Por Jorge Luiz Solto Maior*

Em Outras Palavras

1.

Já foram escritos muitos textos denunciando a atuação destrutiva do STF com relação ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho. Eu mesmo escrevi alguns.

Mas a tarefa que se impõe no momento presente não é a da compilação de todos estes textos e sim a compreensão de que todas as intervenções do STF em matéria trabalhista compuseram o contexto de um processo, demonstrado, inclusive, pela cronologia dos textos e da progressiva gravidade dos assuntos neles destacados.

Este processo, hoje, chegou ao seu limite extremo e nos obriga a indagar: o STF vai, efetivamente, determinar o fim do Direito do Trabalho e, por consequência, da Justiça do Trabalho?

A pergunta é pertinente porque, depois de tantos rebaixamentos doutrinários, legislativos e jurisprudenciais, a proteção jurídica trabalhista atingiu o ponto no qual um novo abalo só se dará ruindo as bases de sustentação do Direito do Trabalho. E, embora, como dito, muitas tenham sido as forças, dentro e fora do campo jurídico, fora e dentro da própria Justiça do Trabalho e da doutrina trabalhista, não se pode negar o papel decisivo, assumido pelo STF a respeito, como denunciam os textos mencionados.

Isto se evidencia ainda mais quando, após o TST, em 18/03/25, mordendo a isca da precarização jogada pelo STF e com o objetivo de decidir, com efeito vinculante, se a “pejotização” é juridicamente válida, instaura um IRR – Incidente de Recurso Repetitivo no processo E-RRAg-373-67.2017.5.17.0121 (fixando, inclusive, prazo de 15 dias para juntada de manifestações públicas), o STF, não querendo perder o protagonismo da destruição, rapidamente reage e, em 1º/04/25, ou seja, ainda no curso do prazo concedido no procedimento do TST, recolhe o anzol e pauta a questão.

É bastante importante, aliás, fazer o registro de como se deu este mais recente movimento do STF, tanto para demonstrar que não foi mero acaso ou pura coincidência, quanto para que se compreenda que o processo de ataque às bases do Direito do Trabalho também vem sendo impulsionado pela própria Justiça do Trabalho.

2.

Tudo se passa no bojo de um Recurso Extraordinário (ARE 1532603), interposto pelo reclamante (um trabalhador), com o objetivo de reformar decisão proferida pelo TST, que, em Recurso de Revista (PROCESSO Nº TST-AIRR-262-33.2020.5.09.0014), havia reformado decisão do Regional que, contrariando a decisão de primeiro grau, reconheceu o vínculo de emprego, com o fundamento da existência de fraude na contratação por meio da “pejotização”, operada, no caso, pela via de uma “franquia”.

Segundo o relator do processo, no TST, Ministro Alexandre Luiz Ramos, o STF, no Tema 725, com repercussão geral, “decidiu pela licitude da terceirização por ‘pejotização’, ante a inexistência de irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais”, citando a seguinte Ementa:

“Constitucional, trabalhista e processual civil. agravo interno na reclamação. ofensa ao que decidido por este tribunal no julgamento da ADPF 324 e do tema 725 da repercussão geral. recurso provido. 1. a controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (rel. min. Roberto Barroso), quanto ao objeto de análise do tema 725 (re 958.252, rel. min. Luiz Fux), em que esta corte fixou tese no sentido de que: ‘é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante’.” “2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por ‘pejotização’, não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (rcl 39.351 agr; rel. min. Rosa Weber, red. p/ acórdão: Alexandre de Moraes, primeira turma, julgado em 11/5/2020). 3. recurso de agravo ao qual se dá provimento.” (rcl 47843 agr, relator(a): cármen lúcia, relator(a) p/ acórdão: Alexandre de Moraes, primeira turma, julgado em 08/02/2022, processo eletrônico dje-068 divulg 06-04-2022 public 07-04-2022)”.

O reclamante se insurgiu contra tal decisão e manejou Recurso Extraordinário para o STF, mas foi negado seguimento ao recurso. O reclamante, então, interpôs Agravo de Instrumento, visando a reforma da decisão e, assim, o conhecimento do Recurso Extraordinário.

