O caso Nadine: manipulação, cinismo e omissão, por Aldo Fornazieri
O governo Lula apanhou muito e ainda vai apanhar por conta da concessão de asilo diplomático à ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia. Os três substantivos do título deste artigo se referem a três atores políticos importantes: a manipulação, à imprensa; o cinismo, ao bolsonarismo e a omissão, às esquerdas.
De modo geral, a imprensa tratou o caso Nadine com manipulação e desinformação. Concentrou suas críticas ao governo pela concessão do asilo, com o claro objetivo de provocar desgaste político. Suas críticas instrumentalizaram os ataques cerrados da oposição. Parece que a grande imprensa não aprende com os seus erros: no caso da Lava Jato adotou o partido de Sérgio Moro e deu no que deu: desinformação e manipulação.
No caso de Nadine, a grande imprensa disseminou de forma sensacionalista a tese de que a peruana foi condenada por corrupção, visando criar uma imputação negativa, uma forma de depreciação, de linchamento. Na opinião pública em geral, entende-se por corrupção o desvio de dinheiro público. Se a imprensa quisesse informar corretamente, deveria ter dito que ela foi condenada por caixa 2, explicando o caso.
A imprensa brasileira deveria ter acrescentado que as acusações contra Nadine e seu marido Ollanta Humalla estão implicadas numa série de dúvidas – delação premiada duvidosa e provas questionáveis – e que a própria emissão da sentença feriu legalidades. Nesse aspecto, insuspeitos jornais peruanos, como La Republica e El Comercio, agiram de acordo com o bom jornalismo ao informarem essas dúvidas e questionamentos.
Alguns comentaristas importantes da TV sustentaram a tese de que, como o Peru é uma democracia, não se pode invocar casos de perseguição em sentenças judiciais. Ora, Sergio Moro e a Lava Jato são um caso comprovado pelo STF de que houve injunção política e ideológica na condenação de Lula, entre outros erros e abusos judiciais. Tratou-se de perseguição política. Teria sido legítimo que Lula tivesse pedido asilo, pois foi perseguido em instâncias judiciárias como a 13ª Vara de Curitiba e o TRF4. Ou não está comprovado, entre outros abusos, a promiscuidade entre Moro e o Ministério Público, liderado por Dallagnol? A trajetória política posterior dos dois só corrobora os abusos e a perseguição.
Ferindo o dever de bem informar, a grande imprensa sequer se deu ao trabalho de esclarecer os conceitos que estão envolvidos no caso Nadine. Não esclareceu, por exemplo, que existem dois tipos de asilo – o diplomático e o territorial. O diplomático ocorre quanto o estrangeiro entra em embaixada brasileira no exterior, que foi o caso de Nadine. E o territorial é quando já está em território nacional.
O Brasil tem tradição de atender os dois tipos de requerimentos, independentemente das afinidades políticas e ideológicas dos que buscam o direito. Por que a grande imprensa e os bolsonaristas não se lembram do caso do senador boliviano Roger Pinto? Em agosto de 2013, ele chegou ao Brasil depois de ficar mais de um ano asilado na embaixada brasileira na Bolívia. Foi trazido num carro da própria embaixada até Corumbá. O Brasil era presidido por Dilma Rousseff e a Bolívia, por Evo Morales, ambos com mútuas afinidades políticas e ideológicas. Ao contrário da presidente do Peru, Dina Boluarte, que concedeu salvo conduto a Nadine, Evo não o concedeu ao senador.
Na Bolívia, Roger Pinto, opositor a Evo e político de centro-direita, foi condenado por “abandono do dever” e por “dano econômico ao Estado”, crimes comuns. O senador alegou sofrer perseguição política. Ele foi condenado por um tribunal e a Bolívia era e é uma democracia. Nem os aiatolás, nem o sumo pontífice, nem um comentarista da TV, nem ninguém pode impedir o direito de alguém de se declarar perseguido político, mesmo de tribunais em democracias. Se o declarante é ou não perseguido, é uma questão a ser verificada pela apuração dos fatos, pelas implicações legais e, por fim, pelo tribunal da história.
Mesmo com todo o imbróglio da fuga e mesmo sendo ele um opositor do governo de Evo, o governo de Dilma Rousseff decidiu conceder asilo político ao senador boliviano. Não houve estardalhaço da grande imprensa e nem deveria ter havido. Assim como a grande imprensa não deve continuar com sua campanha de manipulação e desinformação no caso Nadine.
Ao atacarem o governo pelo caso Nadine, os bolsonaristas mostram o quanto são cínicos. Flavio Bolsonaro alegou várias vezes perseguição política e abuso de poder para defender-se no caso das rachadinhas – um crime comum. Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e muitos bolsonaristas alegam que são perseguidos pelo STF e por Alexandre de Moraes. Eduardo, mesmo sem ser processado, fugiu para os Estados Unidos alegando perseguição política e declarando que vai pedir asilo. Os bolsonaristas não têm nenhuma moral para criticar o asilo por motivos humanitários ou por qualquer outro motivo a Nadine Heredia.
O que espanta é o silêncio, a apatia, a omissão e a covardia das esquerdas que não entraram na batalha da defesa do governo. O PT se limitou a emitir uma nota insípida. Os parlamentares do PT e das esquerdas em geral sumiram. Tendo em vista que estamos no período de Páscoa, talvez estejam imbuídos pelo espírito da Paixão, pois Cristo teria morrido para perdoar e redimir os pecados de todos. Piedosos e mansos, talvez os deputados queiram perdoar os bolsonaristas ou, já perdoaram…
Os bolsonaristas concentram fogo nutrido contra o governo. As esquerdas adotam a ética dos evangelhos: se alguém te bate na face direita, ofereça-lhe também a esquerda. Ou talvez sigam uma escusa ética dos gabinetes e das conveniências. De qualquer forma, esquecem-se de que o cristianismo só triunfou com a espada do Império e que mandou matar um número infinito de pessoas, fazendo jorrar rios de sangue. Mesmo assim, prega a mansuetude, a resignação e a obediência dos oprimidos. Esse cristianismo, que não é o originário de Jesus, entregou o mundo nas mãos dos malvados, como disse alguém.
A conduta das esquerdas, dos ministros, dos deputados e dos líderes no caso de Nadine é a continuidade da marca desse governo e dos partidos de esquerda: jogar parado, apanhando calado. A apatia é a marca desse conjunto de forças aninhadas no governo. Diziam que a anistia aos golpistas não passaria. Não barraram o recolhimento de assinaturas de deputados para acelerar a tramitação do projeto. Se o projeto for votado, passará. Se passar, o governo e os deputados de esquerda recorrerão às barras das togas dos ministros do Supremo para barrá-lo. A militância, perplexa e desalentada, olha atônita o horizonte na busca de uma esperança motivadora.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.
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