A União Nacional dos Estudantes (UNE) lançou uma campanha pelo Marco Regulatório da Educação a Distância (EaD) junto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). Faz parte da iniciativa o “Manifesto em Apoio ao Novo Marco Regulatório da EaD no Brasil”.

No documento (confira ao final) as entidades criticam a desregulamentação do ensino iniciada em 2016 pelo governo Temer. O argumento de que o modelo democratiza o acesso à educação é questionado, uma vez que os cursos são massificados e possuem alta taxa de evasão (superior a 50%). Com isso, a educação se tornou apenas mais um produto mercantil.

Como forma de melhorar este cenário o Ministério da Educação (MEC), em junho de 2024, editou decreto com a proibição de cadastro de novos cursos EaD até que seja publicado os novos referenciais de qualidade e o Marco Regulatório para oferta de cursos de graduação na modalidade a distância. O primeiro prazo venceu em 10 de março, foi prorrogado até 10 de abril e, agora, uma nova data foi determinada: 9 de maio. Informações dão conta que o decreto já está pronto e foi entregue à Casa Civil, no entanto o governo prepara a melhor forma de comunicar as mudanças.

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A sua formulação foi nutrida dentro do Conselho Consultivo para o Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (CC-Pares), reativado após consulta a entidades educacionais sob coordenação da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres). A UNE participou dessa escuta do CC-Pares, que propôs medidas como limite de alunos por turma, infraestrutura adequada e normas inteligíveis para garantir qualidade e avaliação específica.

Para entender melhor esta luta pelo Marco Regulatório da EaD, o Portal Vermelho conversou com a presidenta da UNE, Manuella Mirella. A líder estudantil chama a atenção para o abaixo-assinado (confira aqui), feito em conjunto com a Contee, como uma das estratégias para mobilizar a sociedade civil e pressionar o MEC e o governo federal pela efetivação do novo conjunto de normas: “Estamos colhendo assinaturas e já são mais de 50 entidades de educação apoiando o texto”, diz Mirella.

Confira a seguir a entrevista:

Portal Vermelho: O que a UNE espera do Marco Regulatório da EaD está totalmente contemplado nos seis pontos do manifesto?

Manuella Mirella – Os seis pontos apresentados no manifesto representam avanços significativos em direção a uma Educação a Distância com mais qualidade e estratégica para o desenvolvimento social e econômico do país. Eles incorporam diversas pautas históricas da UNE, como a limitação de vagas por turma, exigências de infraestrutura física e pedagógica, presença de professores qualificados e aprimoramento dos polos.  A UNE também defende o fortalecimento da oferta pública da EaD por universidades federais e institutos federais, garantia de acesso à internet de qualidade e equipamentos para os estudantes. Também seria importante incluir mecanismos claros de escuta e participação dos estudantes na avaliação da modalidade.

O MEC prorrogou até 9 de maio o prazo para publicação do Marco Regulatório e de novos referenciais de qualidade. Antes já ocorreu outros adiamentos. Como observa a situação? Acredita que a demora acontece por pressão das empresas de educação?

A UNE compreende que o processo de formulação de um novo marco regulatório exige escuta ampla e diálogo com diferentes setores da sociedade, o que demanda tempo. No entanto, a entidade vê com preocupação os sucessivos adiamentos, pois há risco de enfraquecimento político da proposta e de manutenção do cenário de desregulamentação. É inegável que há forte pressão por parte de grandes grupos privados de educação contrários à regulamentação, que lucram com a precarização da modalidade. A UNE acredita que o governo deve resistir a essas pressões e cumprir o compromisso assumido com a sociedade e com os estudantes de aprovar um novo marco que priorize a qualidade e o direito à educação.

Manuella Mirella. Foto: Karla Boughoff

De acordo com a UNE, “a expansão descontrolada da EaD tem sido utilizada para substituir cursos presenciais, reduzindo custos para as instituições e prejudicando a qualidade do ensino”. Este cenário afeta também professores, que ficam submetidos a estas condições e com salários ainda mais rebaixados. Como observa a situação?

