Nessa sexta-feira (18), o sítio Esquerda Online publicou a matéria A resolução assassina do Conselho Federal de Medicina, alegando que:
“no dia 16 de abril, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução CFM Nº 2.427/2025, em substituição à antiga resolução de 2019. Esse fato despertou debates na sociedade e angústia na comunidade trans, representando um grande retrocesso de direitos conquistados, no marco de uma ofensiva política crescente contra as pessoas trans”.
O primeiro ponto que a matéria aborda, e vê como problema, é como a resolução trata o “atendimento para crianças e adolescentes trans”. Segundo afirma, a nova resolução proíbe a prescrição de bloqueadores hormonais e hormônios para menores de idade”. Esquerda Online também reclama que a extrema direita estaria disseminando a ideia falsa de que no sistema de saúde estão prescrevendo hormônios e bloqueio hormonal para crianças antes da puberdade. Porém, é preciso lembrar que a puberdade pode ocorrer de 9 a 14 anos de idade.
A frase do texto “o protocolo aplicado atualmente no Brasil prevê o bloqueio hormonal a partir da puberdade até os 16 anos”, omite um dado muito importante: justamente o início do período. Pois é difícil encontrar alguém que concorde que uma criança tenha maturidade para tomar uma decisão dessa natureza. Logo, de nada adianta afirmar que o “atraso [da puberdade] não acarreta em nenhum prejuízo para a saúde”. E isso de que não acarreta prejuízos à saúde não é exatamente assim.
O artigo questiona que “com a nova resolução, a idade para a realização de cirurgias que acarretem em esterilidade aumenta dos 18 para os 21 anos. Além disso, é obrigatório o acompanhamento por equipe médica por 1 ano antes da realização de qualquer procedimento cirúrgico [grifo nosso]”.
No Brasil, a maioridade civil é alcançada aos 18 anos. 21 anos de idade se utiliza para situações específicas, como as cirurgias de esterilização. Logo, é falso dizer que “pessoas trans adultas terão seu direito ao corpo restrito”. Na verdade, a restrição serve para qualquer pessoa, não procura atingir um determinado grupo.
No terceiro ponto, que trata da “patologizacão das identidades trans”, o artigo afirma que propõe “a necessidade de validação das identidades de um ponto de vista médico e psiquiátrico”, estaria focando na “prevenção de um suposto arrependimento traz a ideia de que as pessoas precisam ser protegidas de si mesmas, ainda que os índices de arrependimento sejam extremamente baixos”.
Se os índices de arrependimento são extremamente baixos – a conferir –, é preciso admitir que eles existem, com o agravante de que podem envolver transformações irreversíveis. Os casos de detransição (pessoas que interrompem a transição de gênero e muitas vezes retornam ao gênero designado ao nascer) têm sido relatados com maior frequência nos últimos anos, embora ainda não existam estatísticas globais precisas. Alguns estudos e tendências indicam um aumento, especialmente entre jovens que iniciaram a transição social ou médica na adolescência.
Um estudo do Reino Unido (NHS, 2020) analisou dados da clínica Tavistock (serviço de gênero para jovens) e descobriu que, entre 3.398 pacientes referidos entre 2016 e 2017, cerca de 8% interromperam o tratamento, sugerindo possível arrependimento ou mudança de ideia.
Uma pesquisa norte-americana (2021, Lisa Littman) com 100 pessoas em detransição mostrou que 60% disseram não ter recebido avaliação psicológica adequada antes da transição médica.
Na Suécia, um estudo de longo prazo (2021) encontrou taxas de arrependimento em torno de 2,2% entre adultos trans, mas observou que os números podem ser maiores entre adolescentes.
No Reino Unido, o serviço de saúde (NHS) reportou um aumento de consultas relacionadas a detransição, levando a mudanças nas diretrizes de tratamento para jovens.
Nos Estados Unidos, fóruns online e redes sociais têm visto um crescimento de comunidades de detransicionistas, muitos alegando pressão social ou diagnóstico inadequado de disforia de gênero.
Suécia e Finlândia revisaram seus protocolos após relatos de jovens que se arrependeram de intervenções médicas precoces.
Quais são os principais motivos para a detransição?
- Mudança na “identidade de gênero” (a pessoa percebe que não é trans).
- Problemas de saúde mental não resolvidos (ex.: trauma, autismo, depressão).
- Efeitos colaterais físicos (ex.: esterilidade, perda de função sexual, alterações ósseas).
- Pressão social ou influência online (alguns relatam ter sido encorajados a transicionar sem avaliação profunda).
Os casos de arrependimento, especialmente entre jovens que iniciaram tratamentos médicos precocemente, tem levado países como Reino Unido, Suécia e alguns estados dos EUA a adotarem políticas mais cautelosas, exigindo avaliação psicológica rigorosa antes de intervenções hormonais ou cirúrgicas.
Apesar de haver o arrependimento, de fato a terapia compulsória para adultos que queiram fazer a cirurgia de mudança de sexo não é uma política democrática. Afinal, ela implica na intromissão do Estado sobre o corpo de seus cidadãos. O mesmo tipo de medida reacionária é discutida na questão do direito ao aborto. O Projeto de Lei 2490/23, por exemplo, determina que, nos serviços de saúde que realizam aborto legal, os profissionais responsáveis facultem à gestante a realização de exame de imagem para visualizar o coração e ouvir a frequência cardíaca do feto antes de iniciar o procedimento.
É deste ponto de vista, e tão somente dele, que o problema da terapia compulsória deve ser debatido.
Como os identitários debatem
O que chama a atenção no artigo é o recurso do apelo da “defesa da vida”. O debate vira uma espécie de tudo ou nada. Com a restrição, ou postergação, de tratamentos hormonais etc, as pessoas com disforia de gênero, estariam sendo “suicidadas”.
Esse tipo de argumento é exatamente o mesmo que utilizaram para aprovar o aumento da repressão com criação de novos crimes, como a “transfobia”, pois, supostamente, pessoas estariam se matando com a discriminação.
Em nome de que pessoas sofrem, no Brasil se institui um regime autoritário no qual vigora uma censura brutal. Por isso é falsa a alegação de que os identitários são “um dos setores mais dinâmicos em luta contra o fascismo na atualidade”. Na verdade, o identitarismo é uma ideologia direitista que tem servido para afastar a esquerda de seu programa histórico. Além disso, servir de linha auxiliar para uma instituição como o Judiciário, não tem servido para combater o fascismo, antes o contrário.