A todo o direito que o ordenamento jurídico confere a determinado titular, existe de forma correspondente um dever, ou uma obrigação. E todo o direito confere ao seu titular a possibilidade de promover uma ação que lhe assegure esse mesmo direito. No âmbito do Direito de Família, o direito do menor de idade à pensão alimentícia tem como contrapartida o dever alimentar do detentor do poder familiar. No âmbito do Direito Constitucional, o direito à educação assegurado no artigo 205 da CF/88 gera a obrigação do Estado através das instituições de ensino público de fornecer os serviços de formação e qualificação profissional. No âmbito do Direito Tributário, o direito a um determinado benefício fiscal está sujeito à obrigação do Ente Público de dispensa do recolhimento do tributo, mesmo em prejuízo do erário, mas sempre diante de uma hipótese prevista em lei. Descumprindo o dever alimentar, ao credor há o direito de ingressar com a ação de alimentos. Descumprindo o Ente Público a lei autorizadora da isenção tributária ou de um serviço público como o acesso à Educação, caberá ao cidadão postular o seu direito perante o Poder Judiciário, seja através de uma ação declaratória seja através de uma ação constitutiva.
O sentido de “obrigações” no âmbito do Direito Civil tem um alcance mais restrito.
A Teoria Geral das Obrigações consiste num capítulo específico do Direito Civil que disciplina as relações negociais, ou seja, os atos de intercâmbio de bens e serviços. Envolve ainda a reparação de danos, quando surge a obrigação de indenizar oriunda de um ato ilícito. E ainda pode dizer respeito ao dever de restituir benefícios injustamente auferidos em detrimento de outrem, ou seja, o enriquecimento ilícito (artigo 884 CC/02). Assim, quando falamos de obrigações, estamos basicamente falando de contratos (ou de maneira mais ampla, de negócios jurídicos), da responsabilidade civil e de atos unilaterais que são “fontes de obrigação”, como o pagamento indevido ou enriquecimento ilícito, ou seja, obter uma vantagem econômica em detrimento de outrem sem justa causa.
Apesar do aparente alto nível de abstração do estudo da Teoria Geral das Obrigações, há na verdade uma dimensão bastante prática nesse capítulo do Direito Privado. É um assunto do qual nos ocupamos no dia a dia. Na nossa vida estabelecemos a todo momento relações negociais ou sofremos ou causamos danos geradores de responsabilidade civil que estão sujeitas ao regime das obrigações. Ao contratar um serviço de um pintor, estabelece-se uma obrigação consubstanciada no contrato de prestação de serviços: o pintor obriga-se a pintar a casa e o contratante obriga-se a remunerar o serviço. Ao colidir e abaloar um carro estacionado na garagem, agindo com negligência, o causador do acidente (do ato ilícito) obriga-se a indenizar a vítima restituído os valores de reparação do veículo e até os prejuízos pelo tempo em que o proprietário se viu privado do bem. (artigo 186 c/c 927 CC). Aquele que aufere uma vantagem indevida em dinheiro deve se obrigar a restituir o valor ao seu titular, com correção monetária, sob pena de enriquecimento ilícito. (artigo 884 CC/02).
A mais conhecida definição de obrigação no sentido técnico aqui tratado é aquela oriunda do Direito Romano. A definição dada pelas Institutas de Justiniano é: obrigação é um vínculo jurídico (obligatio est juris vinculum) que nos obriga a pagar alguma coisa, fazer ou deixar de fazer.
Clóvis Beviláqua, mentor do Código Civil de 1916, definiu obrigação como “relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão”.
Washington de Barros Monteiro define obrigação como “relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio”.
De maneira mais didática, Sílvio de Salvo Venosa define obrigação “como uma relação jurídica transitória de cunho pecuniário, unindo duas (ou mais pessoas), devendo uma (o devedor) realizar uma prestação à outra (o credor).”.
