Consequências jurídicas previsíveis do uso de robôs no local de trabalho

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Não é preciso ser muito perspicaz para notar que os robôs passaram por uma imensa transformação. Eles eram produto da imaginação humana até começarem ser construídos com polias e engrenagens. Os autômatos foram os primeiros robôs, mas não passavam de brinquedos sofisticados e caríssimos construídos para deleitar a aristocracia europeia e maravilhar o imperador chinês. A utilidade deles era marginal, eles proporcionavam prestígio e renda para seus criadores, mas a única tarefa que eles realmente realizavam era entreter e excitar a curiosidade da plateia.

A primeira geração de robôs era mecânica. A segunda foi eletromecânica, movida a eletricidade ou a pilha. O capitalismo transformou os robôs em brinquedos produzidos em massa e eles se popularizaram e deixaram de ser encarados como curiosidades inovadoras.

Uma engenhosa união de engenharia hidráulica, eletromecânica, eletrônica e computação deu origem à terceira geração de robôs. Refiro-me aos primeiros robôs industriais, empregados em linhas de produção de automóveis e de outras mercadorias. Esses robôs eram e ainda são fixos e extremamente eficientes. Totalmente alheios ao ambiente em que foram instalados, eles realizam tarefas repetitivas de montagem e solda com extrema precisão. Para evitar acidentes, operários humanos normalmente são mantidos à distância dessas máquinas.

A microeletrônica, computação em rede, o desenvolvimento de IAs e a engenharia eletromecânica de precisão estão dando origem à nova geração de robôs. Eles imitam a forma dos seres humanos e dos animais. Dotados de diversos tipos de sensores, esses robôs conseguem se movimentar com grande desenvoltura, realizam tarefas complexas e podem ser programados para interagir com seres humanos.

Segundo os especialistas, nas próximas décadas os robôs substituirão paulatinamente a força de trabalho humana na indústria. Esses robôs também poderão eventualmente desempenhar tarefas caseiras e ajudar a cuidar de idosos. Aplicações militares estão sendo desenvolvidas. A automatização parece uma inevitabilidade e ela chegará num momento de imensa fragilização dos direitos trabalhistas e dos direitos humanos. Paradoxalmente, já existem juristas e filósofos discutindo os direitos dos robôs.

A coexistência entre trabalhadores e robôs na indústria não será tranquila. Os robôs podem apresentar defeitos e causar lesões nos operários humanos. Por outro lado, como são equipamentos caros cuja danificação gera duplo prejuízo (horas paradas e custo de manutenção e substituição de peças) os empresários certamente tenderão a dar prioridade ao bem estar dos robôs. Apesar do que consta na legislação trabalhista, é previsível uma sensível redução da “dignidade humana” do operário comum. Em contrapartida, a “dignidade econômica” dos robôs será muito valorizada.

Operários lesados por robôs serão indenizados na forma da legislação e da jurisprudência em vigor. Mas os danos que eles produzirem nos robôs também não poderão ficar sem indenização. Robôs certamente serão objeto de contratos de seguro industrial. O empregador que pagar a franquia do seguro de manutenção de um robô danificado certamente tentará repassar esse custo para o empregado que o danificou. Quem indenizará o empresário pelas horas de trabalho robótico perdidas caso o robô fique muito tempo sendo reparado?

Um novo tipo de seguro provavelmente será criado para resolver essa questão. Empregados, prestadores de serviços e sindicatos de operários serão por Lei obrigados a pagar seguros individuais e/ou coletivos para cobrir a franquia do seguro de manutenção e os lucros cessantes dos empregadores cujos robôs foram danificados por operários? Essa não é uma pergunta irrelevante.

A legislação previdenciária atual custeia o pagamento por lesões permanentes causadas aos empregados humanos nos locais de trabalho. Não seria o caso de se criar uma legislação específica para obrigar o Estado a indenizar também os danos causados empresários cujos robôs foram danificados pelos trabalhadores? Quem arcaria com esse novo custo? O orçamento em geral da União, o FAT ou o orçamento da previdência social? Como vocês podem imaginar, os problemas jurídicos privados e públicos oriundos da utilização de robôs humanoides nas fábricas não serão pequenos.

Reclamações trabalhistas são resolvidas pela Justiça do Trabalho. Disputas entre empregador e o prestador de serviço autônimo competem à Justiça comum estadual. Questões previdenciárias são resolvidas na Justiça Federal, com exceção das Ações Acidentárias (processadas e julgadas pela Justiça comum estadual).

Que ramo do Poder Judiciário terá competência para processar e julgar a ação do empregador contra o trabalhador que danificou um robô humanoide no local de trabalho? No contexto atual, a resposta dependeria do tipo de relação jurídica que existe entre o empregado e o empregador. Entretanto, não podemos descartar a possibilidade de uma legislação específica futura determinar a competência para as novas ações sem levar em conta as distinções atuais. Ademais, a centralização dessas ações num ramo específico do Judiciário teria a vantagem de impedir o surgimento de imensas discrepâncias jurisprudenciais.

O valor da taxa de franquia de um seguro é geralmente pré-determinada. Mas a questão dos lucros cessantes depende de prova. No caso de um robô paralisado, a prova dos lucros cessantes será inevitavelmente técnica: a produtividade dele nos meses anteriores à paralisação pode ser aferida de maneira precisa para que se possa calcular quanto o empregador perdeu durante o período que ele ficou parado. Todavia, as flutuações de mercado terão que ser levadas em conta na fixação do montante devido ao dono do robô. Não seria justo o Judiciário condenar um empregado a indenizar lucros cessantes por causa dos danos causados num robô que ficaria parado no local de trabalho por causa de uma crise negativa de demanda que afetou no mesmo período o mercado em geral e aquele empresário em particular.

Um aumento de complexidade das ações judiciais é previsível, mas poderia ser contornado com uma inovação legislativa simples. Assim como assume o risco da atividade econômica e auferirá o lucro do emprego de robôs humanoides no local de trabalho (art. 2º, da CLT), o empregador deve ser obrigado a suportar os prejuízos oriundos dos danos eventualmente causados aos seus robôs pelos operários. Estes seriam responsáveis apenas pela franquia ou pelo custo de manutenção do equipamento em caso de dolo.

Essa me parece a solução mais adequada, porque o uso de robôs tende a aumentar a margem de lucro e reduzir a despesa com a folha de pagamento. Sendo assim, os empresários devem arcar com os danos causados aos bens de capital robóticos que decidir colocar no local de trabalho. De qualquer maneira, existem várias questões jurídicas que precisam ser discutidas. E seria melhor que essa discussão fosse feita antes dos robôs humanoides invadirem nossas indústrias.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Last Update: 22/04/2025