
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
No dia 17 de abril (quinta-feira), as famílias Sem Terra do Movimento Sem Terra relembram os 29 anos do Massacre de Eldorado do Carajás, em memória dos 21 Mártires assassinados, em 1996, no Pará. A atividade integra a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária de 2025 do MST, com o lema: “Ocupar para o Brasil alimentar!”.
Desde o massacre dos trabalhadores Sem Terra, o mês de abril é um período de massificação da luta pela terra e por Reforma Agrária Popular, em que os trabalhadores Sem Terra reivindicam juntos aos governos a democratização da terra, denunciam o latifúndio que concentra terras, defendem a urgência da Reforma Agrária Popular no país e repudiam a impunidade e a violência no campo contra os trabalhadores rurais, que continua ceifando a vida desses/as lutadores e lutadoras.
Mas, então, por que o MST realiza a ocupação de terra? Confira os principais motivos de porquê o Movimento utiliza esse importante instrumento coletivo de luta e mobilização em defesa da Reforma Agrária:
1. Por que o MST aumenta as ocupações de terra nos meses de abril?
No dia 17 de abril de 1996, 21 trabalhadores Sem Terra foram assassinados e outros 56 mutilados, pela Polícia Militar do Pará na Curva do S, em Eldorado do Carajás, no oeste do estado. O Massacre de Eldorado do Carajás teve repercussão internacional e evidenciou a concentração fundiária no Brasil e a violência do latifúndio para o mundo.
A partir de 1997, o dia 17 de abril é relembrado pela Via Campesina como Dia Internacional de Luta Camponesa em todo o mundo. E no Brasil a data se tornou o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, a partir da Lei nº 10.469/2002, assinada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

“O mês de abril, para nós, é muito forte, porque é um mês que a gente precisa denunciar a violência do agronegócio e do Estado brasileiro contra os pobres, que se organizam, que lutam nesse país. É também um momento de chamar a atenção da sociedade brasileira para a necessidade da Reforma Agrária e de colocar a Reforma Agrária Popular na agenda política das autoridades e do governo brasileiro. E sensibilizar a opinião pública, sobre a necessidade de construir um projeto diferente para o campo brasileiro, com a desconcentração da propriedade da terra, para a geração de emprego, renda e justiça social para o campo brasileiro”, resume o dirigente nacional do MST, José Damasceno.
Portanto, as ocupações de terra nesse período são em memória dos Mártires da terra, em denúncia à violência do latifúndio, uma forma de pressão ao Poder Público e diálogo com a sociedade, para a efetivação de um projeto de Reforma Agrária no país.
2. Por que o MST ocupa terra?
Porque é assegurado na Constituição Federal de 1988, que toda terra improdutiva deve ser destinada para fins de Reforma Agrária. O Artigo 184 determina que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (…)”, informa a Lei. E o Artigo 186, explica o que é considerada como função social da terra. Portanto, a Constituição determina que o latifúndio que não cumpre a função social deve ser destinado para fins de Reforma Agrária, com o assentamento de famílias sem-terra nessas áreas.
“Um dos elementos que sempre levou o MST a ocupar a terra, inclusive, o motivo principal do surgimento do MST, é a estrutura fundiária que o Brasil tem. Ela é baseada na grande propriedade para exportação e não para atender o povo brasileiro. Então, a Reforma Agrária é uma dívida social antiga, pela forma que foi estruturada a propriedade da terra no Brasil, arbitrária, violenta, sangrenta. E que gerou essa desigualdade social no campo”, enfatiza Damasceno.

Mas até a atualidade, o Estado brasileiro nunca aplicou esta lei sem a pressão legítima da sociedade. Por isso, as famílias Sem Terra se organizam de forma autônoma para evidenciar a realidade do latifúndio no país, utilizando como principal tática de luta no processo histórico do MST a ocupação de terra, como instrumento legítimo, criado pelos movimentos de luta pela terra que antecederam o Movimento. Atualmente, todas as mais de 400 mil famílias assentadas pelo país conquistaram a terra por meio das ocupações de terra.
3. Por que o MST defende a necessidade da Reforma Agrária?
Porque a Reforma Agrária é uma política pública de Estado fundamental para o desenvolvimento dos países. Diversos países capitalistas realizaram a Reforma Agrária, ainda no século XVIII, a exemplo da França e dos Estados Unidos. Porém, no Brasil, as elites nunca se preocuparam com o desenvolvimento do país, somente com seus lucros.
Segundo Damasceno, a questão agrária no Brasil é uma dívida histórica do Estado brasileiro com um campesinato empobrecido, analfabeto, consequência do modelo de desenvolvimento adotado pelos governos brasileiros, que até hoje não fizeram a Reforma Agrária. “Esse é outro elemento fundamental de porque o MST ocupa terra. Essa massa empobrecida que está no campo, porque esse modelo gerou um grande número de Sem Terra. Ainda existe uma grande parte de famílias de cultura camponesa, sem um cantinho para produzir, que se amontoam nas periferias das grandes cidades, mas têm a sua origem no campo”, explica o dirigente.

