Diante das tendências revolucionárias após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o imperialismo “democrático”, representado por Estados Unidos, França e Reino Unido, colocou em marcha uma contra-ofensiva contra todos os povos do mundo, implementando ditaduras com características fascistas que derrotassem o movimento operário pela força. O primeiro grande golpe de Estado desta contraofensiva aconteceu justamente no Brasil, quando os Estados Unidos, preocupados com o desenvolvimento nacionalista do governo de Getúlio Vargas, decidiu derrubá-lo e colocar no poder o seu serviçal Eurico Gaspar Dutra.

O golpe contra Vargas inaugurou uma primeira onda de golpes de Estado na América Latina após a Segunda Guerra Mundial, que abalou vários países e teve como episódio mais dramático o assassinato do presidente nacionalista Gualberto Villarroel, da Bolívia, em 1946.

O primeiro golpe militar bem-sucedido na América Latina após a queda de Vargas aconteceu em 1947, na Nicarágua. Foi um golpe bastante peculiar.

Um dos países mais importantes da região, a Nicarágua vivia uma grande convulsão social nas primeiras décadas do século XX, como resultado da reação à pressão imperialista. Desta situação, surgiu a figura de Augusto César Sandino, engenheiro de minas que, após entrar em contato com o movimento nacionalista no México e em Honduras, se tornou o maior líder guerrilheiro da Nicarágua, organizando um exército para a luta contra as forças reacionárias no país.

Em 1933, as tropas norte-americanas se retiraram da Nicarágua e Sandino assinou um acordo de paz que levou ao desarmamento de seu exército. Em 1935, Sandino seria assassinado por Anastasio Somoza, então Chefe da Guarda Nacional. No ano seguinte, Somoza liderou um golpe de Estado contra o então presidente, Juan Bautista Sacasa. A junta militar golpista convocou uma eleição-farsa que obviamente deu vitória a Somoza, derrotando o candidato liberal Leonardo Argüello Barreto.

No governo de Somoza, a Nicarágua tornou-se um dos principais parceiros dos Estados Unidos. Franklin D. Roosevelt, do Partido Democrata, chegou a dizer, no período em que era presidente dos Estados Unidos (1933-1945), que “talvez Somoza seja um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”.

Somoza entregou riquezas como ouro, borracha e madeira às empresas norte-americanas, em um esquema pelo qual recebia “taxas executivas” e “comissões presidenciais”. O Banco Nacional, dominado pelos Estados Unidos, regulava a exploração e a exportação por meio da Corporação de Desenvolvimento da Borracha. Somoza também obtinha propinas de atividades ilegais como jogos de azar, prostituição e destilação de álcool. Ao final da década de 1940, havia acumulado uma fortuna estimada em 400 milhões de dólares.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Somoza cedeu ao governo norte-americano o porto de Corinto, expulsando os pequenos proprietários, que foram realocados para locais insalubres. O porto passou a ser usado como base naval dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, declarou guerra aos alemães que viviam na Nicarágua, apoderando-se de grande parte de suas propriedades.

A partir de 1944, em meio à propaganda “democrática” do imperialismo contra os países do Eixo, Somoza se comprometeu a realizar uma abertura do regime, de modo semelhante ao que Getúlio Vargas fez durante o final do Estado Novo. No caso de Vargas, essa abertura foi facilitada pela aproximação do presidente brasileiro com o movimento operário, beneficiado pela política nacionalista derivada da substituição de importações. No caso de Somoza, a abertura seria um processo mais delicado, uma vez que a tendência geral dos trabalhadores e camponeses era o choque direto com o regime. A ditadura de Somoza, ao contrário da de Vargas, era um regime oligárquico que, em vez de propiciar o desenvolvimento industrial do país, enriquecia apenas os seus amigos, que prostituíam a Nicarágua para os Estados Unidos.

Em 1944, a insatisfação social levou a uma cisão dentro do próprio Partido Nacional Liberal (PNL), que era dirigido por Somoza. Naquele ano, três importantes membros do partido — Carlos Pasos, Carlos Castro Wassmer e Manuel Codero Reyes — redigiram uma crítica formal à ditadura de Somoza. Pouco depois de os três líderes escreverem o documento, Manuel Codero Reyes faleceu. Em seu funeral, Carlos Pasos, Carlos Castro Wassmer e outros dissidentes liberais distribuíram panfletos denunciando o regime de Somoza. Eles assinaram os panfletos como “Liberais Independentes”, o que levou à formação oficial do Partido Liberal Independente (PLI).