A UNE denuncia que o modelo atual da EaD, orientado pela lógica do lucro, afeta diretamente os profissionais da educação. Muitos docentes são contratados em regime de trabalho precarizado, com baixas remunerações, sobrecarga de turmas e falta de vínculo institucional. Essa realidade compromete a qualidade do ensino, afeta o desenvolvimento acadêmico e científico, e desvaloriza a profissão docente. A UNE defende que o novo marco regulatório também precisa garantir condições dignas de trabalho para os professores, com valorização salarial, formação continuada e inserção plena nos processos pedagógicos.

A UNE denuncia que a democratização do acesso à educação superior pela EaD é uma falácia, pois as condições oferecidas não são adequadas, o que gera uma evasão superior a 50% na modalidade. É possível acreditar com um Marco Regulatório justo, que atenda grande parte das reivindicações colocadas no manifesto, em um EAD funcional e que retenha os estudantes?

Sim, a UNE acredita que é possível construir uma modalidade de EAD que seja, de fato, democrática, acessível e de qualidade. Para isso, o novo marco regulatório precisa incorporar as reivindicações apresentadas no manifesto, garantir fiscalização rigorosa, e promover a equidade no acesso à infraestrutura tecnológica. Além disso, é fundamental que a modalidade seja utilizada como ferramenta pedagógica complementar, e não como substituta do ensino presencial por critérios meramente econômicos. Com investimento público, participação popular e compromisso com a qualidade, a EaD pode se tornar um instrumento eficaz de inclusão e permanência no ensino superior.

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MANIFESTO EM APOIO AO NOVO MARCO REGULATÓRIO DA EAD NO BRASIL: POR UMA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DE QUALIDADE, DEMOCRÁTICA E COM RESPONSABILIDADE SOCIAL

A democratização do acesso à educação superior e sua regulamentação é uma bandeira histórica amplamente defendida pelas entidades de educação, movimentos sociais e trabalhadores em toda a história da educação brasileira, particularmente após a Constituição de 1988.

Essa democratização se concretiza por meio de diversas políticas públicas, entre elas: a ampliação do acesso à educação superior pública, políticas e programas de inclusão e apoio estudantil, e a possibilidade de ampliar as modalidades de educação superior, incluindo a modalidade de Educação a Distância (EAD).

No entanto, a modalidade EAD só representa democratização do acesso à educação superior se for ofertada com qualidade e responsabilidade social. Caso contrário, a democratização se revela apenas como um discurso vazio, voltado à busca por lucro máximo, sob a alegação de proporcionar acesso à educação superior aos trabalhadores, mas sem qualificá-los de fato para o mercado de trabalho, tampouco representando um avanço na qualidade da educação superior para o país.

A EAD é uma das modalidades com maior taxa de evasão, com índices superiores a 50%, o que desmonta o argumento de que ela tem representado a inclusão dos menos favorecidos no ensino superior.

Infelizmente, após 2016, ocorreu uma política deliberada de desregulamentação da educação superior, em particular da EAD no Brasil, com o objetivo de atender à demanda pelo lucro fácil e descomprometido com a qualidade educacional.

A falta de regulamentação da EAD tem permitido a proliferação de cursos massificados, sem acompanhamento pedagógico adequado, turmas superlotadas e avaliações superficiais. Essa lógica de precarização desvaloriza os diplomas, prejudica a empregabilidade de milhões de estudantes, aprofunda desigualdades — especialmente porque muitos alunos, particularmente da classe trabalhadora, não têm acesso à infraestrutura necessária para acompanhar as aulas — e favorece a mercantilização da educação, transformando-a em mero produto, sem compromisso com a formação crítica ou com a produção científica nacional.

A expansão descontrolada da EaD tem sido utilizada para substituir cursos presenciais, reduzindo custos para as instituições e prejudicando a qualidade do ensino.

A situação de falta de qualidade se tornou tão evidente que resultou em uma auditoria do Tribunal de Contas da União nos processos de regulação, supervisão e avaliação de cursos superiores a distância, detectando a ausência de uma política pública específica para a educação superior e a insuficiência dos processos de regulação e avaliação desses cursos. Como consequência, o TCU determinou a adoção de um termo de conduta para a melhoria da política de educação superior, especialmente para a modalidade EaD, destacando a necessidade urgente de regulação e política de avaliação por parte do Ministério da Educação e do INEP.

