O ativista, observador eleitoral e pesquisador sobre América Latina e o Socialismo do Século XXI, Lee Brown, escreveu um relato chocando sobre as eleições no Equador, que, segundo ele, foram injustas. Caso de lawfare à semelhança do que ocorreu no Brasil, o Equador supostamente elegeu um aliado dos Estados Unidos sob Donald Trump. Supostamente, porque há fatos suspeitos e falta de transparência a respeito do resultado eleitoral.

Para Lee, o Equador caminha para se tornar um país autoritário, prestes a revogar a Constituição e retroceder com uma série de conquistas políticas e sociais. Leia o relato completo abaixo, publicado originalmente no blog do sociólogo argentino e doutor em Ciência Política por Harvard, Atilio Boron. O texto foi publicado antes da posse do novo presidente.

A virada trumpiana do Equador

Daniel Noboa, filho do homem mais rico do Equador e aliado político de Donald Trump, foi declarado presidente novamente após o segundo turno da semana passada. No entanto, Luisa González, candidata do partido progressista Revolução Cidadã, se recusa a reconhecer os resultados e exige uma recontagem e uma auditoria completa diante das irregularidades generalizadas.

Essas preocupações são compreensíveis. No primeiro turno, ambos os candidatos obtiveram 44% dos votos. Porém, no segundo turno, Luisa González surpreendentemente permaneceu com 44%, enquanto Daniel Noboa subiu para 56%. Isso apesar de González receber apoio do candidato progressista indígena que ficou em terceiro lugar, de outros partidos progressistas e de uma figura proeminente à sua direita.

Pesquisas pré-votação, bem como pesquisas de boca de urna e pós-votação, também indicaram uma disputa acirrada, com Luisa amplamente à frente, e não uma vitória esmagadora de 12% para Noboa.

Se as autoridades eleitorais equatorianas realmente quisessem garantir a confiança no processo, uma recontagem transparente voto por voto poderia ter sido realizada em apenas algumas horas. A recusa em fazê-lo, ou em permitir uma auditoria completa, só aumentará a desconfiança em um processo democrático já enfraquecido.

Eu estava no Equador como parte da missão de observação eleitoral da Internacional Progressista. O que testemunhei durante a semana que passei lá não me deixou dúvidas: essas eleições não foram livres nem justas.

O momento mais chocante ocorreu na véspera da votação, quando o governo declarou estado de emergência, suspendendo assim direitos fundamentais como a liberdade de reunião. Em uma cena assustadora, soldados armados usando balaclavas subiram ao palco durante atualizações televisionadas do Conselho Nacional Eleitoral, no que só poderia ser interpretado como um ato de intimidação pública. Outras medidas incomuns, como a proibição de os eleitores fotografarem suas cédulas preenchidas, minaram ainda mais a confiança.

As eleições também foram marcadas por graves abusos de recursos públicos para fins eleitorais. Nas semanas que antecederam a votação, por exemplo, o governo distribuiu centenas de milhões de dólares em pagamentos diretos aos cidadãos, no que parece ser uma compra massiva de votos.

México e Colômbia, dois dos maiores vizinhos do Equador, expressaram preocupação com as eleições. A presidente mexicana Claudia Sheinbaum chamou a vitória de Noboa de “altamente questionável”, enquanto o presidente colombiano Gustavo Petro declarou que seu governo não reconheceria a reeleição de Noboa sem uma auditoria completa dos resultados.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Europeia, embora reconheçam os resultados, também expressaram considerável preocupação. Em seu relatório preliminar, os observadores da OEA notaram com preocupação que o processo eleitoral foi marcado por condições desiguais, citando o uso indevido de fundos públicos e recursos estatais para fins eleitorais. Eles alertaram que essas práticas corroem a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. A União Europeia observou que a independência e a neutralidade do Conselho Eleitoral Nacional do Equador têm sido amplamente questionadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil.

Apesar de tudo isso, Noboa deve assumir o cargo para um mandato completo de quatro anos no final de maio, após servir como presidente interino nos últimos 18 meses.

