A proposta orçamentária da Casa Branca para o ano fiscal de 2026 prevê o encerramento do financiamento ao principal programa de retorno de amostras de Marte da NASA, medida que pode deixar a China como único país com uma missão ativa para trazer material marciano à Terra até o início da próxima década.
O cancelamento da missão, conduzida em parceria com a Agência Espacial Europeia (ESA), ocorre após sucessivos atrasos e aumentos de custo.
A proposta ainda será avaliada pelo Congresso e poderá ser modificada antes da aprovação final. Se confirmada, a decisão deixará o caminho livre para a missão chinesa Tianwen-3, que planeja entregar cerca de 600 gramas de amostras de solo marciano até 2031.
A retirada dos Estados Unidos desse projeto espacial é interpretada por especialistas como um possível ponto de inflexão na competição entre as duas potências também no campo da exploração interplanetária.
“Enquanto os Estados Unidos e a China lutam na Terra pela liderança na economia global, os EUA estão cedendo seu papel de liderança no espaço à China”, afirmou Yuqi Qian, geólogo planetário da Universidade de Hong Kong. Qian trabalha com colaboradores internacionais em estudos sobre a atividade vulcânica da Lua e de outros corpos celestes.
Segundo ele, a interrupção do projeto conjunto entre a NASA e a ESA gera incertezas significativas sobre a posição americana no setor espacial.
“A reversão da missão conjunta de retorno de amostras de Marte entre a NASA e a Agência Espacial Europeia é um excelente exemplo. A equipe já fez progressos significativos na coleta de amostras com o rover Perseverance desde 2021”, declarou.
Qian também alertou para possíveis impactos sobre os parceiros internacionais da NASA. De acordo com ele, o cancelamento pode levar países aliados a reavaliar o grau de envolvimento com os projetos espaciais dos Estados Unidos.
“Isso certamente enfraqueceria a liderança dos EUA no espaço, especialmente porque a China está implementando programas ambiciosos e bem planejados para trazer amostras marcianas e enviar humanos à Lua”, afirmou.
O rover Perseverance, da NASA, está em operação em Marte desde 2021 e já coletou amostras em diferentes pontos da cratera Jezero. Em contraste, a missão chinesa Tianwen-3 adotará uma abordagem de coleta direta, com pouso em local específico, coleta e retorno das amostras à Terra.
Além das amostras de Marte, o plano espacial da China inclui outras metas de longo prazo. Namrata Goswami, pesquisadora de política espacial da Escola de Gestão Global Thunderbird, na Universidade Estadual do Arizona, destacou que o país asiático apresentou um roteiro detalhado para futuras explorações.
Segundo ela, a China pretende realizar uma missão robótica a Marte até 2037 para localizar possíveis áreas para uma base permanente. A construção dessa instalação está prevista para 2041, com foco no uso local de recursos do planeta. A implantação de um sistema de transporte de carga entre Marte e a Terra está programada para 2043.
“Isso não é diferente do foco das missões lunares da China, que visam a extração de recursos e o desenvolvimento econômico da Lua”, disse Goswami. Ela também mencionou que o país desenvolve tecnologia de propulsão nuclear para viabilizar suas metas interplanetárias.
As restrições orçamentárias também devem atingir outros programas científicos da NASA. Entre os projetos em risco estão o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman e uma missão planejada para estudar Vênus.
Além disso, o Centro de Voos Espaciais Goddard, em Maryland, pode sofrer impactos diretos. A instalação emprega aproximadamente 10 mil funcionários públicos e contratados, segundo informações veiculadas pela imprensa dos Estados Unidos.
A redução nos recursos da NASA prevista no novo orçamento é da ordem de 20%, o que representaria uma queda para US$ 20 bilhões. A maior parte do corte recairia sobre a diretoria de missões científicas da agência.
O fundador da SpaceX, Elon Musk, que mantém contratos com a NASA e é aliado político do ex-presidente Donald Trump, comentou a proposta de corte.
“Sou muito a favor da ciência, mas infelizmente não posso participar das discussões sobre o orçamento da NASA, já que a SpaceX é uma grande contratada da NASA”, afirmou. Musk descreveu a notícia como “preocupante”, embora tenha evitado declarações mais diretas sobre as implicações políticas da medida.
A possível retirada dos Estados Unidos da missão de retorno de amostras de Marte marca uma mudança estratégica relevante no panorama da exploração espacial.
Com um plano de longo prazo e metas detalhadas, a China poderá assumir um papel central nas próximas décadas, tanto no desenvolvimento de tecnologias espaciais quanto na realização de projetos voltados à exploração de outros planetas.
O desfecho dependerá da decisão final do Congresso sobre o orçamento e da capacidade dos EUA de manter parcerias científicas e técnicas em meio a um cenário fiscal restritivo.