Em 10/02/25, o relator do processo no STF, Ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática, não acolheu os embargos, manteve a decisão de não recebimento do Recurso Extraordinário e aumentou para 10% o percentual do cálculo de honorários advocatícios a que havia sido condenado o reclamante.

Inconformado, o reclamante interpôs Agravo Regimental, visando a reforma desta última decisão, por meio de julgamento da respectiva Turma a que integra o relator no STF. No entanto, conforme antes anunciado, em 1º/04/25, o relator, apreciando a admissibilidade do Agravo Regimental, reconsidera a sua decisão e decide pelo recebimento do Recurso Extraordinário, com o objetivo de submeter ao plenário do Tribunal a proposta de se conferir efeito de Repercussão Geral ao caso.

De forma extremamente célere, em 12/04/25, os Ministros do STF, por maioria, vencido o Ministro Edson Facchin, reconheceram a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, acolhendo o verbete do, agora, Tema 1389:

“Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.

Importante ressaltar, a propósito, o inteiro do teor da proposta feita pelo Ministro Gilmar Mendes (e acolhida pelo plenário do STF), que demonstra a abrangência real do Tema.

Explicita o Ministro, em sua decisão: “Diante desse cenário, verifica-se que a controvérsia constitucional não se restringe ao caso concreto descrito no recurso e possui evidente relevância jurídica, social e econômica. A solução, a ser dada por meio da decisão definitiva e com efeito vinculante pelo Supremo Tribunal Federal contribuirá para a pacificação da questão em todo o país. Por fim, cumpre registrar que a discussão não está limitada apenas ao contrato de franquia. É fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial. Isso inclui, por exemplo, contratos com representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais da área de TI, motoboys, entregadores, entre outros”.

“Ante o exposto, manifesto-me pela existência de matéria constitucional e de repercussão geral das controvérsias referentes: (i) à competência da Justiça do Trabalho para julgamento das causas em que se discute a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; (ii) à licitude da contratação civil/comercial de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos; e (iii) ao ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil, averiguando se essa responsabilidade recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante.”

E, ontem, 14/04/25, completando o cerco, o Ministro Gilmar Mendes proferiu decisão determinando a suspensão de todos os processos em trâmite na justiça do Trabalho que tratam de “pejotização”: “…determino a suspensão nacional da tramitação de todos os processos que tratem das questões mencionadas nos presentes autos, relacionadas ao Tema 1.389 da repercussão geral, até julgamento definitivo do recurso extraordinário.”

3.

Esta suspensão atinge, inclusive, o procedimento, com consulta pública, acima mencionado, que havia sido instaurado pelo TST, cabendo o registro de que o próprio TST, no procedimento em questão, já tinha determinado a suspensão dos processos, nos mesmos termos agora fixados pelo STF: “Incidente de recurso de revista repetitivo nº 30, pelo eg.TST, com determinação restritiva de suspensão processual, conforme ofício circular nº 04 TST.NUGEP.GP, da lavra do Ministro Presidente do Eg.TST, Aloysio Corrêa da Veiga e decisão proferida pelo Ministro Relator Luiz José Dezena da Silva, em anexo, acerca da seguinte questão jurídica: “É válida a contratação de trabalhador que constitui pessoa jurídica para a realização de função habitualmente exercida por empregados no âmbito da empresa contratante (‘pejotização’)? E a conversão de relação de emprego em relação pejotizada?’”.

“Incidente de recurso de revista repetitivo nº 29, pelo Eg.TST, com determinação restritiva de suspensão processual, conforme ofício circular nº 07 TST.NUGEP.GP, da lavra do Ministro Presidente do Eg.TST, Aloysio Corrêa da Veiga e decisão proferida pelo Ministro Relator Alexandre Luis Ramos, em anexo, acerca da seguinte questão jurídica: “À luz da jurisprudência vinculante firmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 324 nos Temas 725 e 739 de repercussão geral, é possível o reconhecimento de vínculo de emprego do trabalhador terceirizado com a tomadora de serviços, em razão da identificação de fraude no negócio jurídico entabulado entre as empresas? Em caso positivo, em quais condições?”.

4.

