A China está revolucionando sua infraestrutura elétrica com a construção de uma vasta rede de linhas de transmissão de ultra-alta tensão, conhecidas pela sigla em inglês UHV (Ultra High Voltage). Essas linhas operam com tensões superiores a 800 mil volts em corrente contínua (UHVDC) ou 1 milhão de volts em corrente alternada (UHVAC), níveis muito acima das linhas convencionais que operam, na maioria dos países, entre 220 mil e 500 mil volts.

Essas linhas de ultra-alta tensão permitem transportar eletricidade por distâncias superiores a 2.000 ou até 3.000 quilômetros, com perdas mínimas de energia — em torno de 5%, contra até 15% nas linhas convencionais em longas distâncias. Assim, a China consegue enviar a energia solar e eólica captada em regiões remotas, como o Deserto de Gobi, para as áreas urbanas e industriais do leste e sudeste do país, onde se concentram centenas de milhões de pessoas e a maior parte do PIB nacional.

Para contextualizar a magnitude dessas linhas, uma linha UHV típica na China pode transmitir cerca de 12 gigawatts (GW) de potência. Para entender o que isso representa: 1 GW é igual a 1 bilhão de watts. Um chuveiro elétrico comum consome cerca de 5.000 watts (5 kW). Assim, 12 GW poderiam, teoricamente, alimentar 2,4 milhões de chuveiros elétricos ligados simultaneamente.

Outra comparação: uma linha de 12 GW seria suficiente para abastecer aproximadamente 50 milhões de residências com consumo médio de 240 watts por residência — um valor baixo, considerando apenas consumo essencial. Para uma cidade como Nova York, que atinge cerca de 12 GW de demanda máxima em seus picos mais rigorosos (por exemplo, em dias de calor extremo com uso intensivo de ar-condicionado), uma única linha UHV poderia sustentar toda a cidade por várias horas, ou mesmo dias inteiros, em condições normais de consumo.

No Brasil, há iniciativas semelhantes. A linha de transmissão Xingu-Rio é uma UHVDC de 800 kV que se estende por 2.543 km, conectando a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, à região metropolitana do Rio de Janeiro. Essa linha transporta 4 GW de energia, quantidade suficiente para atender cerca de 22 milhões de pessoas — aproximadamente 10% da população brasileira. Apesar de impressionante, essa capacidade ainda é modesta perto dos projetos chineses, que operam a mais que o triplo da potência.

Nos Estados Unidos e na Europa, as linhas de transmissão são, em sua maioria, de alta tensão convencional, operando entre 220 kV e 500 kV. Há exceções, como linhas de 765 kV nos EUA (por exemplo, a rede da American Electric Power), mas são poucas e cobrem distâncias menores, já que a geração e o consumo de energia são mais distribuídos geograficamente. Na Europa, a malha integrada entre países também reduz a necessidade de linhas de transmissão ultra-extensas.

Para dar uma ideia ainda mais concreta: a linha Changji-Guquan, na China, é a primeira do mundo a operar com 1.100 kV (1,1 milhão de volts) em corrente contínua e percorre 3.284 km. Sua capacidade de transmissão é também de 12 GW, o que equivale, por exemplo, a dez vezes a capacidade de geração da usina hidrelétrica de Itaipu (quando Itaipu está operando em condições normais, com seus cerca de 1,4 GW médios por unidade geradora).

Outro exemplo: o consumo médio de toda a cidade de São Paulo, considerando iluminação pública, residências, comércio e indústria, gira em torno de 10 GW nos horários de pico. Uma única linha UHVDC chinesa moderna poderia, portanto, alimentar uma cidade como São Paulo sozinha durante seus períodos de maior demanda.

Essas linhas são fundamentais não apenas para otimizar o transporte de energia, mas também para permitir o crescimento exponencial das fontes renováveis, como solar e eólica, que costumam estar localizadas longe dos grandes centros consumidores. Sem uma rede UHV, a China teria que depender muito mais de usinas térmicas próximas aos grandes centros urbanos ou investir pesadamente em baterias de altíssimo custo para armazenar a energia captada em regiões remotas.

A estratégia chinesa é, portanto, um diferencial que coloca o país na dianteira da revolução energética do século XXI. Com a expansão acelerada das linhas UHV, a China não só reduz suas emissões de carbono como também garante energia abundante e barata para suas fábricas, data centers, redes de transporte elétrico e para seu projeto de liderança global em tecnologias como inteligência artificial e veículos elétricos.

Enquanto isso, países como o Brasil, os EUA e os membros da União Europeia ainda enfrentam desafios para integrar suas fontes renováveis de maneira tão eficiente — seja por limitações técnicas, seja por obstáculos políticos e regulatórios.

A rede elétrica UHV da China é, hoje, tão revolucionária quanto a implantação de sua malha ferroviária de trens-bala duas décadas atrás: um projeto de infraestrutura de altíssima escala, pensado para o futuro, que já começa a redefinir o equilíbrio energético global.

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Last Update: 21/04/2025