A ameaça a Glauber Braga é sintoma de um Poder suicida

“Se eu aceito ser derrotado pelo poder da grana, isso representará um estímulo pra perseguirem outras lideranças e mandatos populares espalhados pelo país. Por isso, resisto!”
Glauber Braga

Por Roberto Amaral*

A ainda possível cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) é ameaça extremamente grave.

Grave em absoluto, como violação de direito, e grave pela especificidade, pois na conduta do parlamentar fluminense nada se perfila como violação do decoro de uma casa, em contraste, abastardada, seja pela sequência interminável de escândalos, seja pela chantagem deslavada que é a marca de sua relação com o Poder Executivo.

O esforço concentrado da direita com vistas à cassação, já aprovada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, de pronto atende à política rasteira que, domina a vida nacional — política de horizonte medíocre, cevada no tráfico de influência que rebaixa a dignidade do mandato eletivo de um modo geral, mas que, de forma ainda muito mais grave, enxovalha o mandato parlamentar.

É a resposta do atraso às denúncias de Glauber Braga contra a corrupção desavergonhada do “orçamento secreto” (afinal derrubado pelo STF) e da criminosa manipulação dos recursos públicos mediante as chamadas emendas parlamentares, que beiram uma sangria de recursos na casa dos R$ 57 bilhões destinados a obras que ora não começam, ora não são concluídas — recursos que, no entanto, sempre são consumidos.

Farra dos recursos da União, do contribuinte, a qual, à margem do controle político-judicial, assegura o mandonismo dos potentados locais e a renovação dos mandatos de seus delegados e procuradores na Câmara dos Deputados.

É uma troca de favores remunerados pelo bem público que lembra a traficância: o prefeito elege o deputado, que retribui com a dotação de verbas federais que, por sua vez, levarão o alcaide a reeleger-se.

É a roda da política que está na raiz do escândalo das opacas emendas parlamentares, assim como são administradas, majoritariamente na contramão do interesse público e atendendo a projetos qe seus autores não podem confessar.

Se o objetivo da trama fascista fosse tão só a cassação do mandato do deputado — e já não se trataria de pouca coisa —, a jogada já seria uma ignominiosa vindita de uma súcia flagrada com a mão na botija.

Mas essa vingança, ainda em marcha, não encerra a história toda, pois igualmente se abate contra Glauber a mão pesada do consórcio fascismo-neoliberalismo que, ceifando-o da vida política, como pretende, dará grave aviso à esquerda como um todo.

Assim, o poder real da instituição ditará os limites dentro dos quais é consentida a atuação parlamentar desapartada dos interesses dominantes.

Neste caso, a punição, dirigindo-se aparentemente a um parlamentar — alvo para ser tomado como exemplo do que deve ser evitado —, na verdade terminará por ameaçar todos os parlamentares.

O pau que bate em Chico bate também em Francisco.

Para além de Glauber, contudo, e (simbolizado por ele), do amplo campo da esquerda, a grande vítima, ao fim e ao cabo, será a própria democracia representativa, cuja sobrevivência é incompatível com a autoflagelação moral do Poder Legislativo.

Com isto não se importam os neofascistas e não parece se importar a direita como um todo, mas deveriam estar preocupados os democratas.

Aos democratas de hoje, muitos se deixando embriagar pelos arreganhos da direita, lembramos que a quebra da ordem democrática de 1946, por muitos defendida nos idos de 1964, terminou por ceifar a todos, sem olhos para enxergar direita, centro e esquerda.

A cassação de Glauber Braga, se a sociedade brasileira não a impedir, será registrada como um harakiri sem honra, anunciador do réquiem da democracia que nosso povo vem tentando construir e conservar, já desiludido de aprofundá-la, desde quando viu apeada do poder, por fadiga, a ditadura de 1º de abril de 1964, que se abateu contra nosso povo, constrangendo a história, quando mais supúnhamos estar construindo uma sociedade política e socialmente avançada.

Agora sabemos que a democracia é espécime em risco, pois sobre seu futuro se abate o avanço da onda fascista, totalitária por essência, que se espalha pelo mundo como rastilho de pólvora, agora com o estímulo político, militar e financeiro do trumpismo — ameaça que já é fato em nosso subcontinente.

Dessa ameaça já conhecemos seus objetivos e seus métodos com a trágica experiência bolsonarista, a peçonha que saltou do ovo e ainda não foi esmagada.

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Para quem olha para o passado pensando no futuro — Em 1964, ano do último golpe militar, faziam oposição ao presidente João Goulart, entre outros, os governadores do Rio Grande do Sul (Ildo Meneghetti); de São Paulo (Adhemar de Barros); do então estado da Guanabara (Carlos Lacerda) e de Minas Gerais (Magalhães Pinto). Hoje, militam na oposição ao presidente Lula os governadores do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de Goiás. Jango tinha maioria parlamentar, assegurada pelas bancadas do PTB e do PSD, as duas maiores do Congresso. O governo Lula é minoritário nas duas casas.

Para quem mira o presente para ver o futuro — Com a reeleição de Daniel Noboa no último domingo (13/04), fica claro o plano inclinado da direitização da América do Sul, o principal e mais estratégico espaço de nossa política externa: à Argentina do trêfego Javier Milei, soma-se agora o Equador. E não é pouco, consideradas as turbulências no Peru e na Bolívia, a insegurança política no Chile e na Colômbia (talvez os últimos palos da resistência da esquerda) e o desencontro com a Venezuela. Mais que nunca as circunstâncias e nossos interesses reclamam a política ativa e altiva, cunhada por Celso Amorim.

*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da  Ciência e Tecnologia do governo Lula. É autor do livro História do presente – conciliação, desigualdade e desafios (Editora Expressão Popular e Books Kindle).

* Com a colaboração de Pedro Amaral

*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Last Update: 18/04/2025