A agricultura familiar, responsável por cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil, finalmente ganha uma voz feminina em sua principal liderança. Vânia Marques, educadora e agricultora familiar baiana, foi eleita a primeira mulher presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) em seus 61 anos de história. Em entrevista ao Entrelinhas Vermelhas , programa semanal comandado por Guiomar Prates, Vânia falou sobre os desafios enfrentados pelos trabalhadores rurais, a importância da Marcha das Margaridas e as propostas para combater a inflação dos alimentos e promover uma transição agroecológica.

Questionada sobre medidas para reduzir o preço dos alimentos, Vânia aponta a necessidade de regulação de estoques e diálogo com supermercados. “Temos que entender por que os grandes produtores preferem exportar em vez de vender internamente”, diz. Ela também ressalta a importância de fortalecer programas como a Conab, desmontada durante o governo Bolsonaro.

Assista a íntegra da entrevista:

Agricultura familiar vs. agronegócio

Embora a agricultura familiar seja responsável pela maior parte dos alimentos consumidos no país, o agronegócio domina a narrativa midiática e política. “O lobby do agronegócio é muito forte no Congresso, com uma bancada conservadora que prioriza a produção voltada para exportação”, critica Vânia.

Além disso, a liberação indiscriminada de agrotóxicos prejudica diretamente os pequenos produtores. “Quem vive ao lado de grandes fazendas acaba tendo sua produção contaminada”, alerta. Para ela, é urgente implementar políticas de incentivo à transição agroecológica e taxar produtos tóxicos conforme seu grau de nocividade.

Da terra ao movimento sindical

Natural da Bahia, Vânia cresceu em uma família de agricultores familiares e migrou ainda jovem para São Paulo. Seu retorno ao estado natal marcou o início de sua trajetória como militante sindical. “Foi no assentamento da reforma agrária, em 2004, que conheci o movimento sindical”, conta. Desde então, ela não parou mais de lutar pelos direitos dos agricultores familiares, passando por cargos de liderança na Federação dos Trabalhadores na Agricultura da Bahia (Fetag-BA) e na Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Hoje, com uma base de quase 4 mil sindicatos filiados, a Contag se mantém como uma das entidades mais representativas do campo brasileiro. “Nosso sistema é único porque nasce da organização da base. Temos sindicatos desde a década de 1930, e essa capilaridade fortalece nossa luta”, explica Vânia.

Marcha das Margaridas: um grito por igualdade

Um dos momentos mais marcantes da luta das mulheres rurais é a Marcha das Margaridas, organizada pela Contag. O evento, que homenageia a líder sindical assassinada Margarida Alves, reúne mais de 100 mil mulheres em Brasília e é considerado a maior manifestação do gênero na América Latina.

“Essa marcha é fundamental para discutir as pautas das mulheres dentro e fora do movimento sindical”, afirma Vânia. Entre as demandas estão o combate à violência no campo, melhores condições de trabalho e o fortalecimento das políticas públicas voltadas para as agricultoras familiares.

Reforma Agrária: debate que persiste

Apesar de décadas de luta, a reforma agrária continua sendo um ponto crítico para os trabalhadores rurais. Segundo Vânia, a concentração fundiária no Brasil é alarmante: apenas 23% das terras agricultáveis estão nas mãos da agricultura familiar, enquanto 63% da mão de obra rural está vinculada a esse setor.

“A reforma agrária que queremos não é só acesso à terra, mas a mudança estrutural da concentração fundiária”, enfatiza. Para isso, defende políticas integradas que garantam saneamento básico, assistência técnica e acesso a mercados institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Unidade sindical e os rumos do movimento rural

A CTB, central sindical da qual Vânia faz parte, tem uma forte presença entre os trabalhadores rurais. “Defendemos a unicidade sindical porque entendemos que quanto mais divididos, mais enfraquecidos estamos”, explica. Esse princípio, aliado à defesa de uma sociedade igualitária e justa, tem sido fundamental para atrair adesões.

Com sua eleição, Vânia Marques simboliza uma nova fase na luta dos trabalhadores rurais. Suas palavras refletem a esperança de um Brasil mais justo, onde a agricultura familiar tenha espaço para prosperar. “O que nos move é a crença naquilo que defendemos”, conclui. Para quem acompanha o movimento sindical, sua gestão à frente da Contag é um sinal de que a resistência segue viva.

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Last Update: 17/04/2025