimônias religiosas, batismos, casamentos e funerais.
Para a fundadora da entidade, que já envolveu mais de 100 mil mulheres em 72 países, a movimentação e iniciativa do Papa Francisco colaborou para o resgate de papéis históricos femininos, cujas discussões estiveram silenciadas por séculos.
“Na minha opinião, ainda mais significativo do que qualquer decisão formal foi o tom com que Francisco passou a tratar o assunto. Ele denunciou abertamente o machismo e o clericalismo, chamou atenção para a exclusão das mulheres nos espaços de poder e disse com todas as letras que a Igreja precisa mudar. Francisco abriu uma porta que estava trancada por séculos. Ele não apenas falou das mulheres, ele quis ouvi-las, e isso, dentro de uma estrutura que sempre mandou calar, é profundamente transformador.”
A sensibilidade do Papa também se refletiu no foco às mulheres em situação de vulnerabilidade — como mães solo, refugiadas e vítimas de violência. Em 2023, outro marco histórico consolidou essa virada: pela primeira vez, mulheres puderam votar em uma assembleia sinodal — um gesto que, embora pareça pequeno aos olhos de quem está fora da estrutura eclesiástica, rompeu com séculos de exclusividade masculina no processo decisório da Igreja.
Para Lisboa, esse pode ser o maior legado de Francisco: “O que talvez mais defina o legado de Francisco é o convite que ele deixa aos próximos Papas: o de continuar escutando, de seguir criando espaço, de entender que a fé não pode caminhar separada das realidades humanas e que uma Igreja que silencia metade da humanidade perde sua essência. Quando um líder tem coragem de escutar, ele transforma. Não só a instituição que ele lidera, mas a cultura à sua volta. Francisco nos ensinou que escutar uma mulher é um ato de fé, de justiça e de futuro.”
Mesmo com todos os avanços notáveis, o caminho ainda é longo. O sacerdócio feminino permanece tabu, e a resistência interna ainda é forte. No entanto, como pontua a psicanalista: “Com Francisco, uma semente foi plantada. A semente da escuta, do reconhecimento, da presença — e quando uma mulher é finalmente ouvida, ela não volta mais ao silêncio.”
A discussão da participação das mulheres na Igreja Católica, aberta pelo Papa Francisco, impacta diretamente sobre o poder de influência e de que maneira ela pode se aproximar e atrair seguidores. “O mundo mudou e a Igreja, se quiser caminhar junto, vai ter que continuar ouvindo aquelas que por tanto tempo só puderam sussurrar”, acrescenta Lisboa.