O artigo “Fim da greve de fome de Glauber deve ser o início da moralidade no parlamento”, assinada por Simone Assis e publicada no Brasil 247 nesta quinta-feira (17), traz um problema já no título: a questão da moralidade no parlamento.

O tema não é novo. Em meados de 1992, surgiu a campanha “Ética na Política”, inicialmente chamada de “Movimento Democrático Pelo Fim da Impunidade”. Em 1993, o Senado instituiu, por meio da resolução número 20, o Código de Ética e Decoro Parlamentar. A esquerda, como de costume, caiu na armadilha, embora já tivéssemos dito que o resultado dessa campanha se voltaria contra a própria esquerda. O caso de Glauber Braga é um exemplo prático dessa política, pois, como já alertavam os antigos e Marx, “o caminho do inferno está pavimentado de boas intenções”.

A matéria inicia dizendo que “Um acordo com o presidente da Câmara, Hugo Motta, selou o fim da greve de fome do deputado Glauber Braga, que ficou sem se alimentar durante 180 horas”. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, o acordo para encerrar greve de Glauber envolveu telefonema de Gleisi Hoffmann para Motta.

A Folha afirma que Gleisi teria visitado discretamente Glauber no último sábado (12), com quem teria tido uma conversa reservada, onde prometeu que procuraria o presidente da Câmara. Isso, no entanto, “seria feito da forma mais discreta possível, para não criar melindres na já instável base política de Lula no Congresso. O centrão, que é majoritário, trabalhou ativamente para cassar o mandato de Glauber”.

Glauber Braga anunciou o fim da greve após Motta concordar com uma negociação e suspender a cassação por 60 dias, o que postergará a votação no plenário, se houver, para o segundo semestre. E provável que se discuta penas “mais brandas” para o deputado.

Como se vê, são negociações, e nada aponta, como sugere o título da matéria de Simone Assis, que seja o “início da moralidade no parlamento”.

Apelo emocional

Chama a atenção na matéria de Simone Assis o tom que utiliza, dizendo que “reve de fome foi encerrada na véspera da Sexta-Feira Santa. Para os católicos, o dia que antecedeu a crucificação de Cristo, que também jejuou por 40 dias, no deserto”.

Ainda que em seguida a autora corrija dizendo que não, os dias que Glauber Braga passou em jejum nada tiveram de cunho religioso, mas sim, de uma atitude política extrema, para ser ouvido, evitar a perda de seu mandato e que se abrisse no parlamento uma avenida de possibilidades para novas cassações, abusos e arbítrios”, é preciso dizer que essa colocação também está incorreta.

Para começar, essa “avenida” foi pavimenta com ajuda da própria esquerda. A existência do Conselho de Ética é, em si, uma ameça permanente contra os mandatos dos parlamentares. O PSOL é um partido que tem se empenhado em pedir a cassação de políticos opositores. Sendo assim, a greve de Glauber Braga, não tem nada de heroica, é muito mais uma atitude oportunista.

Obviamente, não somos favoráveis à cassação de Braga, como o de qualquer parlamentar, pois uma eventual cassação só poderia partir de seus eleitores, não de seus opositores.

O que é uma luta política

Embora estejam tentando mostrar a greve de Glauber Braga como um ato extremo e de heroísmo, esse não é um método tradicional da classe trabalhadora, ainda que possa e tenha sido utilizado em determinadas situações.

É preciso discordar da autora do artigo quando diz que “Há muito não se via um ato político de tamanha coragem e destemor”. Não se viu da parte de Glauber e de seu partido uma mobilização real de sua base, ou mesmo da militância, contra o processo de cassação. Tudo tem sido feito nos bastidores, e, nesse sentido, não há o que se exaltar.

As lutas realmente importantes que vemos são as dos trabalhadores que colocam em risco seus empregos quando fazem greve. Temos exemplos, como o artigo mesmo traz, de greves de fome de presos políticos no Brasil na década de 1970, quando 51 presos ficaram 38 dias sem se alimentar. Temos vários casos de palestinos presos nos cárceres israelenses que recorrem à greve de fome contra um Estado fascista que tem roubado suas terras e assassinado em massa civis, principalmente mulheres e crianças.

Por acaso Glauber Braga, o PSOL, e a esquerda, de modo geral, estão questionando a existência do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar? Trata-se de um órgão antidemocrático. Estão questionando a farsa que se monta sobre uma abstração chamada “decoro”?

Decoro pode ser qualquer coisa, chegar atrasado, dar um nó feio na gravata, xingar, arrotar em público… e isso é aceito pela esquerda sem a menor cerimônia. Um deputado, eleito por milhares ou milhões de votos, pode ter seu mandato cassado por migalhas por deputados opositores. O Supremo Tribunal Federal (STF), por absurdo que seja, tem cassado mandatos e sob aplausos da esquerda.

Qual é a legitimidade de quem concorda com a cassação de Carla Zambelli e grita quando Glauber Braga corre o risco de ser cassado? O princípio é o mesmo: o voto popular não pode ser cassado. Quem votou nos ministros do STF? Ninguém! São onze pessoas indicadas que têm o poder de decidir quem pode ou não exercer um mandato público.

A concepção que reza “aos amigos tudo, aos inimigos, a Lei” é puro oportunismo.

Não é verdade que “Glauber sai maior dessa luta travada na solidão das sete noites no parlamento”. Aliás, é um péssimo sinal dizer que um deputado tenha que travar uma luta “na solidão”.

Esse processo contra Glauber Braga revela uma enorme despolitização da esquerda. Não se luta de fato pelos direitos minimamente democráticos. Antes o contrário, a maioria da esquerda tem aplaudido a censura, condenações ilegais, criminalização de manifestações, e toda sorte de arbitrariedades.

Defender o mandato de uns e pedir a cassação de outros, além de oportunismo, é um caminho seguro para a derrota e fechamento do regime.

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Last Update: 19/04/2025