Entre os dias 18 e 21 de abril, ocorre no Centro Cultural Benjamin Péret (CCBP), em São Paulo, a segunda parte do Módulo 2 do curso História do Brasil, ministrado por Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO. O curso, transmitido pela plataforma da Universidade Marxista, visa contribuir com uma interpretação verdadeiramente marxista da história brasileira.

A história do Brasil não é a história da escravidão

A aula teve início com uma afirmação fundamental: “a história do Brasil não é a história da escravidão”. Para Pimenta, essa ideia, difundida pelos setores identitários, distorce completamente a compreensão sobre o desenvolvimento histórico do país. Assim como não se pode reduzir a história de Roma à escravidão, também não se pode transformar toda a história do Brasil em uma história de opressão racial.
Essa concepção limitada serve, segundo Pimenta, para ocultar o verdadeiro processo de formação da nação brasileira.
“A escravidão deve ser compreendida como parte da estrutura social, mas não como o eixo central de tudo”, afirmou.
Ele denunciou o identitarismo como uma ideologia que transforma erros históricos em delírios ideológicos, com afirmações como a de que a miscigenação foi exclusivamente resultado do estupro. “Com os identitários, o que já era ruim ficou inacreditavelmente delirante”.

O Brasil não compreende sua própria história

Segundo Rui, o Brasil é um dos poucos países onde não há uma concepção minimamente coerente sobre sua história.
“Nos EUA ou na França, há polêmicas, mas também um consenso básico. Aqui, isso simplesmente não existe.”
Ele exemplificou com a maneira como a independência foi tratada ao longo do tempo: inicialmente celebrada como um feito positivo, depois atacada por setores acadêmicos como uma fraude, uma farsa, ou até mesmo como um evento que “não aconteceu”.
O revisionismo identitário chegou ao ponto de, no segundo centenário da independência, diversos intelectuais — como Lilia Schwarcz — chamarem o período de uma “porcaria”. Rui critica essa postura que, sob a desculpa de uma leitura crítica, na verdade joga toda a história nacional na lata do lixo, desvalorizando o processo histórico de formação do país.

A independência como revolução nacional

 

Rui afirmou que a independência do Brasil foi uma revolução.
“Dizem que, como o Brasil se livrou de Portugal com relativa facilidade, não foi uma revolução de verdade. Mas isso é uma análise absurda.”
O Brasil, um território imenso, enfrentou a potência colonial portuguesa e conquistou sua autonomia política.
Pimenta destaca que isso foi um fator fundamental para o desenvolvimento brasileiro. A facilidade relativa com que o Brasil conquistou sua independência, quando comparado a outros países da América Latina, não diminui seu valor histórico — ao contrário, revela a força política da nova nação que se formava.

O golpe da Constituinte: crise e centralização

A aula então avançou para a discussão do fechamento da Assembleia Constituinte de 1823. Rui destacou que muitos tratam esse episódio como um golpe autoritário de Dom Pedro I, mas isso é uma visão simplista.
“Há golpes e golpes. O Ibrahim Traoré também deu um golpe em Burkina Faso, e foi muito bom”, relembrou.
A Constituinte havia se tornado um centro de agitação contra o imperador. Rui destacou que havia até comparações entre Dom Pedro e o imperador mexicano que havia sido decapitado. Diante disso, o governo reagiu com o fechamento da Assembleia. O ponto de fundo dessa crise era a tensão entre as tendências centralizadoras e separatistas que marcam toda a história do país.

Unidade nacional versus tendências separatistas

Rui explicou que o problema da centralização nacional é uma constante na história do Brasil. Desde a independência, há uma fração da classe dominante que defende a centralização e outra que aposta na fragmentação territorial. Essa segunda tendência se manifesta por meio do federalismo, do separatismo e de movimentos como a Confederação do Equador, todos com caráter reacionário.
“O progresso das nações tende à centralização”, afirmou, citando Marx e Engels. Para os revolucionários, o Estado revolucionário deveria ser unificado e não federado. O mesmo se aplica ao Brasil: a unidade territorial é uma das maiores conquistas do povo brasileiro. O exemplo dos BRICS — originalmente formado por grandes nações como China, Índia e Rússia — demonstra a importância política do tamanho e da integração nacional.