A obrigação envolverá sempre uma relação jurídica, um vínculo que liga duas ou mais pessoas. Trata-se de uma relação jurídica, diferentemente de uma relação puramente moral ou religiosa, nas quais a lei não estabelece sanção pelo seu descumprimento e que são indiferentes do ponto de vista estritamente do Direito. Pode ser considerada uma obrigação moral o dever de visitar um amigo querido internado no hospital. Pode ser considerada uma obrigação religiosa não comer carne no feriado da sexta feira santa. Mas essas não são obrigações jurídicas e, a princípio, não se revestem de relevância ao Direito ao ponto de sancionar aquele que descumpre o tal dever moral ou religioso. Em alguns momentos, os limites entre o Direito e a moral são mais tênues. Um exemplo de uma obrigação jurídica com dimensão moral é a hipótese do ato de ingratidão do donatário que pode ocasionar a revogação da doação (artigo 555 do CC/02).
Essa relação jurídica irá sempre envolver a figura do credor e do devedor. São os dois lados da obrigação, também denominados sujeitos da relação obrigacional.
O sujeito ativo da obrigação é o credor, ou seja, aquele que tem interesse em que a prestação seja cumprida. Devedor é a pessoa que deve praticar certa conduta, determinada atividade, em prol do credor, ou de quem este determinar. Trata-se da pessoa sobre a qual recai o dever de efetuar uma determinada prestação.
O objeto da relação obrigacional é a prestação, o que vem a ser justamente o elemento que irá vincular os sujeitos: a prestação pode ser dar algo, fazer algo ou deixar de fazer algo. Dentro da obrigação de dar, se insere a obrigação de pagar quantia certa.
A prestação sempre terá uma dimensão patrimonial, ou seja, poderá ser convertida em pecúnia que é um termo latino que significa dinheiro. (Em Roma, “pecus” era o significado da palavra gado, que era utilizado como moeda de troca. Do termo, veio também a palavra “pecuária”).
A prestação sempre terá um conteúdo patrimonial e conversível em dinheiro. Ainda que haja uma obrigação de fazer (por exemplo, eu me obrigo a pintar um quadro) o seu descumprimento, se não comportar a execução específica, poderá ser convertido em perdas e danos, ou seja, numa indenização pelo descumprimento da obrigação em benefício do credor.
Essa possibilidade de conversão da obrigação em perdas e danos está presente de maneira mais evidente nas obrigações infungíveis, ou seja, aquelas em que só é possível ser cumprida por determinado devedor, sem possibilidade de substituição. Contrato um violinista famoso para fazer uma apresentação no meu casamento. Esse violinista não comparece no dia e hora marcados. Aqui, a única saída ao credor é a conversão da obrigação de fazer (apresentação de violino pelo artista famoso) nas perdas e danos, que é a indenização pecuniária, que abrange os danos emergentes e os lucros cessantes, nos termos do artigo 402 do CC/02, e, em alguns casos, até mesmo os danos morais (artigo 186 e 927).
As obrigações têm ainda um outro aspecto que as diferenciam, que é a sua natureza transitória. Ao contratar um serviço, como a instalação de um fogão no meu apartamento, temos a expectativa de que após a execução dos trabalhos, de forma satisfatória, e com o pagamento, a obrigação será extinta. As partes, num contrato, podem estabelecer relação por um longo período, mas ainda assim não é um vínculo que se caracteriza pela eternidade. O ciclo natural da obrigação é o seu nascimento e a sua extinção, seja com o adimplemento, ou seja, o cumprimento do avençado, seja nos casos de mora (inadimplemento parcial) ou inadimplemento total, quando o credor poderá se munir do processo judicial para executar um crédito ou pedir a indenização das perdas e danos pelo descumprimento do pactuado.
Do exposto, verificamos o caráter universal e abstrato dos Direitos das Obrigações, que fez com que mantivesse uma estrutura que se manteve desde a época do Direito Romano, obviamente trilhando uma linha de evolução. Hoje em dia, apenas o patrimônio do devedor responderá por suas dívidas (artigo 391 CC/02) enquanto em Roma o devedor poderia responder por suas dívidas não só com os seus bens, mas com a sua liberdade, estando sujeito a ser um escravo por dívidas. Por outro lado, os elementos da estrutura obrigacional, suas fontes e o seu alcance são tão amplos que se pode dizer ser talvez um dos ramos do Direito de maior dimensão universal. As obrigações regem a vida comum dos particulares e, mesmo sem sabermos, estamos a todo momento sujeito às suas regras.
Bibliografia: VENOSA, Sílvio de Salvo. “Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos”. Ed. Atlas,