‘Quando uma pessoa merece respeito, você deve isso a ela’
Usando a batina branca do chefe “Francisco”, parece que Bergoglio merece respeito, de resto por contraste com qualquer um de seus antecessores e, possivelmente, com seu sucessor.
“João Paulo II o aposentou assim que fez 75 anos”, lamentou-se o tradutor chileno Rodrigo Vergara diante de Nanni Moretti no documentário “Santiago, Itália”, de 2018, ano fatídico para o povo brasileiro.
Vergara se referia a Raúl Silva Henríquez, arcebispo de Santiago do Chile na ditadura de Augusto Pinochet, e a Karol Józef Wojtyła, o Papa antipovo do final do século XX.
“Ele foi o personagem mais importante da resistência chilena, na minha opinião”, completou Rodrigo Vergara, referindo-se, claro, ao cardeal.
Envergando uma batina, e não uma qualquer, Raúl Silva Henríquez foi importante freio – o freio possível – à sanha assassina de Pinochet e da junta militar da ditadura chilena.
A importância da Igreja Católica na resistência a Pinochet foi retratada mais recentemente do filme “1976”, de Manuela Martelli e disponível na Netflix.
Ainda no governo de Salvador Allende, antes do golpe militar mais sujo da história da humanidade, o já arcebispo Raúl Silva Henríquez cedeu terras da Igreja para a reforma agrária radical, como deve ser, da Unidade Popular, justificando-se assim perante os reinos do Céu e da Terra:
“Essas terras têm servido a Deus por muito tempo, mas acredito que as necessidades dos trabalhadores dessas terras são maiores”.
“Naquela época – seguiu Rodrigo Vergara, diante de Nanni Moretti -, os jovens queriam se tornar padres, porque era tão… como posso dizer? A estatura moral era tão maravilhosa…”.
E se emociona; e seus olhos se enchem de lágrimas; e não consegue mais falar.
“Por que está tão emocionado ao pensar nesse cardeal?”, pergunta o documentarista, intervindo.
Vergara demora para se recompor. Após longos segundos, quase um minuto em silêncio diante da câmera, Vergara responde:
“Porque ele era o que um cardeal deve ser. Eu não sou católico. Sou ateu. Não tenho nada a ver com isso. Mas quando uma pessoa merece respeito, você deve isso a ela”.
Jorge Mario Bergoglio mereceu nosso respeito quando, em 2018, com Lula preso injustamente em Curitiba, disse assim durante uma homilia na praça São Pedro: “A mídia começa a falar mal das pessoas. Depois chega a justiça, as condena e, no final, se faz um golpe de Estado”.
Quando, no Natal de 2020, exortou contra “o vírus do individualismo radical”.
Nem tanto, por exemplo, quando disse que aborto é “nazismo com luvas brancas”.
No cômputo dos posicionamentos que assumiu e das reformas que promoveu na mais tentacular instituição reacionária do planeta, usando a batina branca do chefe “Francisco”, parece que Bergoglio merece respeito, de resto por contraste com qualquer um de seus antecessores.
E, muito possivelmente, com seu sucessor, tendo em vista que Jamil Chade informa nesta segunda-feira, 21, no UOL, algo sobre a estatura moral dos que estão à espreita: “ultraconservadores farão ofensiva contra igreja mais universal de Francisco”.
Os “ultraconservadores” estão em ofensiva por todos os lados.