Todo este relato demonstra, mais uma vez, que os ataques ao Direito do Trabalho e à magistratura trabalhista vêm de todos os lados. O fato incontestável é que, diante do teor das decisões que antecedem a fixação do Tema 1389 e da abrangência que lhe fora dada, há a possibilidade real e concreta de, na prática, o Direito do Trabalho ser completamente aniquilado e, com ele, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a Inspeção do Trabalho, além da advocacia, da docência e da produção acadêmica trabalhistas.

Isto porque se o STF firmar o entendimento, de forma generalizante e com efeito vinculante, favorável à autonomia absoluta do ajuste individual de vontades para negar a relação de emprego e a incidência dos direitos trabalhistas, sem se questionar sobre o modo de como o trabalho é exercido, o resultado concreto será o do desaparecimento da figura do emprego e, por consequência, do Direito do Trabalho, ao menos num primeiro momento.

O que resta saber, como proposto neste texto, é se, de fato, o STF está disposto a dar este passo!!! Para muitos críticos históricos da postura do STF frente às questões trabalhistas, não há a menor dúvida de que o fim já está por vir e ocorrerá antes do término da gestão do atual presidente da Corte, sendo este, inclusive, o legado mais importante que pretende deixar!

O problema é que a questão não é tão simples e não se resume na avaliação da vontade ou convencimento pessoal dos Ministros. Acabar com o Direito do Trabalho representa jogar, de uma vez, milhões de brasileiros e brasileiras à maior exploração, a menores salários, a mais acidentes de trabalho, ao aumento da jornada de trabalho e ao maior sofrimento, vez que este tipo de relação social regido pela lei da oferta e da procura, na realidade do desemprego estrutural, anula a vontade do trabalhador, que, concretamente, não possui outra forma de sobrevivência se não a da submissão às condições oferecidas por quem detém capital para comprar a sua força de trabalho.

Mas esta situação não é ruim apenas para o trabalhador individualmente considerado. Menores salários representam menor consumo em geral, atingindo, do final do ciclo, de forma negativa, também aquele que vislumbrou um aumento imediato de lucro com a redução do custo do trabalho.

Menores salários e redução de consumo significam retração sensível na arrecadação, obstando a execução de serviços públicos essenciais, sobretudo na área de saúde e de assistência, o que é um problema ainda maior se considerarmos também o aumento dos mutilados nas relações desregradas de trabalho.

Menores salários, menor consumo, menor arrecadação, maior sofrimento, falência dos serviços públicos previdenciários, de saúde e de assistência conduzem tanto, de forma primária, à insegurança alimentar, quanto, de maneira reflexa, à insegurança em geral.

O argumento da “livre iniciativa” em relações de trabalho se apresenta, pois, como um projeto da destruição do pacto de solidariedade, base do Estado Social Democrático de Direito. Um projeto convicto em torno da construção da barbárie, já que a verdade, por demais sabida, desde o século XVIII e que se mostrou ainda mais evidente nos múltiplos conflitos verificados durante todo o século XIX e início do século XX, é que o livre mercado não se autorregula e é destrutivo de tudo e de todos.

E, a bem da verdade, há de se reconhecer que estamos caminhando firmes nesta direção há muitos anos, uma vez que não fomos capazes de fazer valer, ainda que minimamente, o projeto de Seguridade Social fixado na Constituição de 1988, que tem como princípios o primado do trabalho, a economia seguindo os ditames da justiça social e os direitos trabalhistas tidos como Direitos Fundamentais, para cumprirem a função de melhorar, progressivamente, a condição social dos trabalhadores.

5.

No entanto, algum limite ainda se impõe e com isto se consegue segurar a derrocada plena da organização social, até porque, no contexto da parca regulação estatal que sobrevive, sobretudo por conta da atuação (bem mitigada) da Justiça do Trabalho, o capital não pode tudo e, até, não raramente, verificam-se avanços na proteção jurídica, por atuação das organizações coletivas de trabalhadores.

A eliminação desse limite, pela vontade unilateral do STF, seria como abrir uma caixa de pandora, pois as consequências do fato não têm como ser medidas previamente.

Estariam, então, os Ministros do STF, passando por cima da Constituição Federal, dispostos a assumir esta responsabilidade histórica e pessoal? Minha aposta é que não! Mas já não sei se isto será efetivamente possível, como tentarei demonstrar.

