Por Ana Luiza Costa

A desinformação sistematizada é fundamental para o projeto de poder e expansão política da extrema direita no mundo.

Aqui eu abordo o conceito de desinformação como sendo uma produção sistematizada e intencional de mentiras e/ou conteúdo falseado, que são propositadamente criados para causar danos e prejudicar atores políticos, grupos sociais, países.

Ou seja, não se trata de mera disseminação de boatos – estamos falando de uma produção profissional e intencional de mentiras que tem um refinado mecanismo de disseminação de conteúdo e cujo objetivo principal é causar danos.

Como esse processo sistematizado, intencional e danoso, a desinformação impacta profundamente a esfera pública, e sua dinâmica causa grande desestruturação no funcionamento do Estado, chegando a inviabilizar as ações institucionais em vários âmbitos.

No Brasil, um ecossistema de desinformação se consolidou com o bolsonarismo, com os seguintes elementos:

  • agenciamento por uma voz pública;
  • grande financiamento público e privado;
  • interface com outros sistemas (de mídia tradicional e religioso, por exemplo);
  • produção e disseminação em larga escala de conteúdo mentiroso e falseado.

Esse ecossistema segue demonstrando seu poder mesmo após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro em 2022 – e três exemplos recentes deixam isso bem às claras:

1. O 8 de janeiro de 2023 (quando milhares de cidadãos de verde e amarelo, apoiadores de Jair Bolsonaro que não aceitavam a vitória de Lula, tomaram a Praça dos Três Poderes e deixaram um rastro de destruição).

2. A pandemia de desinformação durante a tragédia climática no Rio Grande do Sul.

3. A explosão de narrativas mentirosas ligando o governo e a esquerda ao crime organizado à medida que se aproximam as eleições municipais.

Todo esse arsenal de mentiras e ilusionismo circula livremente e é alimentado e retroalimentado por vários atores e em várias instâncias.

O ecossistema brasileiro de desinformação é muito potente e mantém uma forte conexão com outras experiências no mundo.

E, mais do que isso, a sua organização e seu desenvolvimento são atentamente observados pela extrema direita mundial, em suas várias conexões – do campo político ao campo midiático transnacional.

As articulações com os bolsonaristas, os contatos permanentes de grupos religiosos, as visitas” de CEOs falantes e poderosos, nada disso é aleatório.

O Brasil está na mira e sob os olhares mais que atentos dos agrupamentos de extrema direita pois, ao mesmo tempo em que possibilitou a aglutinação e o avanço dessas forças com o bolsonarismo – quando nos tornamos um grande laboratório de realidade paralela –, o país também mostrou resistência e mobilização contra esse projeto nefasto de poder.

Com uma significativa vitória em 2022, Lula e o campo progressista conseguiram deter o avanço da extrema direita aqui.

Ainda que o bolsonarismo siga causando enormes danos à esfera pública, houve uma quebra, uma interrupção na trajetória de consolidação do poder da extrema direita.

Mas eles seguem articulados e demonstrando força, ainda que “sacudidos” nesse projeto de ampliação e consolidação.

Portanto, no momento em que a extrema direita, com seu sustentáculo poderoso, a desinformação, conquista importantes posições no mundo, os olhares – e as investidas – vão se voltar para o Brasil e as forças que já estão assanhadas por aqui.

O último debate entre Donald Trump e Joe Biden, na eleição nos Estados Unidos, atiçou bastante os bolsonaristas por aqui – Trump teve todo o espaço para soltar seu arsenal de fake news e encontrou um Biden muito fraco, o que lhe garantiu a vitória no debate.

A possibilidade da eleição de Trump é um bálsamo para os bolsonaristas e será um grande problema para as nossas eleições aqui neste ano e em 2026.

Por outro lado, num cenário também muito ruim, a vitória da extrema direita no primeiro turno das eleições legislativas na França alimenta igualmente o extremismo por aqui.

O Brasil é um país continental, com muitas riquezas que interessam ao mundo e um mercado consumidor pujante.

Com essas credenciales, caiu no colo – por vários desdobramentos sobre os quais já conversamos bastante – da extrema direita bolsonarista, que fez um grande estrago e tinha a intenção de se perpetuar no poder.

Em 2022, Lula impôs uma derrota à expansão desse projeto ao vencer Jair Bolsonaro e seu ecossistema de desinformação nas urnas.

Não foi uma vitória fácil, e o 8 de Janeiro mostrou o grau de insatisfação do extremismo e seu poder de articulação e mobilização usando a mentira.

A extrema direita segue articulada e mantendo a dinâmica do ecossistema em evidência, e no mundo, o avanço é expressivo.

Nesse sentido, retomar o laboratório Brasil de produção sistematizada de desinformação é um ponto importantíssimo para qualquer projeto de poder de extrema direita – e essa proposta de retomada segue em curso e ganhou novo gás.

Portanto, entender essa dinâmica e o foco no país é significativo para sermos capazes de identificar esse modus operandi e construir ações de enfrentamento, que passam pelo fortalecimento da comunicação – envolvendo, por exemplo, ações de educação midiática de modo mais amplo e acessível, promoção de debates sobre o assunto em várias instâncias, promovendo formação específica e também ampla, para os vários públicos, estabelecendo pontes e construindo diálogos.

Nesse sentido, merece elogios a iniciativa do presidente Lula em estabelecer um diálogo mais amplo com a população, em sua agenda de viagens pelo Brasil, criando uma agenda de temas importantes para o país.

Os desafios são e serão muito grandes. Sigamos mobilizados.

*Ana Luiza Costa, jornalista, doutora em Estudos Linguísticos, pesquisadora do Observatório das Eleições

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Last Update: 03/07/2024