O PLI agrupou setores diversos da sociedade nicaraguense. Muitos eram antigos apoiadores de Somoza — incluindo o próprio Manuel Codero Reyes, que havia sido ministro das Relações Exteriores de Somoza antes de sua morte. Dentro do PLI, estava também a Frente Juvenil Democrática (FJD).

Em 27 de junho de 1944, estudantes universitários em Manágua realizaram uma assembleia para demonstrar solidariedade com os estudantes da Guatemala, que estavam organizando protestos contra a junta militar golpista que havia tomado o poder no país centro-americano. Embora houvesse apenas cerca de 300 estudantes universitários na capital nicaraguense na época, mais de 2.000 pessoas se reuniram para apoiar o protesto. Os estudantes marcharam pelas ruas da cidade e, no início da noite, realizaram um protesto em frente à academia militar. A Guarda Nacional, diretamente controlada por Somoza, dispersou os manifestantes com gás lacrimogêneo e prendeu cerca de 500 deles. Dois dias depois, em 29 de junho de 1944, um grupo de mulheres — muitas das quais eram parentes ou amigas dos manifestantes presos — marchou pelas ruas de Manágua exigindo a libertação de todos os detidos. Também em 29 de junho, um grupo de estudantes, camponeses e profissionais na cidade de León redigiu e assinou uma carta dirigida a Somoza, pedindo a libertação dos manifestantes presos. Além disso, sindicalistas se reuniram com Somoza e solicitaram a libertação de 60 trabalhadores que haviam sido presos após os protestos.

O novo presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, também do Partido Democrata, decidiu pressionar o regime nicaraguense para que acelerasse a abertura, preocupado de que o país entrasse em uma situação revolucionária. Somoza e o imperialismo, então, chegaram a um acordo, segundo o qual o nicaraguense não seria candidato, mas permaneceria no controle da Guarda Nacional. Como parte do acordo, Somoza declarou apoio a Leonardo Argüello, que havia sido seu rival dez anos atrás. O civil foi, naturalmente, eleito.

Argüello, no entanto, teve um dos mandatos mais breves da história da América Latina.

De um ponto de vista geral, o civil estava de acordo com a política do imperialismo para a Nicarágua. No entanto, a Guarda Nacional sob controle de Somoza era uma constante ameaça a sua sobrevivência no regime político e, assim que foi eleito, Argüello indicou que faria reformas nas forças armadas, o que levaria a um enfraquecimento de Somoza.

Por isso, em 27 de maio de 1947, apenas 26 dias após de Argüello, Somoza liderou um golpe que tirou o novo presidente do poder. Para evitar um choque com os norte-americanos, Somoza não tomou o poder diretamente. O país centro-americano seria governado durante três anos pelos interinos Benjamín Lacayo Sacasa e Manuel Fernando Zurita e pelo presidente Víctor Manuel Román y Reyes, todos aliados de Somoza e dos norte-americanos. Em 1950, com o regime ainda sob controle rígido de Somoza, o ditador vence as eleições presidenciais e volta ao poder.

Somoza continuaria no poder por mais seis anos, sendo apoiado diretamente pelos Estados Unidos. O governo do militar, altamente repressivo e impopular, só teria fim em 1956, com o seu assassinato, realizado pelo poeta Rigoberto López Pérez. Com sua morte, seus filhos, Luis Somoza e Anastasio Somoza Debayle, assumiriam o controle do regime nicaraguense, mantendo a ditadura até o ano de 1979, quando ocorre a Revolução Sandinista.

O golpe de 1947 na Nicarágua, embora tenha tido um desfecho muito distinto do golpe de 1945 no Brasil, reforça a ideia de que o imperialismo “democrático” não é, no final das contas, nenhum grande simpatizante de nenhuma democracia.

No Brasil, quando a abertura do regime levaria à eleição de Getúlio Vargas, o imperialismo abandonou a “democracia” e organizou um golpe de Estado. Na Nicarágua, quando as oligarquias se revoltaram contra a tentativa de desmilitarizar o regime, o imperialismo ficou ao lado das oligarquias e sustentou sua ditadura, uma vez que desmilitarizar o regime poderia levar a um avanço muito grande das forças populares.

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Last Update: 18/04/2025