Flagrado como dono de uma offshore (empresa aberta em paraísos fiscais por pessoas residentes no Brasil) e de um fundo exclusivo para super-ricos quando já ocupava a cadeira de presidente do Banco Central, o bolsonarista Roberto Campos Neto segue no cargo blindado não só pela lei que deu autonomia ao órgão. Ele conta também com a complacência da Justiça, que barrou investigação da Comissão de Ética Pública, ligada à Presidência da República, sobre sua dupla atuação como autoridade monetária e especulador do mercado financeiro.

Como noticiou a revista CartaCapital, Campos Neto entrou na mira da Comissão de Ética Pública depois que, em 2021, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos revelou os nomes de figurões que eram donos de firmas em paraísos fiscais. O escândalo ficou conhecido como Pandora Papers.

Campos Neto aparecia como dono da Cor Assets, aberta por ele em 2004, nas Ilhas Virgens, com US$ 1 milhão. Na mesma lista estava Paulo Guedes, ministro da Fazenda de Bolsonaro.

Segundo apurou a CartaCapital, o relatório da comissão é desfavorável ao presidente do BC. Propõe instaurar contra ele um processo administrativo ético — na prática, uma espécie de investigação avançada, que pode resultar em uma advertência ou em uma recomendação para que o presidente Lula o demita.

Fundo exclusivo

As atividades clandestinas de Campos Neto vão além. Em 27 de setembro do ano passado, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) o inquiriu durante uma audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, sobre se ele era o dono de um fundo exclusivo registrado, em 10 de janeiro de 2018, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Receita Federal. À época, o fundo possuía um único cotista, pessoa física e detentor de 100% do patrimônio desde o início. O CNPJ é 30.077.624/0001-78. Lindbergh também formalizou um pedido à Comissão de Ética Pública para apurar indícios de conflito de interesses.

Esse episódio é relatado na mesma reportagem da CartaCapital, que lembra que, durante a audiência, o deputado ficou sem respostas do presidente do BC, inclusive para a pergunta sobre se o referido fundo exclusivo tinha investimentos em Tesouro Direto ou em títulos do Tesouro.

Título público é um papel que o governo vende no mercado financeiro em troca do compromisso de devolver o dinheiro lá na frente ao comprador e de pagar um adicional sobre o valor original da venda. Uma das referências usadas para remunerar compradores de títulos é a taxa básica de juros (Selic), que o Banco Central mantém nas alturas, sufocando a economia e multiplicando os lucros dos especuladores, como Campos Neto.

Somente a título de lembrança, em março de 2021, quando a taxa básica de juros (Selic) estava em apenas 2% ao ano, ela iniciou o maior ciclo de altas no século 21, pelas mãos de Campos Neto – foram 12 aumentos seguidos. Em agosto de 2022, ela chegou a 13,75% ao ano, índice que foi mantido até agosto de 2023, quando o BC começou a fazer uma redução a conta gotas do índice, sabotando o governo e o país.

Conforme a revista, os investimentos no fundo começaram em 29 de janeiro de 2019, um mês antes de Campos Neto assumir a presidência do BC, e o montante aplicado à época somava R$ 12,5 milhões. Em agosto de 2020, o fundo exclusivo investiu R$ 5 milhões em Letras Financeiras do Tesouro, títulos indexados à taxa Selic, conforme a revista. Essa aplicação correspondia a 20% do patrimônio do fundo à época, ou seja, R$ 25 milhões. Em outubro do ano passado, conforme a revista, o valor chegou a R$ 30,5 milhões – crescimento de 144% em pouco menos de cinco anos.

A reportagem da Carta Capital informa que os investimentos do referido fundo exclusivo eram geridos pelo Santander, a instituição que empregou Campos Neto por quase duas décadas e que foi uma das poucas escolhidas pelo BC para planejar a criação de uma “moeda digital” brasileira.

Na mira da Polícia Federal

Campos Neto já entrou para a história como o pior presidente do Banco Central, sobretudo após a posse do presidente Lula. Flagrado participando de um grupo de WhatsApp intitulado “Ministros de Bolsonaro”, confirmou ter um lado político ao passar a sabotar o projeto de reconstrução do país do governo que saiu vitorioso das urnas.

Para manter a Selic nas alturas e, assim, favorecer os lucros milionários dos seus aliados do mercado financeiro, passou a dar declarações públicas sobre um suposto desequilíbrio das contas do governo e a fazer a absurda previsão de que a inflação está prestes a sair de controle. Hoje é investigado pela Polícia Federal, a pedido do Tribunal de Contas da União (TCU), por suspeita de que o boletim Focus, documento do BC que traz previsões de analistas sobre a economia, esteja sendo utilizado para fazer especulação.

Especulação essa que fez o dólar disparar, aumentando os riscos de descontrole da inflação e de um novo ciclo de alta da Selic. E Campos Neto, ao contrário do que fez durante o governo passado, quando torrou R$ 70 milhões para conter a alta da moeda americana, agora sinaliza que nada fará, aprofundando a sabotagem contra o país.

Gleisi e Lindbergh denunciam ataque especulativo de Campos Neto contra o país

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), condenou mais esse ataque do presidente do BC contra o país.

“Alguém poderia explicar por que dizer a verdade sobre os juros e o ataque ao real ‘ajuda os especuladores’? Quer dizer que o presidente da República tem de ficar caladinho enquanto essa turma avança sobre a moeda do país? Todos esses “especialistas” sabem que a taxa Selic está artificialmente elevada, e muito, e que as razões da valorização do dólar estão lá fora, na economia dos EUA”, disse a parlamentar, na rede social X.

“Caberia ao BC defender nossa moeda, mas essa instituição ‘autônoma’ nada faz porque seu comandante aposta na crise. A reação coordenada e violenta contra Lula é um caso estarrecedor de inversão de responsabilidades. Lembra aquela história machista de culpar a mulher pelo estupro, porque ela usou saia curta. O que estamos assistindo no Brasil não é debate econômico. É política, com forte dose de preconceito”, prosseguiu.

O deputado Lindbergh foi na mesma linha

“Olha o escândalo que esse Roberto Campos Neto está fazendo para sabotar o governo do presidente Lula. O dólar bateu agora, hoje, a 5.63, e a pergunta que a gente tem que fazer é por que o Banco Central, que tem 350 bilhões de dólares de reservas internacionais, não intervém no mercado de câmbio? Tem as reservas cambiais ou pode fazer swaps cambiais?”, disse, em um vídeo.

“No governo do Bolsonaro eles fizeram isso para controlar a escalada do dólar. Eles chegaram a vender 70 bilhões (de dólares) das nossas reservas. Agora eles estão de braços cruzados, por quê? Porque estão usando isso pra especular contra o governo. Vão fazer uma sabotagem. E a função do Banco Central é controlar a inflação. Essa escalada do dólar puxa a inflação. Então, tecnicamente, nada se justifica”, acrescentou o deputado.

Da Redação

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Última Atualização: 03/07/2024