Na última segunda, dia 12/04, o ministro Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos referentes à chamada “pejotização”. Essa medida é extremamente perigosa, especialmente num país que vem flexibilizando cada vez mais suas leis trabalhistas e abrindo brechas para a precarização das relações de trabalho.

Os direitos trabalhistas surgiram no Brasil em um contexto de profunda crise do capitalismo, marcado pelos horrores das guerras e pelo impacto provocado pela Revolução Russa, que elevou o trabalhador a um novo patamar de reivindicação internacional e levou à criação da Organização Mundial do Trabalho em 1919, através do tratado de Versalhes. Influenciados pelos movimentos operários europeus desde o século XIX, acontecimentos como as greves gerais de 1917, em São Paulo, e de 1919, no Rio de Janeiro – impulsionadas por anarquistas – foram marcos importantes das reivindicações em um país que, até então, era predominantemente agrário.
Diante da grave crise do capitalismo de 1929 e da necessidade de industrialização, Getúlio Vargas surgiu num rearranjo das classes dominantes, para, também, incorporar e apaziguar a luta da incipiente classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que promovia a criação da indústria nacional. Embora existissem legislações trabalhistas esparsas, a consolidação das leis trabalhistas (CLT) representou uma transformação profunda, ao estabelecer uma segurança jurídica que buscava tentar equilibrar a relação desigual entre patrões e empregados.
A CLT provou ser um divisor de águas ao padronizar regras essenciais para a relação de trabalho, como jornada, férias, salário mínimo, descanso semanal e proteção contra demissões arbitrárias. Essa legislação não apenas definiu direitos mínimos obrigatórios, mas também instituiu mecanismos de fiscalização e mediação que ajudaram a mitigar a desigualdade intrínseca entre empregadores e trabalhadores. Posteriormente, a promulgação da Constituição de 1988 ampliou significativamente esse cenário, incorporando garantias fundamentais como o seguro-desemprego, o FGTS, a licença-maternidade e paternidade, a irredutibilidade salarial, a jornada de 44 horas semanais, o direito à greve e o reconhecimento de convenções e acordos coletivos.
Apesar dos avanços históricos, o golpe de 2016 levou o governo antipopular do Temer a flexibilizar direitos históricos em nome da criação de novos empregos, o que se mostrou falso, diante do desemprego histórico que o país enfrentou. A reforma trabalhista de 2017 desconfigurou a segurança do trabalhador e deu passe livre para a fraude, com anuência do Supremo.
A verdade é que o STF, apesar da sua defesa intransigente da democracia em tempos de possibilidade real de regressão de regime, tem atuado como verdadeiro capacho dos patrões: como demonstrado nas decisões que permitiram a terceirização de atividades-fim em 2018 e o não reconhecimento de processos que buscavam o vínculo entre trabalhadores de aplicativos (como Uber, 99, iFood etc). Soma-se a estas, esta decisão recente da suspensão da pejotização. Essas medidas vêm para compor um ataque sistemático às decisões judiciais da Justiça do Trabalho e sua autonomia, bem como aos institutos de proteção aos direitos da classe trabalhadora, desde 2017.
A pejotização se insere nesse contexto de precarização e flexibilização de direitos, pois possibilita a contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas, em vez de contratos formais regidos pela CLT. Essa tem sido a saída de muitos trabalhadores para conseguir se sustentar, mas não podemos nos enganar que essa forma de trabalho surge como uma resposta do capitalismo de crise diante da redução das margens de lucro, por meio justamente desse ataque ao trabalho assalariado. Essa prática transfere de forma desigual os riscos econômicos para os empregados, que, em muitos casos, acabam mantendo rotinas de trabalho fixas, submetendo-se a ordens hierárquicas e correndo o risco de demissão sem as devidas garantias.
O que se evidencia é que a decisão recente de Gilmar Mendes e da Suprema Corte, ao suspender os processos que tratam da pejotização sob a alegação de “insegurança jurídica”, revela a postura do ministro de tomar o lado do empregador. Essa dita “insegurança” é oriunda de diversas decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem a fraude em vários contratos entre empresas e PJs. O STF ignora, sobretudo, que o Direito do Trabalho é regido pelo Princípio da Primazia da Realidade, que estabelece que a realidade dos fatos deve prevalecer sobre a estipulação formal. O princípio que estipula que o que acontece na prática é mais importante do que o que está previsto em documentos formais.
Na prática, Gilmar Mendes e demais ministros do STF que sempre o acompanham contra o direito dos trabalhadores, querem garantir a segurança jurídica do empregador, diante das fraudes e, com isso, pretendem rasgar as leis de proteção ao trabalhador. É um claro aceno às novas reconfigurações da exploração brutal do capital em tempos de reorganização das exigências de acumulação capitalista. Todo esse cenário ilustra ainda mais a regressão de direitos que vivemos: uma ofensiva brutal do neoliberalismo contra conquistas acumuladas há mais de 80 anos.
É imprescindível que incorporemos, na luta de 1º de Maio, a denúncia dessa decisão absurda do STF, que pode possibilitar ainda mais regressão de direitos à classe trabalhadora, diante de uma classe já tão precarizada.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 17/04/2025