O Brasil tem tudo para ser protagonista na transição energética global. Com uma matriz elétrica já predominantemente renovável e vastos recursos naturais, o país poderia se tornar um líder mundial em soluções de energia limpa.
No entanto, enquanto o mundo avança para reduzir suas emissões de carbono, o Brasil ainda patina na falta de um plano claro e integrado que possa transformar esse potencial em uma economia sustentável e de alto valor agregado.
O alerta é da engenheira Rosana Santos, atual presidente do Instituto E+ e coordenadora da Câmara Temática do Fórum Brasiliero, em entrevista ao programa Nova Economia desta quinta-feira (17/04) [confira abaixo].
“Temos o que o mundo precisa, mas falta um plano. Precisamos decidir que tipo de país queremos ser nessa nova economia. Se o Brasil não decidir logo que papel quer desempenhar, outros países vão ocupar esse espaço. Vamos acabar importando o que poderíamos estar produzindo. A janela de oportunidade está aberta, mas vai fechar”.
Para Rosana, o problema não está na tecnologia, mas na articulação política. “Hoje, energia, agricultura e indústria trabalham como se fossem ilhas. É preciso um esforço coordenado, com metas claras, prazos e integração entre ministérios”. Durante a entrevista, a especialista defendeu três caminhos:
- Coordenação interministerial: “É preciso criar um grupo de alto nível que pense energia, indústria e agricultura juntos — e com metas comuns”.
- Foco nas fortalezas nacionais: “Biogás, energia solar com cadeia produtiva local, e aço de baixo carbono são áreas onde já temos know-how e recursos”.
- Protagonismo internacional: “Na COP30, em 2025, no Brasil, precisamos mostrar projetos prontos, produtos competitivos e exemplos reais — não só discursos”.
O campo pode gerar mais que comida
Um dos pontos centrais da crítica de Rosana está no uso dos resíduos da agropecuária. O Brasil é uma potência agroexportadora, mas ainda não incorporou de forma estruturada a geração de energia a partir do que sobra no campo — como bagaço de cana, esterco ou cascas de frutas.
“Hoje a gente queima esses resíduos ou deixa apodrecer. Mas eles poderiam virar biogás, que é energia limpa, gerada no território, com empregos locais. É como ter uma mina de ouro e ignorar”, diz.
De acordo com dados da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil possui a capacidade de gerar mais de 84 bilhões de metros cúbicos de biogás anualmente, mas, atualmente, utiliza apenas cerca de 1,5% desse potencial.
No entanto, cabe destacar que, entre 2011 e 2020, a produção de biogás no país teve um crescimento de quase 800%, o que representa um avanço importante para a transição energética. Isso porque tanto o biogás quanto o biometano são alternativas viáveis ao gás natural e aos derivados de petróleo, essenciais para a redução de emissões de carbono.
Indústria verde e desindustrialização silenciosa
Rosana também aponta falhas graves no planejamento da expansão das energias solar e eólica. Apesar de parte dos equipamentos ser montada no país, muitos parques e sistemas estão paralisados ou operam abaixo da capacidade por falta de integração com a rede elétrica.
“O governo incentivou a instalação de painéis solares nas casas, o que é positivo. Mas esqueceu de planejar a infraestrutura para receber essa energia. Quando o sol se põe, a solução acaba sendo ligar térmicas caras e poluentes”, critica.
Há também uma questão estratégica mal resolvida: o Brasil exporta matérias-primas baratas e importa equipamentos de alto valor agregado. “Exportamos o minério bruto e depois compramos o silício purificado por preços altíssimos. É a velha lógica colonial em versão high-tech”, ironiza.
Podemos produzir aqui — e fazer melhor
Para Rosana, o discurso de que o Brasil não pode competir com grandes potências tecnológicas é derrotista. O caminho, segundo ela, é fazer escolhas inteligentes, priorizando setores em que o país tem vantagens naturais e capacidades já existentes.
“Não precisamos fazer tudo, mas podemos ser líderes em nichos estratégicos. Biogás, aço verde, baterias para veículos elétricos — são áreas em que já temos base e recursos”, aponta.
Vale lembrar que, em março, em entrevista exclusiva ao GGN, o secretário-executivo da Fazenda, Rafael Dubeux, detalhou o plano de transição energética preparado pela pasta. O plano busca alinhar desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e justiça social, e envolve a coordenação entre vários ministérios. Leia aqui >> O incrível plano de metas que o governo esconde, por Luís Nassif.