Papa Francisco relatava que há ódio à defesa da compaixão. Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto:

Os que lamentam a morte do papa Francisco, nesta segunda-feira pós-Páscoa, são muitas vezes mais numerosos do que aqueles que a celebram – apesar de não podermos desprezar a quantidade de babacas no mundo. O ódio à defesa da compaixão por Jorge Mario Bergoglio comprovava que muitos cristãos são incapazes de entender as palavras que estão na fundação de sua própria fé.

Isso lembra uma citação atribuída ao já falecido Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres: “Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista”.

Em seu último discurso, a mensagem “Urbi et Orbi”, neste domingo, Francisco lembrou que “o mal não desapareceu da nossa história e permanecerá até ao fim”. Mas que o amor venceu o ódio, a verdade venceu a mentira e o perdão venceu a vingança.

Na sacada da basílica de São Pedro, a última aparição do papa no domingo de Páscoa. Foto: AP – Andrew Medichini / RFI

Só que o caminho passa por reconhecer no outro um igual e caminhar junto a ele. E isso é insuportável para um grupo de pessoas que não quer dividir o pão e a mesa, apenas ceder as migalhas que caem no chão.

Desde que o papa Francisco passou a lutar pela vida no hospital Gemelli, em Roma, devido a um grave quadro respiratório, um rosário de autointitulados cristãos torcendo por sua morte nas redes sociais. A principal razão é de que seria comunista. A acusação não foi novidade. Ele mesmo tratou do assunto em uma entrevista ao canal C5N, da TV argentina, em 2023: “Minha carta de identidade é Mateus 25. Leia Mateus 25 e veja se quem escreveu era comunista”.

Evangelho de Mateus, capítulo 25, versículos 35 a 40:

“Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me. Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? Ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”

A palavra “comunismo” retirada de seu sentido original, de propriedade comum dos meios de produção e da ideologia por ela sustentada, se tornou no Brasil um simples comando para o linchamento digital, independentemente de quem esteja do outro lado. O objetivo é tirar a credibilidade e destruir, muitas vezes para servir de exemplo. E, consequentemente, esse processo tornou a palavra depositária do “mal”. E um grande mal é sempre temido e vira uma ameaça.

O mais irônico é que o papa “comunista” continuava defendendo dogmas da igreja, que eu vejo como equivocados, como a questão do direito ao aborto, que ele considera um homicídio e uma violação da dignidade humana.

Publicado originalmente no UOL

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Last Update: 21/04/2025