A aposta feita vem da constatação de que a Corte Suprema de alguns anos para cá, desde quando assumiu que os direitos trabalhistas tinham sede constitucional, tem se valido, estrategicamente, da colocação de processos trabalhistas em pauta, sempre que alguns de seus posicionamentos são postos sob olhares críticos de setores dominantes e influentes da classe política e do poder econômico.

Gerar a expectativa de nova retração de direitos trabalhista e, muitas vezes, chegar a este resultado de forma concreta tem se apresentado, ao longo dos últimos anos, sobretudo, durante e após a “reforma” trabalhista de 2017, um eficiente modo de acalmar os ânimos da Faria Lima e de alterar a pauta midiática. Em outras palavras, colocar em julgamento processos que envolvem direitos trabalhistas se constituiu uma autêntica política de estabilização institucional do STF.

E é importante notar que mesmo antes de se proferirem os julgamentos, os Ministros se adiantam em críticas públicas ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho, tecendo loas ao mercado, à “modernização” das relações de trabalho e à livre iniciativa.

Este modo de atuação, inclusive, muitas vezes é o quanto basta para a produção do resultado pretendido, pois, além de acalentar os anseios empresariais, os Ministros transmitem, publicamente, seus “recados”, tanto ao legislador, quanto à própria Justiça do Trabalho, a qual, ameaçada de extinção, se vê, de certo modo, coagida a cumprir a cartilha que, no entanto, conduz à sua autodestruição.

6.

Cumpre observar que neste processo de “convencimento” público o STF é sempre auxiliado pela grande mídia, reprodutora dos interesses empresariais. A decisão do Ministro Gilmar Mendes que suspendeu o trâmite de todos os processos na Justiça do Trabalho que tratam de “pejotização”, por exemplo, foi abertamente comemorada e está, hoje, repercutida na página principal dos maiores veículos de informação.[i]

Parece-me, pois, que o STF não estará disposto a assumir diretamente esta responsabilidade e a abrir mão deste mecanismo de legitimação perante às forças dominantes, até porque, como dito, tem conseguido, em algumas situações específicas, atingir o objetivo de retração dos direitos trabalhistas pela via transversa de “convencer” o legislador e a própria Justiça do Trabalho a realizar a tarefa, bem como por meio do fornecimento de instrumentos jurídicos para que os empregadores consigam das organizações sindicais de trabalhadores a “aceitação” de piores condições de trabalho.

O problema é que, dado o atual estágio de rebaixamento a que se conduziu o Direito do Trabalho, a estratégia da utilização da pauta trabalhista talvez tenha atingido um estágio de esgotamento e, assim, não se tenha a possibilidade de outro movimento do STF, na mesma direção, que não conduza ao efeito de, como se diz, “fechar o caixão” do Direito do Trabalho, até porque não se imagina uma mudança de rumos do STF neste instante.

Então, para não revelar tudo isto de forma assim tão explícita, pode ser que o STF vislumbre a “saída” de “criar” mais uma divisão jurídica da classe trabalhadora, fixando o preceito de que a “pejotização” é válida para determinados tipos de trabalhadores, os tais trabalhadores liberais e os que almejam “autonomia” no trabalho, de modo que, assim, não estariam eliminando completamente o Direito do Trabalho.

Ocorre que o Direito do Trabalho, a partir desse postulado teórico, estaria reservado a uma parcela ainda mais diminuta da classe trabalhadora, com relação à qual se terá sempre o argumento de serem pessoas privilegiadas, mesmo sendo as historicamente mais exploradas e para as quais, inclusive, já “valem” as formas mais precárias e violentas de contratação. Ao mesmo tempo, no bojo deste entendimento que aparentemente não eliminaria o Direito do Trabalho, se produziria o efeito de pôr fim à importância social, jurídica e política da Justiça do Trabalho, por meio da negação de sua competência para apreciar a regularidade da “pejotização”.

