Quem viveu os anos 2000 sabe que o grande alvo das bolinhas de papel, arremessadas pela turma do rocknroll, eram os “emos”. Por “emo” entenda-se um conjunto não exatamente definível que compreendia adolescentes emocionais, não muito maduros, como todos os adolescentes e todos os emocionais, e amantes do pós-punk dos anos 90 como gênero musical. Daí advinham indumentárias de vestuário, visual corporal e adereços bem curiosos, como cabelos caídos sobre a testa, maquiagens supostamente trevosas e deprimidas, uma série de elementos estranhos aos rockeiros de quase todas as tendências já estabelecidas.
Evidentemente, eles atrairiam críticas. E assim foi. E, com eles, suas bandas. Desde as ainda originárias do pós-punk, como Green Day, até as mais propriamente enraizadas no período “emo”, como Simple Plan, My Chemical Romance, Paramore. E é sobre esta última que vamos falar, uma interessante banda, com pelo menos um grande hit do rock anos 2000, e que foi e segue sendo representante de um segmento à margem dentro do rock. Injustamente, já que hoje reúne as características de banda clássica, mais que suas duas contemporâneas anteriormente citadas. Ainda na ativa, derivou mais para o pop desde a segunda metade dos 2010s, mas seus primeiros anos são marcantes para definir o pós-punk e o indie.
Os indefiníveis 2000s
Paramore em seus anos iniciais. Slayer e Iron Maiden na indumentária
A primeira década do século XXI foi de uma ebulição de gêneros do rock que se perderam após o grunge noventista e sua tragédia com o suicídio de Kurt Cobain, assim como a desintegração do Guns’N’Roses, dois sucessos que fariam a passagem de bastão do oitentismo, com Queen, Van Halen, dentre outras, para uma década de 2000 mais consistente. O que não ocorreu e, ao fim, imensa pulverização impediu o progresso comercial do rock até, pelo menos, esta década, de surpreendente e bem-vinda revitalização do heavy metal à americana e a ascensão do J-Rock como fenômeno de repercussão mundial. Este, embora ainda localizado quanto à produção e consumo.
Nesse contexto, a onda de bandas pós-punk foi um dos subgêneros, junto com o vintage à Beatles e The Who do indie rock britânico, a alternância entre vocais guturais e limpos do metalcore e o lírico do metal gótico, vez por outra essa miscelânea sendo genericamente definida como “new metal”. O que parece estranho, visto que até hoje se nomeia “new metal” bandas que já somam trinta anos, e portanto nada têm de “new”.
Paramore foi uma das pós-punk, e emergiu em 2007 com seu segundo álbum, “Riot!”. O vocal feminino de Hayley Williams fazia a banda única, num período em que poucas mulheres assumiam microfones, especialmente no gênero punk, considerando a estrela Avril Lavigne muito mais como fenômeno pop com características do rock – já discutimos aqui o quanto o “pop-rock” funciona muito mais como o pop bebendo no rock, e não uma variação deste último.
Cumprindo com a intensidade mediana do punk, variações curtas da guitarra, permitindo à vocalista extravasar todo o apelo emocional do gênero, teria imensa influência sobre o próprio J-Rock atual. Paramore deixou ao rock ao menos um grande clássico, “crushcrushcrush”, canção de estrofes suaves e refrão agressivo, com guitarras de cinco notas delicadamente delineadas entre cada ciclo de estrofe-ponte-refrão. Menos comercial que suas companheiras de gênero, ainda assim alcançou grande audiência e emplacou uma trilha sonora cinematográfica: “Decode” do melodrama vampiresco “Crepúsculo” (2008). Este baseado na série homônima de livros da escritora Stephanie Meyer, lançada pouco antes, no mesmo ano, e que pirava a cabeça dos mesmos adolescentes que compraram a proposta emocional de Paramore.
O porquê da discriminação?