O contexto político é claro. Noboa foi um dos poucos chefes de governo que compareceram à posse de Trump, junto com o presidente argentino Javier Milei, um defensor do livre mercado, e a primeira-ministra italiana de extrema direita Giorgia Meloni. Uma avaliação da inteligência dos EUA sobre a eleição presidencial equatoriana concluiu que a reeleição de Noboa seria do melhor interesse da segurança nacional dos EUA.

Já há sinais de que a vitória de Noboa ameaça acelerar a queda do Equador em direção ao autoritarismo. Poucos dias após a eleição, uma lista negra vazou identificando mais de 100 políticos progressistas que estariam sob ameaça de prisão. Entre eles estava o companheiro de chapa de González, que foi assediado quando tentou deixar o país para as férias da Páscoa após as eleições.

O medo de uma onda maior de repressão deve ser enquadrado no contexto da repressão generalizada dos direitos democráticos e civis fundamentais no Equador. Nos últimos oito anos, a esquerda equatoriana tem sido submetida a uma campanha sistemática de perseguição política e repressão legal após a deposição do presidente esquerdista Rafael Correa em 2017, com índices de aprovação recordes.

O Equador se tornou um caso clássico de “lawfare” — o uso do poder judicial e institucional pelas elites para destruir oponentes políticos populares — uma estratégia que ganhou destaque após seu uso no Brasil contra Lula da Silva para impedi-lo de vencer as eleições presidenciais de 2018.

O próprio Rafael Correa foi condenado à revelia a anos de prisão em um caso amplamente condenado por ter motivação política. Desde então, ele recebeu asilo na Bélgica. Um de seus ex-vice-presidentes foi preso e continua preso. Enquanto isso, Paola Pabón, governadora provincial da área ao redor da capital, foi presa e depois colocada em prisão domiciliar por supostamente incitar “rebelião” após expressar apoio a protestos contra medidas de austeridade. Outros líderes buscaram refúgio político no exterior para evitar um destino semelhante.

À medida que o Conselho Nacional Eleitoral se tornou uma ferramenta política para o governo da elite, em vez de uma fonte de representação democrática, até mesmo o partido fundado por Correa — que governou o Equador por uma década — foi destituído de sua influência pela esquerda. Tentativas de registrar novos movimentos políticos foram repetidamente bloqueadas.

Essa mudança autoritária faz parte de um projeto político mais amplo: desmantelar todas as conquistas da década de governo progressista bem-sucedido sob a Revolução Cidadã.

A próxima etapa desse projeto agora está clara. A oligarquia equatoriana está determinada a revogar a Constituição de 2008, promulgada durante a Revolução Cidadã e amplamente considerada uma das mais progressistas do mundo. Foi o primeiro a consagrar os direitos da natureza, proibir bases militares estrangeiras, garantir o direito à alimentação e enfatizar que setores estratégicos importantes, como energia, telecomunicações e água, devem ser de propriedade pública.

Entretanto, para a oligarquia equatoriana, esta constituição sempre foi um obstáculo que precisa ser removido, e o governo Noboa parece determinado a fazer exatamente isso.

Isso lhe permitiria estabelecer uma nova base militar dos EUA no país. A CNN informou que tais planos já estão em andamento. Essa medida consolidaria o retorno do Equador ao status de parceiro subordinado na agenda regional de Washington, onde os Estados Unidos apoiam as elites locais em troca de posições estratégicas na região.

Tudo isso provavelmente gerará ampla oposição pública. E a administração Noboa já está enfrentando desafios significativos que se mostrou incapaz de resolver nos últimos 18 meses. A pobreza está aumentando, a economia está em recessão e apagões paralisaram o país. Mas o aspecto mais grave é a escalada da violência: em apenas oito anos, o Equador passou de um dos países mais seguros a um dos mais perigosos da América Latina, com a taxa de homicídios aumentando seis vezes.

O governo neoliberal de Noboa não oferecerá soluções para a crescente crise do Equador; apenas repressão cada vez mais severa e desigualdade crescente. Para aqueles comprometidos em resistir à onda global de autoritarismo liderada por Trump, o Equador precisará de nossa solidariedade.

* Lee Brown foi observador eleitoral e trabalhou anteriormente no Equador.

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Last Update: 21/04/2025