Um tal posicionamento, portanto, é o mesmo que acabar de vez com o Direito do Trabalho e com a Justiça do Trabalho, sendo necessário que isto se diga e se reconheça de forma bastante evidenciada!
Pode ser, então, que o STF não diga nada e, dessa maneira, escondendo-se no transcurso indefinido da tramitação processual, tente matar o “paciente” por asfixia, sem deixar, é claro, de, a cada momento, mandar os seus “recados”.
Fato é que, o STF, com esta última cartada mais incisiva e direta, acabou inaugurando uma nova fase, sem volta, do processo histórico, no qual os argumentos retóricos não terão mais qualquer força para disfarçar as reais intenções. Além disso, não havendo por que acreditar que o STF volte atrás, os abalos concretos deste passo dado logo já se poderão sentir no mundo do trabalho, sendo certo que o efeito concreto imediato, que se prenuncia, é o do desajuste social e econômico pleno. Mas tudo isto, também, por outro lado, tem o potencial de gerar um rearranjo das forças produtivas, pois a história se constrói na materialidade dialética e não nos meandros das Cortes.

Lembre-se que os direitos trabalhistas não foram dádivas do Estado e sim conquistas dos trabalhadores e, diante das revelações que a quebra explícita do pacto de solidariedade proporciona, certamente será bem mais possível aos trabalhadores se compreenderem no processo histórico como classe social que são e, com isto, passarem, de uma forma mais efetiva e assumida, a reconhecerem a  importância de, com a força coletiva, exercerem a luta de classes, sendo que, para os conter, o capital não mais terá, a seu favor, as limitações impostas pela forma de organização sindical categorial vinda desde os idos da década de 40 do século passado.

Assim, a nova realidade que se anuncia no mundo do trabalho não será, necessariamente, aquela da definitiva “terra arrasada”, da autonomia privada individual, do livre ajuste de vontades entre o capital e um trabalhador individualmente considerado e submetido ao estado de necessidade, podendo ser, isto sim, a realidade da revitalização da consciência de classe e das lutas dos trabalhadores e trabalhadoras por melhores condições de vida, emergencialmente, dentro e fora do trabalho,[ii] e, idealmente, em outro modelo de sociedade, no qual não se tenha a apropriação privada dos meios de produção e a venda da força de trabalho, por consequência, não constitua meio de sobrevivência.

Tem muita gente assustada e indignada com as posições do STF e, sobretudo, com a proposição contida no Tema 1389. É preciso, no entanto, reagir!

Juridicamente, restará a denúncia do quanto os posicionamentos do STF em matéria trabalhista não possuem sustentação normativa, constituindo, pois, manifestações ideológicas e graves ofensas à ordem constitucional e democrática. Caberá, também, por certo, o manejo de todas as demais formas jurídicas, extraídas dos mais diversos Diplomas normativos, nacionais e internacionais, para impedir, em concreto, a degradação da condição humana dos trabalhadores e trabalhadoras.

Politicamente, o que já resulta da compreensão da atuação histórica do STF, independentemente do que for decidido no caso em questão, até por conta do conjunto da obra, que reflete um processo longínquo e reiterado de agressões aos direitos constitucionais dos trabalhadores e trabalhadoras, que, além disso, desnuda seu alinhamento com o ideário neoliberal e sua posição de classe, não deixa de ser uma janela histórica que se abre para reacender a luta de classes!

O pior que se pode fazer neste momento, portanto, é fingir que nada está acontecendo, ou, considerar que está tudo acabado e que não há nada que se possa fazer.

Os fatos estão todos à mostra! E são gravíssimos, por diversos aspectos, como acima enunciado. Por outro lado, nos demonstram a urgência da organização coletiva da classe trabalhadora para, mais uma vez, salvar a civilização, evitando o caos que se prenuncia e, ao mesmo tempo, sair, de uma vez por todas, das amarras de um sistema que se vale da exploração e descarte de vidas humanas, com base, inclusive, em discriminação racial, de gênero e de etnias, e que também se sustenta a partir da depredação do meio ambiente.

*Jorge Luiz Souto Maior é professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros livros, de Dano moral nas relações de emprego (Estúdio editores) [https://amzn.to/3LLdUnz]

Notas


[i]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/04/gilmar-suspende-todos-os-processos-na-justica-sobre-pejotizacao.shtml

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/04/14/gilmar-mendes-do-stf-suspende-todos-processos-que-discutem-validade-de-pejotizacao.ghtml

[ii]. Vide o exemplo da recente greve dos entregadores, que paralisaram suas atividades, de forma concomitante, nas maiores cidades de todas as regiões do país: https://exame.com/ultimas-noticias/brasil/greve-dos-entregadores-quais-estados-serao-afetados/

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Last Update: 18/04/2025