Terminou ontem (21) a segunda parte do Módulo II – O Império Tropical do curso Brasil: uma interpretação marxista de 500 anos de história, dedicado a debater a história do País sob uma perspectiva marxista, um empreendimento intelectual inédito no Brasil.
Ministrado pelo presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta, o curso foi encerrado com um dia inteiro de aulas no Centro Cultural Benjamin Péret (CCBP), em São Paulo. Disponível na plataforma Universidade Marxista, a aula final tratou da etapa histórica que vai do fim do Período Regencial até a Guerra do Paraguai, evento decisivo para o fim do Império e a proclamação da República.
Com a jovem nação sacudida por uma série de ameaças internas à sua integridade territorial, os liberais em crise perdem o poder para os conservadores em 1837. Estes colocam em ação uma política que desfaz as reformas liberais, sendo enfrentados por uma intensa mobilização que Pimenta caracterizou como “uma revolução colorida”. Tratava-se da campanha pela redução da idade mínima para que D. Pedro II pudesse assumir o trono, episódio que a história registra como Golpe da Maioridade, ao que Pimenta acrescenta:
“A esquerda brasileira, que não conhece nada da história do País, diz que ‘foi um golpe parlamentar’, querendo dizer que não foi um verdadeiro golpe. Mas a gente vê que os historiadores mais antigos tinham uma noção mais concreta das coisas, então dizem ‘Golpe da Maioridade’. É um golpe. Deram o golpe, destituíram o governo e mudaram as instituições. Um golpe de Estado.”
Logo após a ascensão de D. Pedro II, os liberais retomam o poder vencendo as eleições de 1840, que ficaram conhecidas como “Eleições do Cacete” devido ao uso desmedido da violência.
O golpe, no entanto, aprofunda as tendências direitistas do regime brasileiro, o que acaba favorecendo os conservadores. Disputas internas rapidamente levarão ao fim do ministério liberal, com os conservadores dominando a situação política do País a partir daí, desencadeando uma estabilização do regime político, que durará pelo menos 10 anos.
As últimas crises explodiram nesse período, mas não fazem mais do que fortalecer o deslocamento à direita do regime: são elas a Revolta Liberal (1842), eclodida em São Paulo e Minas Gerais, e, seis anos depois, a Revolução Praieira, ocorrida em Pernambuco entre os anos de 1848 e 1850. Contemporânea da Primavera dos Povos (1848), a série de revoluções burguesas na Europa na qual o proletariado começa a entrar em cena, a última revolução dessa etapa no Brasil já traz indivíduos simpatizantes do socialismo, embora fossem minoritários.
O período de estabilização não vem de uma competência política dos governantes de então, até porque, em grande medida, o Nordeste continua sua espiral de retrocessos durante o próximo período. Ao passo que, no Sul do País, a predominância da economia pecuarista se mantém.
É no Sudeste, porém, que a situação mudará radicalmente, com o Brasil entrando no maior e mais importante ciclo de desenvolvimento, ainda hoje inigualado: o ciclo do café. Pimenta analisa o período:
“O regime político ainda era horrível. Era o regime das ditaduras estaduais, era um regime escravagista inclusive, mas aparece com uma luz positiva porque durante 30 anos, o ascenso econômico vai sustentar esse regime imperial. Nos anos de 1840 e 1850 é o momento de maior crescimento da exportação de café. O Brasil tinha encontrado uma nova fonte de riqueza, extraordinariamente grande.
Dado o tamanho do mercado mundial, o café entra nesse estágio de desenvolvimento do mercado mundial como a mercadoria que o Brasil vendeu mais especial de toda a sua história, compensando a decadência dos outros estados. O estado de Minas Gerais, que estava arrasado após o fim do ciclo do ouro, volta a crescer com o café. É como se o Brasil fosse a Arábia Saudita. O século XIX é um período de grande desenvolvimento, ao contrário do que muita gente pensa. É o período em que começa a industrialização brasileira.”
A Guerra do Paraguai
Maior conflito deflagrado na América do Sul, a Guerra do Paraguai é um acontecimento decisivo para a história do País, que vai abalar, de maneira muito profunda, todas as estruturas, inclusive as sociais, brasileiras. A guerra tem uma importância muito grande, inclusive para a abolição. A Guerra do Paraguai é o maior conflito da história da América Latina, mas sua importância vai além disso, por ter sido uma guerra muito popular.
Até então, o Brasil contava com um pequeno exército, dedicado a atender pequenas tarefas. Na época, as forças brasileiras somavam 16 mil homens, contrastando com o Paraguai, que havia mobilizado 100 mil. Para derrotar um exército desse tamanho, era preciso mobilizar a população — o que foi feito com os escravos e ex-escravos.
Os senhores de escravos recebiam uma compensação para permitir a participação dos cativos, ao passo que estes, por sua vez, eram compensados com a libertação. Ainda houve uma intensa mobilização popular de voluntários.
Guardadas as devidas proporções, foi uma guerra similar à guerra entre a Rússia e as forças napoleônicas, que, para serem derrotadas, exigiram uma gigantesca mobilização popular. A derrota de Napoleão foi seguida por uma crise da autocracia russa, devido ao resultado da ampla mobilização popular criada para derrotar os franceses. O mesmo fenômeno ocorreu no Brasil.
Para derrotar o Paraguai, o regime foi obrigado a pedir o auxílio das camadas populares. Durante a Abolição, muitos militares se recusaram a reprimir os escravos, uma vez que muitos viram os negros lutando contra os paraguaios — o que, inclusive, impulsionou a simpatia do Exército pelo movimento abolicionista.