A Confederação do Equador: uma falsa luta por liberdade

Um dos momentos mais importantes da aula foi a análise da Confederação do Equador, de 1824. Rui criticou a forma como esse movimento é romantizado pela historiografia liberal, sendo tratado como uma rebelião democrática contra um governo autoritário. Na realidade, tratava-se de um movimento separatista, cuja proposta era criar uma confederação de estados nordestinos.
Rui explicou que o movimento foi impulsionado pela decadência econômica da região açucareira, sobretudo em Pernambuco. O declínio da produção após a ocupação holandesa e a queda do preço do açúcar geraram uma insatisfação generalizada na burguesia local. Essa burguesia via no separatismo uma forma de preservar seus interesses econômicos, não de lutar por liberdade. “Se a Confederação vencesse, o Brasil se tornaria um amontoado de estados impotentes, dominados pelo imperialismo”.

A farsa da democracia liberal

O presidente do PCO também fez uma crítica contundente à retórica liberal sobre democracia.
“Democracia em si não tem valor. Quem luta por democracia está lutando pelos seus interesses materiais.”
Desde a Constituição de 1988, o Brasil vive sob um regime formalmente democrático, mas isso não impediu a destruição da economia, da educação, da saúde e de todo o Estado nacional.
A palavra democracia, nesse sentido, funciona como um verniz ideológico para defender interesses reacionários. Os ataques ao centralismo do governo imperial no século XIX eram apresentados como defesa da liberdade, mas visavam enfraquecer o poder central e fragmentar a nação.

A crise do Primeiro Reinado: um processo revolucionário

A crise que levou à abdicação de Dom Pedro I não pode ser explicada por um suposto “autoritarismo” do imperador. Rui classificou essa interpretação como ridícula, especialmente em uma época onde praticamente todos os governantes eram autoritários. A crise era, na verdade, expressão da própria dinâmica da revolução que havia criado o Estado brasileiro.
A independência foi uma revolução, e toda revolução carrega conflitos internos. Assim como na Revolução Francesa diversas lideranças foram substituídas, o Brasil viveu sucessivas disputas internas nos seus primeiros trinta anos de vida independente. A situação de colapso fiscal após a saída da corte portuguesa, a falência do Banco do Brasil e a crise econômica foram agravadas pela guerra da Cisplatina, que culminou no enfraquecimento do poder do imperador.

9. A guerra da Cisplatina e a perda do Uruguai

Pimenta explicou que a guerra da Cisplatina foi, essencialmente, um confronto entre Brasil e Argentina pelo controle do território que hoje corresponde ao Uruguai. A Argentina queria expandir sua influência; o Brasil resistia. O impasse militar, o custo altíssimo da guerra e a pressão internacional — principalmente da Inglaterra — resultaram na criação do Uruguai como país independente.
Essa derrota abalou profundamente o governo de Dom Pedro, sendo um dos fatores decisivos para sua abdicação. Junto a isso, houve também uma campanha demagógica anti-portuguesa, usada como instrumento político contra o imperador.

A falência do marxismo na historiografia brasileira

O presidente do PCO encerrou a aula explicando por que não há, até hoje, uma interpretação marxista coerente da história brasileira. O anarquismo dominou o movimento operário no início do século XX. O PCB, criado em 1922, era intelectualmente frágil — a ponto de ter seu pedido de entrada na III Internacional recusado por Leon Trótski.
Para Pimenta, os partidos existentes hoje são “partidos de mentira”. O PCB é decorativo, o PSOL é uma piada e o PT superou todas as barreiras do oportunismo. A esquerda brasileira vive uma crise ideológica profunda e está completamente incapacitada de interpretar a realidade.

11. Centralização, unidade nacional e revolução

O curso tem como objetivo contribuir para um estudo marxista da história brasileira. Rui reafirmou que um partido verdadeiramente revolucionário deve ser porta-estandarte da unidade nacional. Separatismo e federalismo são expressões da decomposição do Estado e interesses do imperialismo.
Dom Pedro I, longe de ser um tirano, foi reconhecido em Portugal como o pai da democracia. A crise do Primeiro Reinado não é um fracasso liberal, mas parte do desenvolvimento revolucionário que formou o Brasil como nação.

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Last Update: 19/04/2025