Com isso, o MST defende que é urgente desenvolver um projeto de Reforma Agrária Popular no Brasil, com o envolvimento não só de camponeses, mas também das/os trabalhadores/as da cidade. Este tipo de Reforma Agrária não busca somente democratizar a terra, mas modificar o modelo de produção da agricultura brasileira; em que a terra não esteja voltada para a produção de mercadorias para exportação, mas com foco na produção de alimentos saudáveis para o povo brasileiro.
Porém, a Reforma Agrária só é possível a partir da ocupação de terra, como instrumento coletivo de pressão para chamar atenção para o problema dos Sem Terra e da concentração de terra no país.
4. Por que as ocupações são fundamentais para a produção de alimentos saudáveis e o combate à fome?
O MST ocupa terra justamente para produzir alimentos. Não é possível avançar na produção de alimentos saudáveis sem a democratização da terra no país. Isto porque o latifúndio concentra a terra para produzir commodities (soja, milho, cana-de-açúcar, eucalipto) e exportar, vendendo para outros países e não produzindo alimentos para a população brasileira.
O agronegócio tem ampliado a área de produção de soja e milho. Enquanto isso, a área de arroz e feijão, base da dieta das famílias brasileiras, enfrenta redução na produção. A área plantada de arroz diminuiu 22%, enquanto a de feijão, 20%, na comparação entre 2012 e 2024, segundo o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ou seja, o agronegócio não está preocupado com a alimentação do povo brasileiro, mas sim com seus próprios negócios.
Portanto, a terra improdutiva, concentrada pelos latifúndios e a terra destinada para a produção de commodities pelo agronegócio, poderia estar sendo usada para produzir alimentos para a população brasileira e saciar a fome das populações em situação de vulnerabilidade, mas para isso o governo brasileiro precisa fazer a Reforma Agrária e destinar recursos públicos para incentivar a produção de alimentos pelos assentamentos de Reforma Agrária e incentivar a agricultura familiar. Cada ocupação de terra realizada pelo MST é uma possibilidade de aumentarmos a produção de alimentos para o povo brasileiro.

5. Por que as ocupações são importantes para a diminuição no preço dos alimentos?
O Brasil vive atualmente uma alta no preço dos alimentos, que afeta, principalmente, a população mais pobre, que destina uma parte maior do que os ricos para alimentação. Segundo o IBGE, em março, o tomate subiu mais de 22%, ovo de galinha 13,13%, a manga mais de 25% e o café moído 8,14%. Em 2025, a alta do produto soma 30,04%, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O Governo Federal adotou uma série de medidas para tentar conter a alta. Mas, que são insuficientes, pois não atacam a raiz do problema: o campo brasileiro é controlado pelo agronegócio, que tem como objetivo o lucro por meio da venda de commodities. A pressão do agronegócio sobre o campo impede o aumento da produção de alimentos para atender esta demanda da população.
A saída para a crise do preço dos alimentos passa por medidas estruturais, de médio e longo prazo, que ataquem a origem do problema. Por isso, a Reforma Agrária Popular é uma política necessária e urgente para reverter este cenário. Mas é necessário que o Governo invista massivamente na produção da agricultura camponesa, responsável pela produção da maioria dos itens que chegam à mesa do povo brasileiro. É o investimento nesta agricultura que poderá assegurar preços baixos.
Portanto, as ocupações do MST denunciam este cenário em que o agronegócio lucra com a fome e a pobreza do povo brasileiro e defende que a Reforma Agrária Popular deve ser encarada como uma política urgente e necessária para combater essa mazela e desenvolver um campo voltado para a produção de alimentos saudáveis.

Um exemplo disso é a V Feira Nacional da Reforma Agrária do MST, que acontece em São Paulo, entre os dias 8 e 11 de maio, que vai colocar à disposição da população mais de 400 toneladas de alimentos, in natura, agroindustrializados; produtos em forma de artesanato, além de servir refeições. Tudo produzido em assentamentos e acampamentos do MST, fruto de ocupações de terra e da luta pela Reforma Agrária realizada pelo Movimento há mais de 40 anos.
6. Como a ocupação de terra e a Reforma Agrária contribuem no enfrentamento à crise ambiental?
A crise ambiental, provocada pelo modo de produção capitalista, se aprofundada no Brasil pela ação do agronegócio, com desmatamento, queimadas, apropriação dos solos e das águas, contaminação por agrotóxicos, destruição da diversidade de sementes e violência contra os povos tradicionais, são exemplos das ações do agronegócio que afetam diretamente a natureza. Além disso, quase 70% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), responsáveis pelo aquecimento global e consequentemente alterações climáticas, são provenientes das práticas do agronegócio. Segundo o MAPBIOMAS, 97% do desmatamento é causado pelo agronegócio.
As consequências da crise ambiental são mais sentidas pela classe trabalhadora no campo e na cidade. Altas temperaturas, chuvas intensas, enchentes, inundações, secas, poluição do ar são fenômenos cada vez mais constantes; além do aumento no preço dos alimentos que também são afetados pela crise.