Esse contexto levou à Portaria nº 528, de 6 de junho de 2024, que determina a construção de um novo marco regulatório e a suspensão do credenciamento de novos cursos até a aprovação desse novo marco, por meio de um decreto ate dia 31 de dezembro de 2024.

Para estudar e propor as bases do novo marco regulatório, foi realizada uma ampla consulta às diversas entidades de educação, e foi reativado, sob a coordenação da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), o Conselho Consultivo para o Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (CC-Pares). Este conselho teve o objetivo de revisar os referenciais de qualidade da Educação a Distância (EaD), garantindo que sua expansão não prejudique os alunos da modalidade em relação aos estudantes da modalidade presencial.

Compõem o CC-Pares representantes das secretarias e autarquias do MEC, de instituições públicas, comunitárias e privadas, da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior-ABRUC, Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), da União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outros. Refletindo a diversidade e a representatividade das várias esferas do ensino superior brasileiro.

As bandeiras defendidas pelas entidades, como a limitação de vagas por turma, avaliação e definições específica para a modalidade EaD, normas claras para garantir a qualidade, e a análise específica da qualidade dos cursos de licenciatura na modalidade EaD, respeitando as diretrizes curriculares, entre outras, foram apontadas pelo CC-Pares como elementos essenciais para o novo marco regulatório.

Após meses de trabalho, o CC-Pares apresentou suas propostas para o estabelecimento do novo marco regulatório, destacando-se:

  1. A apresentação de três formatos para os cursos de graduação: presencial, semipresencial e a distância, com um processo regulatório único para graduação e pós-graduação lato sensu;
  2. Exigência de que as instituições credenciadas para educação a distância possuam sede institucional física para atender aos alunos, comissão própria de avaliação, salas de professores e coordenadores, e ambiente de estudos com alta qualidade de conexão à internet, vetando o compartilhamento de endereço e polos EaD entre instituições;
  3. A definição de um número máximo de alunos por turma, com avaliação in loco na sede da instituição e nos polos EaD;
  4. A classificação detalhada das especificidades do corpo docente (conteudista, regente, mediador, coordenador), sendo que os tutores devem atuar exclusivamente no assessoramento administrativo;
  5. Todos os docentes devem ser informados no Censo da Educação Superior e no Sistema E-MEC;
  6. A indicação de que os polos EaD sejam localizados em áreas de fácil acesso para os alunos e que permitam a participação física para atividades e orientações.

O novo marco regulatório preservará os direitos dos alunos que estão atualmente matriculados em cursos EaD.

Contudo, as novas regras para a regulamentação da educação a distância (EaD), inicialmente previstas para 10 de março, foram adiadas para 10 de abril ou até a publicação do marco regulatório, sem data definida, gerando preocupações no setor educacional. Pois contra a concretização do novo marco regulatório, são produzidos falsos argumentos, defendendo a desregulamentação e a continuidade da EAD sem qualidade e sem responsabilidade social.

A bandeira da regulamentação da educação privada foi um dos destaques da Conferência Nacional de Educação (CONAE) e está incorporada no documento aprovado por essa conferência. O Fórum Nacional de Educação, fortalecendo essa bandeira, aprovou a constituição de dois grupos de trabalho: um para a regulamentação da educação privada e outro para a Educação a Distância.

Assinam este manifesto as entidades que integram o Fórum Nacional de Educação, reafirmando seu compromisso histórico com uma educação pública de qualidade, inclusiva, democrática e socialmente referenciada, que tenha uma EAD com qualidade, com responsabilidade social e que contribua para o desenvolvimento educacional, científico e social do país.

Por um futuro educacional mais justo, inclusivo e comprometido com a qualidade e a transformação social!

União Nacional dos Estudantes (UNE)

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE)

Fotos: Karla Boughoff

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Last Update: 17/04/2025