“E se a anistia passar?”, pegunta o jornalista Moisés Mendes em artigo publicado em 19 de abril pelo Brasil 247, no qual, em seu primeiro parágrafo, faz as seguintes considerações:
“Não conseguiriam golpear Dilma. Golpearam. Não conseguiriam prender Lula. Prenderam. Golpearam, prenderam, voltaram a tentar golpear e fracassaram, mas continuam articulando mais um golpe”.
Conjugando o verbo dessa maneira, e com essa construção de frases, a coisa fica indeterminada, pois alguém golpeou e prendeu. É fundamental saber quem praticou essas ações, pois ninguém poderia levar a sério que aqueles que golpearam Dilma e prenderam Lula estariam agora preocupados com a “justiça”, ou tentando impedir golpes.
Mendes insiste na ideia absurda de que a manifestação de 8 de janeiro teria sido terrorismo e tentativa de golpe. Uma prova contundente contra essa tese, que foi transmitida ao vivo, é que não se viu ninguém armado durante a invasão dos prédios na Praça dos Três Poderes. Os vídeos das câmeras de segurança também comprovam que os manifestantes estavam desarmados.
No terceiro parágrafo, Moisés Mendes diz que “não há mais como dizer, como diziam em 2016 e repetiram em 2018, que eles não passariam. Passaram e ainda tentam, mesmo derrotados, seguir em frente”. Sim, eles, os golpistas, passaram; porém, ao contrário do que o jornalista afirma, não foram derrotados, viraram heróis da esquerda, seguem firmes e estão coordenando outro golpe para as próximas eleições.
De bandido a mocinho
Os golpistas de 2016 estão no Supremo Tribunal Federal (STF), na presidência da Câmara dos Deputados, nos comandos das polícias, e, por incrível que pareça, foram transformados em paladinos da “democracia”.
Dói em nossos ouvidos frases como “Essa democracia estaria morta e enterrada, com poucas chances de ressurreição, se não tivesse contado com a bravura de Alexandre de Moraes [grifo nosso]”. O nobre ministro do STF esteve entre aqueles que votaram contra o habeas corpus de Lula, o que o levou à prisão. O senhor Moraes, portanto, é um daqueles que prenderam Lula.
A “democracia” no Brasil já morreu, e um de seus principais carrascos é justamente Alexandre de Moraes, um juiz que tem o poder de investigar, processar e condenar. Isso seria permitido em uma democracia? Não, apenas em uma ditadura.
O passado de Alexandre de Moraes, sua ligação com o PSDB, o fato de ter sido secretário de Segurança Pública do governo de Geraldo Alckmin (ex-PSDB) em São Paulo, e ministro de Segurança Pública do golpista Michel Temer (MDB), fez com que a esquerda decretasse o final dos tempos com sua indicação ao STF, em 2017. Hoje, essa mesma esquerda o trata como bravo defensor da democracia.
O ativismo judiciário
Há uma frase interessante no artigo de Moisés Mendes: “O golpismo é uma atividade permanente”. No Brasil, fica claro que existe um setor que está “acima” dos golpes, o STF, que atua sob o comando de determinados interesses, principalmente os do imperialismo.
O STF trabalhou ativamente no julgamento do Mensalão, ganhou os holofotes em toda a imprensa burguesa e apoio dos juristas de plantão enaltecendo o ativismo da corte. Ativismo, no caso, é sua atividade, ilegal, fora de suas atribuições, como criar leis e interferir também nos outros Poderes da República.
Todo o processo de perseguição contra o PT, o golpe de 2016 e a prisão de Lula, contou com a participação indispensável do Supremo. Desta vez não é diferente. A perseguição a Bolsonaro não tem o propósito de combater o golpismo ou de defender nenhuma democracia, mas criar um cenário propício para a eleição de um candidato mais fácil de controlar, e possa aprofundar os ataques contra a população em favor de interesses internacionais.
Golpes por toda parte
Moisés Mendes diz que “o Brasil, ao contrário do que ainda acontece nos vizinhos, perdeu a capacidade de reagir e de pelo menos espernear diante da imposição do fascismo”. Em que continente esse jornalista vive? Temos um Javier Milei na Argentina, Nayib Bukele em El Salvador. Temos a golpista Dina Boluarte no Peru, a fraude escancarada de Daniel Noboa no Equador. Fica difícil saber de quais vizinhos Mendes está falando. Não será do Chile, seguramente, onde um presidente fantoche dos Estados Unidos vestia até terno para falar ao telefone com o ex-presidente norte-americano Joe Biden.
O que está acontecendo no Brasil é o que vem acontecendo por toda a América Latina, e o golpismo é controlado de fora, pelo imperialismo. O grande capital, e mesmo setores da esquerda, criticam a Venezuela, Nicarágua, mas se calam diante de golpes escancarados.
Mendes escreve que temos “reduzida vontade de preservação de memórias, com déficit de ação política básica e sem condições de competir com a extrema direita na arena do mundo virtual”. Com relação à memória, não há como negar, pois a esquerda se esqueceu, por exemplo, de quem é Alexandre de Moraes. E a falta de condições de competir com a extrema direita não se dá apenas virtualmente, mas nas ruas.
Cavando a própria cova
A insistência no tema de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe, o apoio à censura e ao “ativismo” judiciário, tudo isso tem levado a esquerda para a beira do precipício.
Quando os incautos aplaudiram alegremente a criação do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, e afirmaram que acabaria a impunidade, não imaginavam que isso seria utilizado contra a própria esquerda, como o que ocorre agora com Glauber Braga.
Aqueles que pedem punição contra “discurso de ódio”, se calam diante do absurdo dos processos contra o genocídio em Gaza.
Apoiar os julgamentos completamente ilegais de manifestantes, pedir a prisão de pessoas desarmadas, inclusive de uma cabeleireira que passou batom em uma estátua, tem enterrado esses setores da esquerda. A população não apoia esses absurdos.