Combater a crise ambiental no Brasil passa, primeiramente, pelo combate ao modelo do agronegócio. A Reforma Agrária Popular, construída a partir da agroecologia, é uma alternativa concreta que permite a produção de alimentos saudáveis e o cuidado com os bens comuns da natureza. Desde 2020, o MST já plantou 40 milhões de árvores, construiu 300 viveiros e recuperou mais de 15 mil hectares destruídos pelo agronegócio, como parte do Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis, que alia a produção de alimentos saudáveis com a recuperação ambiental.
“A Reforma Agrária é a única medida política capaz de preservar o meio ambiente, inclusive de multiplicar mais e mais as reservas legais, com o plantio de árvores”, constata Damasceno.
A ocupação de terra é um instrumento coletivo importante que garante a conquista de territórios em que são construídas relações saudáveis com a natureza, com cuidado com os bens comuns. Por isso, a luta contra o latifúndio e pela Reforma Agrária Popular também é uma luta contra a crise ambiental.
7. Ocupações de terra denunciam a violência no campo
O Governo brasileiro, ao não avançar na implantação de um projeto de Reforma Agrária no campo, na demarcação de terras indígenas e reconhecimento de territórios quilombolas, contribui com o contexto de violência e a perpetuação da impunidade, praticada por uma parte do Poder Judiciário brasileiro, que apresenta morosidade ao julgar os assassinos e responsáveis pelas mortes de trabalhadores/as rurais e ativistas sociais.
Segundo dados preliminares da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Brasil registrou 1.056 conflitos agrários no primeiro semestre de 2024. Até novembro do ano passado, foram 11 mortes pelo mesmo motivo, em que quase a metade foi cometida por fazendeiros. O semestre apresentou menos vítimas da violência no campo em relação ao mesmo período de 2023, mas a conflitividade continua elevada, somada aos danos sofridos pelas comunidades rurais devido à crise climática e aos incêndios criminosos em seus territórios, apontam os dados da CPT.
Portanto, a ocupação de terra é uma forma de prestar homenagem aos Mártires da luta pela Reforma Agrária e denunciar a continuidade da violência no campo.
8 Ocupações cobram a retomada da Reforma Agrária pelo Governo Lula

As ocupações de terra continuam porque o MST entende que a Reforma Agrária ainda não foi devidamente retomada pelo Governo Lula. Os Sem Terra reconhecem que o Presidente Lula anunciou avanços ao visitar o acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais e transformar o local em assentamento, no dia 7 de março, mas apontam que essas políticas públicas não suficientes após a paralisação da Reforma Agrária desde o golpe contra a democracia em 2016.
Em todo o país, cerca de 100 mil famílias do MST continuam acampadas. E a destinação de recursos para a Reforma Agrária é mínima em comparação ao montante recebido pelo agronegócio. No Plano Safra 2024-2025, com a liberação de crédito extraordinário no valor de R$ 4,17 bilhões, enquanto R$ 3,53 bilhões foram destinados para o agronegócio, para a agricultura familiar e os assentamentos de Reforma Agrária foram destinados somente R$ 645,7 milhões.
O MST luta para que a Reforma Agrária seja uma prioridade efetiva, e para isso é necessário ocupar terras para que o governo avance nas desapropriações. Porém, não é possível avançar sem um orçamento ampliado para a efetivação da Reforma Agrária no país como um política estrutural e permanente, articulada ao Programa Fome Zero, para o Brasil alimentar e eliminar a fome no país.

9. As ocupações de terra buscam combater a raiz da desigualdade social
O Brasil possui uma das maiores concentrações de terra do mundo. O último Censo Agropecuário brasileiro, realizado em 2017, evidencia que cerca de 1% dos proprietários de terras controlam quase 50% da área rural e agricultável no país.
Segundo o levantamento, a agricultura familiar também emprega mais de 10 milhões de pessoas, o que representava 67% do total de pessoas ocupadas no campo, enquanto ocupa somente 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários no país. Nesse sentido, a ocupação de terra é fundamental para a realização da Reforma Agrária e diminuir a concentração de terra de 1% dos latifundiários, possibilitando uma distribuição de terras mais equilibrada e justa no país, para a produção de alimentos, recuperação ambiental, combate à fome e melhoria da qualidade de vida dos talhadores/as rurais e Sem Terra.
Para José Damasceno, somente a ocupação de terra é um mecanismo de luta que possibilita a pressão junto aos governos e à sociedade para obter conquistas em relação à luta pela terra.
A única forma é a mobilização, a organização, a ocupação como forma de pressão para obter conquistas e fazer avançar a Reforma Agrária nesse país”, conclui o dirigente.
*Editado por Fernanda Alcântara