BRASIL S/A
por Antonio Machado
Em meio ao mundo de distrações trazidas pelo colapso dos anseios sociais nas grandes sociedades, sobretudo nos EUA de Donald Trump, duas situações saltam aos olhos dos mais atentos no Brasil.
1ª: o status quo das políticas econômicas assumidas desde os anos 1990, que já estavam em causa pelas transformações tecnológicas, se tornou precário, como atesta a decadência industrial dos EUA;
2ª: programas de ajuste do orçamento federal tipo “teto de gasto” e “arcabouço fiscal” não têm mais futuro. Tornaram-se obsoletos.
As dúvidas se dissolveram com o anúncio da LDO, a proposta de lei de diretrizes orçamentárias enviada ao Congresso pelo governo Lula para balizar a discussão da lei orçamentária anual para 2026 (LOA) a ser apresentada possivelmente até agosto. É uma proposta viciada de premissas inexequíveis tanto das despesas quanto das receitas.
A falta dos ministros da Fazenda e do Planejamento na divulgação da LDO, na quarta-feira, foi premonitória da penúria fiscal. Mas é bom precisar o conceito: penúria não por faltar receita nem porque haja “gastança”, termo usual entre colunistas da imprensa.
Falta é gestão, profissionais experientes em administração, além de prioridades sobre o que é relevante. Exemplo: investimento que transforma e promove a produção ou transferências que perpetuam a pobreza em vez de preparar a autonomia econômica dos mais pobres?
Como diz o economista Fernando Montero, o cenário da LDO sugerida para 2026 “tem receitas superestimadas, despesas subestimadas, PIB acima das projeções apuradas pelo Focus (pesquisa semanal do Banco Central), juros abaixo, e deflatores ganhando dos IPCA médios”. Ou seja: reflete não a realidade das contas públicas federais, mas a incapacidade do governo em expor a verdade poucos meses antes das eleições gerais em outubro de 2026.
Com vontade política, haveria tempo para grandes ajustes. Mas “gasto é vida”, conforme expressão corrente no entorno de Lula, não junto à sua equipe econômica.
Aviso geral: apesar da aridez do tema, o que o faz ser podado das campanhas eleitorais pelos marqueteiros, os magos dos partidos de centro já se aperceberam que quem tiver um programa econômico que seja transformador terá mais chances que a turma da mesmice.
Ajustes para ganhar tempo
Com muitos eufemismos, para não desagradar a Lula e seu ministro da propaganda recrutado para tonificar as taxas de popularidade do presidente à base de benefícios fiscais, o secretário de Orçamento Federal, Clayton Montes, foi ao ponto. Disse, ao explicar a LDO:
“Precisamos tomar medidas que nesse momento ainda não foram tomadas e não estão sendo projetadas, mas não quer dizer que não seja projetado para frente. Para atingir o superávit, precisamos tomar medidas. A trajetória da [despesa] discricionária é decrescente se medidas não forem tomadas.” Traduzindo: chegará o dia em que faltará dinheiro para pagar o lanche de um ministro ou reembolsar a condução de um mensageiro do ministério.
O pagamento não obrigatório no orçamento tem o nome de despesa discricionária. Está estimada em R$ 221 bilhões neste ano (1,8% do PIB) e tende à merreca de R$ 8,9 bilhões (0,1% do PIB) em 2029. Vai definhar, como já definha há vários anos, não por que os governos sejam gastalhões. Também são, mas por que os gastos obrigatórios (salários do funcionalismo, déficit do regime próprio de aposentadoria pública e do INSS, bolsa família) crescem à frente do aumento da receita, não obstante a carga tributária seja recorde entre as economias emergentes e a maior no G-20 se se tirar da lista os países desenvolvidos. O excedente vira dívida.
Os déficits orçamentários são bancados com emissão de papéis pelo Tesouro Nacional, vendidos a investidores e operados no dia a dia pelos chamados farialimers, traders do mercado financeiro. Quanto maior a dívida, medida em relação ao PIB, maior a propensão a que os juros, puxados pela Selic do BC, sejam pela hora da morte.
Não há nada “de grátis”
Este é o quadro. Olhado pela métrica da dívida pública bruta, ela deve escalar de 71,7% do PIB no fim de 2022 para 85,6% em 2026. O aumento em quatro anos de 13,9 pontos de percentagem significa, em dinheiro, conforme o PIB projetado para 2026, R$ 1,9 trilhão – ou R$ 471 bilhões na média anual a partir de 2023, inclusive.
Transformada em renda disponível e ampliada pela indução oficial à contratação de dívida pelas pessoas, tal dinheirama explica duas coisas: 1ª, o recorrente erro de projeção do PIB pelos economistas do mercado sempre para menos; a miopia política é flagrante entre os tais farialimers; 2ª, a dificuldade de redução da Selic, já que o incentivo ao consumo bateu na restrição da oferta, e também na estrutura oligopolizada da economia tanta estatal como privada.
Pode-se dizer que o que o governo dá com uma mão a economia tira com a outra – com inflação, mais impostos, mais taxas embutidas em preços, com menor qualidade ou quantidade etc. Nada é “de grátis”.
Três frentes se contrapõem a tal situação, todas caquéticas e sem poder de mudar o que se exauriu: a intenção de buscar o superávit do orçamento com mais tributos ou menos desonerações, o caminho do governo; ou mais austeridade, a linha do mercado; ou a negação, um viés menor mas ainda considerado por alguns setores do PT.
Novos tempos, novas atitudes
Outras evidências, todas arriscadas, de que o orçamento exauriu a capacidade de seguir se esgarçando com mais dívida contratada a um custo lesivo, tipo IPCA+7% ou mais, está nas tentativas de bancar novos programas fora da lei orçamentária, como o Pé de Meia, vale gás, linhas de crédito subsidiado etc. A ideia é tosca: se não estiver no orçamento, não compromete a meta fiscal. Ora…
Tais gastos, chamados de parafiscais, estão sendo auditados pelo TCU. Bruno Dantas, ministro-relator, convocou para explicar que piro é esse os ministros da Fazenda e do Planejamento, os chefes de bancos estatais e deputados e senadores à frente da análise da LDO e a LOA. Por tais coisas, o governo Dilma entrou em coma.
O tema é político, inclui o uso abusivo de emendas parlamentares e a suspeita de que tais gastos não contemplam necessidades reais da sociedade e da economia, mas atendem motivações eleitoreiras.
É onde entram os cálculos dos partidos de centro e até de direita: a intuição de que o eleitorado também desconfia do que é apresentado como graça social desmotivada. Novos tempos implicam novas atitudes. Começa com um programa transformador. Se as atuais direções da Câmara e do Senado forem antenadas, pode começar até antes, com uma polida ampla e geral das propostas da LDO e da LOA.
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