Banda em apresentações de 2018 (acima) e 2023 (centro e abaixo)
Afinal, portanto, se o gênero reunia as características sonoras do rock, assim como seus elementos comportamentais – isto é, as guitarras, a pauta definida com fugas de guitarra e sem margem de improvisação, os acordes complementares com instrumentos clássicos e, complementarmente, uma organização ideológica de revolta com o sistema social estabelecido, neste caso por meio da exacerbação da emoção e da tristeza –, por que não era aceito como tal?
Várias formulações de respostas são possíveis, mas em geral ter assumido a própria fragilidade, numa fração final e hiper-sintomática da geração millenial com todos os seus dilemas – busca por autenticidade, priorização da vida em oposição a compromissos financeiros, incômodo com injustiças sociais e abusos ambientais –, gerou nesse público a pecha de frágeis e emocionais, o que rotulava preconceituosamente os garotos como de “sexualidade duvidosa” ou simplesmente aquém das exigências para o homens, e para as garotas uma literal reprodução e exemplificação do rótulo cotidianamente imposto. Meninos porque choram, meninas porque são meninas.
“Crushcrushcrush” define bem a introspecção e o ceticismo pós-moderno que marcou a segunda metade da geração “millenial”.
I got a lot to say to you
Yeah, I got a lot to say
I noticed your eyes are always glued to me
Keeping them here and it makes no sense at all
They taped over your mouth
Scribbled out the truth with their lies
Your little spies
They taped over your mouth
Scribbled out the truth with their lies
Your little spies
Crush, crush, crush
Crush, crush (two, three, four)
Nothing compares to a quiet evening alone
Just the one, two, I was just counting on
That never happens, I guess I’m dreaming again
Let’s be more than this
If you wanna play it like a game
Well, come on, come on, let’s play
‘Cause I’d rather waste my life pretending
Than have to forget you for one whole minute
They taped over your mouth
Scribbled out the truth with their lies
Your little spies
They taped over your mouth
Scribbled out the truth with their lies
Your little spies
Crush, crush, crush
Crush, crush (two, three, four)
Nothing compares to a quiet evening alone
Just the one, two, I was just counting on
That never happens, I guess I’m dreaming again
Let’s be more than this now
Rock and roll, baby
Don’t you know that we’re all alone now?
I need something to sing about
Rock and roll, hey
Don’t you know, baby, we’re all alone now?
I need something to sing about
Rock and roll, hey
Don’t you know, baby, we’re all alone now?
Give me something to sing about
Nothing compares to a quiet evening alone
Just the one, two, I was just counting on
That never happens, I guess I’m dreaming again
Let’s be more than, no
Nothing compares to a quiet evening alone
Just the one, two, I was just counting on
That never happens, I guess I’m dreaming again
Let’s be more than
More than this
Oh-ho, oh-oh, oh-oh
Ooh, ooh
Várias frentes foram cunhando o termo “emo”, que foi atingindo este grupo cultural em diversas camadas, dos artistas aos fãs, sempre sob o estigma de uma indesejável fragilidade, o qual foi sobretudo endossado pelas gerações anteriores. E eles próprios o foram assumindo. Os millenials mais velhos, mais ligados às espadas e dramas épicos do power metal, ou às trevas do gótico, não se davam conta de, ou negligenciavam, como o “emo” espelhava os sentimentos embutidos em “Going Under” de Evanescence ou “Heroes of Sand” do Angra.
E, com o dado geracional, acompanhava-o a transição da forma como se interpreta papéis, angústias, sentimentos e expressões nas formas de gênero. Num tempo em que sequer se discutia múltiplas formas de gênero, o “emo” era interpretado como meninos dignos de vergonha porque choravam, e meninas dignas de desprezo porque simplesmente eram meninas.
Quando o pós-punk dos anos 2000 se liberta por meio do indie dos 2010s, inaugurado ainda nos 2000s por Artic Monkeys, ou no moderno J-Rock inaugurado na mesma época por Risa Oribe e seu cognome LiSA, ganha a trilha sonora da maior parte dos animes de sucesso e do conceito moderno britânico de rocknroll. Isso além de bandas de heavy metal à americana terem incorporado características “emo”, como Bring Me the Horizon e Parkway Drive, modernos e mais pesados que Paramore