A guerra comercial entre Estados Unidos e China ganhou um novo capítulo. Diante do aumento unilateral das tarifas norte-americanas sobre produtos chineses, que chegaram a 145%, Pequim respondeu não com retaliação direta, mas expôs o que até então era tratado com discrição: a dependência das grifes ocidentais da produção terceirizada na China.

A ofensiva vem em forma de vídeos publicados por fabricantes locais no TikTok, mostrando as etapas de produção de bolsas de marcas como Hermès, Louis Vuitton e Prada. As imagens revelam que parte significativa desses produtos de luxo é produzida em fábricas semelhantes às que fabricam réplicas ou itens sem marca, desmanchando a aura de exclusividade cuidadosamente construída por tais empresas.

OMC, cadeias globais e a retórica da exclusividade

Segundo a internacionalista Elaini Silva, doutora em direito internacional pela USP e professora da PUC-SP, a resposta chinesa não representa, necessariamente, uma ruptura estratégica no uso das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

“A proteção de marcas foi uma das exigências aceitas pela China ao aderir à OMC no início dos anos 2000. Mas, ao ver o pacto comercial rompido com o aumento de tarifas, a China decidiu não violar essas regras diretamente — mas sim dar transparência à lógica de produção global que sustenta essas marcas”, explica.

Em outras palavras, a China optou por escancarar a engrenagem do luxo — sem romper formalmente o contrato, mas expondo suas fragilidades.

O colapso da narrativa do luxo artesanal

Os vídeos viralizados expõem mais do que bastidores industriais. Mostram que a exclusividade vendida pelas grandes maisons europeias tem menos a ver com origem ou ética produtiva, e mais com marketing e controle simbólico.

“As marcas perceberam que o apelo da exclusividade importava mais para o consumidor do que a rastreabilidade da produção”, afirma Elaini. “A prática de terceirizar etapas da produção é conhecida da academia há décadas. A diferença é que agora isso foi publicizado para além dos muros da academia — e num contexto de disputa geopolítica”.

Sustentabilidade seletiva e a vitrine quebrada

Neste imbróglio, soma-se ainda o movimento recente de algumas dessas marcas tentarem alinhar suas imagens à agenda ESG — sustentabilidade, ética e transparência. No entanto, segundo Elaini, a lógica do mercado de luxo permanece atrelada à escassez e ao status. “Falar em consumo consciente e ético tem sido uma desafio em termos de coerência”.

Mais do que uma denúncia informal, a estratégia de exposição adotada pela China transforma a vitrine do luxo em campo simbólico de disputa.

Com isso, a revelação de que os mesmos produtos que sustentam esse status social são fabricados em larga escala na China fragiliza esse discurso e gera ruído entre consumidores atentos. “Isso evidencia a contradição entre agendas políticas e econômicas especialmente dos EUA, que antes não tiveram de lidar com este tipo de situação”.

Em tempos de guerra econômica, fake news e exposições calculadas, a vitrine do luxo ocidental se torna menos reluzente. A China, sem violar formalmente as regras, passou a jogar com a exposição — e, ao fazer isso, revela que o império da exclusividade repousa sobre bases menos sólidas do que se imaginava.

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Last Update: 21/04/2025