O descanso

por Felipe Bueno

Numa definição simples e direta, soft power é a influência desmilitarizada e apolítica (nominalmente, não intencionalmente) que um Estado exerce sobre outro, sobre outros ou sobre todo o planeta.

Considerando isso, de tão grande é frequentemente normalizado e até ignorado o poder – inversamente proporcional a seu tamanho – que um específico Estado impõe ao mundo: o Vaticano.

A morte de Jorge Bergoglio vai ocupar sua timeline até a exaustão pelos próximos dias. Que a onda, antes de chegar à areia, permita-nos algumas reflexões.

Que Bergoglio foi objeto de questionamento dentro da Igreja Católica desde seus primeiros momentos como Francisco – e antes, obviamente – não é notícia nova. Foi acusado de ser argentino (com razão) e de comunista (sem razão), entre outras dezenas de classificações. Ao assumir o trono de Pedro, que não era argentino e talvez fosse comunista avant la lettre, gerou incômodos velados e escancarados no mundo conservador e reacionário – duas “qualidades” diferentes, ainda que apareçam juntas com frequência dentro do mesmo ser humano.

Por outro lado, produziu na ala progressista do mundo a esperança de que a Igreja Católica dedicasse palavras menos duras acerca de questões fundamentais para a sociedade de hoje – inclusive sobre o passado manchado da instituição.

Bergoglio conseguiu tudo isso logo de saída. Mas apenas como pessoa. Apenas como ser de carne e osso.

Porque como sacerdote máximo do mundo católico, pouco pode fazer para tirar a Terra e seu próprio mundo das sombras. Poderíamos fazer uma simplória analogia com os oito anos de Barack Obama, um homem carregado pela expectativa de que fora escolhido para mudar os Estados Unidos e ajudar a tornar o planeta mais habitável, mas não superou Guantánamo, o Afeganistão e tantas outras questões internas e externas.

E, pior, não soube contornar a onda reacionária que lá no meio do oceano se formava em resposta mais a expectativas que a fatos concretos de sua própria lavra.

Aos que admiravam Bergoglio, o homem que apreciava o San Lorenzo e usava relógios baratos, imortalizado como o good guy no filme Dois Papas, de 2019, fica o alívio de saber que ele agora descansa seu corpo. Sua alma, infelizmente, nunca saberemos.

Talvez Bergoglio tenha sido grande demais para a pequenez humana da instituição alegadamente sagrada que liderou. Sendo assim, só restava mesmo a ele buscar um lugar melhor.

Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.

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Last Update: 21/04/2025