O Brasil tinha, na época, cerca de 10 milhões de habitantes, o que torna a mobilização de 300 mil pessoas um feito impressionante. Existe uma ligação muito grande entre as guerras e as revoluções — e esta não foi diferente. Foi, portanto, uma guerra que teve importância decisiva para definir os rumos do País.
O Paraguai é um país mediterrâneo, sem saída para o mar, o que representa um problema muito sério. O caminho para as rotas marítimas do Paraguai passava pelo rio Paraná, que é dividido com o Brasil. Esse problema geográfico é o “x” da questão.
Cercado por outros países muito maiores e mais poderosos, o Paraguai precisava se expandir. Isso, no entanto, requer condições para acontecer. E, naquele momento, o Paraguai tinha tais condições.
O país tem uma grande fronteira com a Argentina e o Brasil (e com a Bolívia também, embora esta não tenha tanta relevância para o debate). Para exercer seu comércio exterior, o Paraguai precisava de uma saída para o mar que não dependesse do Brasil, da Argentina ou do Uruguai.
Antes da unificação argentina por Rosas, a província de Corrientes havia sido independente por um longo período. Por conta disso, o Paraguai se sentia ameaçado pela Argentina e, naturalmente, também pelo Brasil, um país gigantesco.
Após a morte de Rosas, o Brasil passou a exercer grande influência na Argentina, atuando para barrar as pretensões argentinas sobre o Paraguai. Nesse momento, o Brasil é que passa a representar uma ameaça ao país vizinho.
Um ponto importante a destacar sobre a história do Paraguai é que, até esse momento, o país não estava dominado pelos latifundiários, tendo um governo bastante centralizado. O ditador Francia governou o país de maneira centralizada por duas décadas, sendo substituído depois pelo pai de Solano López, Carlos Antonio López.
A manutenção dessa ditadura permitiu um grande desenvolvimento do Paraguai. Como não era uma ditadura dos latifundiários, acabou adquirindo um caráter bastante progressista.
Uma das armas do Paraguai foi uma siderurgia muito desenvolvida, base para a modernização da indústria naval e das forças armadas — a exemplo do que a Rússia fez. Num primeiro momento, essa modernização visava defender o país dos vizinhos maiores. Com Solano López, o Paraguai já estava suficientemente desenvolvido para que o ditador se sentisse seguro para passar da defesa ao ataque.
O historiador José Chiavenato escreveu um livro chamado Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai, indicando que o Brasil servia aos interesses dos britânicos e franceses para destruir o Paraguai. Que eles quisessem acabar com o expansionismo paraguaio é óbvio, mas dizer que o Brasil fosse um instrumento da Inglaterra é um anacronismo.
A Inglaterra não tinha condições, na época, de obrigar o Brasil a entrar numa guerra contra o país vizinho. É preciso lembrar que o mundo ainda não havia ingressado na etapa do imperialismo — e, além disso, não se pode esquecer que o Brasil foi atacado. López estava muito preparado quando invadiu o Mato Grosso, mas calculou mal suas ações.
Quando se olha o conflito — Argentina, Brasil e Uruguai contra o Paraguai —, parece uma covardia, mas a guerra durou seis anos. O Brasil foi pego desprevenido, López tomou Corumbá, Dourados e uma série de cidades, o que fez o governo brasileiro abrir os olhos para uma situação muito difícil. O País foi obrigado a mobilizar um exército às pressas, o que não seria possível sem a mobilização popular.
Foi preciso um esforço gigantesco por parte do Brasil para derrotar o Paraguai — o que só foi conseguido, primeiro, dominando o rio Paraná. Após isso, surgiu o problema de ocupar o país por terra, o que foi um pesadelo, uma vez que o Paraguai empreendeu uma resistência muito dura, quase literalmente até o último homem. A população do país foi drasticamente reduzida, e os homens escassearam a ponto de o país retornar à poligamia para evitar o desaparecimento populacional.
Enquanto os exércitos brasileiros eram, em boa parte, formados por voluntários, no Paraguai, as forças armadas eram altamente profissionalizadas. Ao contrário da propaganda contemporânea, a posição do povo brasileiro era unânime em relação ao apoio à Guerra do Paraguai. Havia o sentimento generalizado de defesa do esforço de guerra, com López sendo apontado como um ditador em oposição à “democracia” brasileira — uma democracia bastante estranha, mas era essa a propaganda da época. Foi uma mobilização muito intensa que, se naquele momento teve o pendor de derrotar o Paraguai, no momento seguinte, impulsionou a luta contra a monarquia.
O presidente nacional do PCO traz a seguinte consideração sobre a abordagem dada pelos historiadores contemporâneos à história do País:
“Um problema frequentemente encontrado nos historiadores ideológicos é que não explicam a situação da época, como se tudo fosse como hoje. Criticar os bandeirantes por caçarem índios não é como se o pessoal estivesse em Brasília, indo ao Mato Grosso caçar índios. Era outra época. Todo mundo que podia, fazia isso naquela ocasião.”
Finalmente, Pimenta conclui:
“A estrutura política do Império — aquele parlamentarismo e os partidos — desapareceu, mas as bases dessa estrutura continuam deixando marcas que atuam ainda hoje na vida política brasileira. O pior desserviço do PT são as ilusões que ele propaga sobre a situação brasileira, como se bastasse eleger um presidente da República para que o País vire uma maravilha. Se queremos transformar o Brasil e o mundo, precisamos conhecer a realidade brasileira.”