A vida de dona Lourdes virou do avesso antes de voltar aos trilhos. Mesmo medicada, passou por internações, crises de fala, tremores e um cansaço que pareciam não ter fim. “Chorava muito, não me alimentava direito, não conseguia dormir. Estava intoxicada e não sabia”, lembra. O alívio só veio depois de um exame que analisou seu DNA e permitiu ajustar o tratamento psiquiátrico com base nas características genéticas do seu organismo. “Em dois meses eu era outra. A autoestima voltou. Meu sono melhorou. Eu estava viva, bem e feliz.”

Casos como o de dona Lourdes aumentam no Brasil com a expansão tanto dos problemas de saúde mental quanto da medicina de precisão. A proposta é aparentemente simples: identificar, por meio de um exame genético, quais medicamentos são mais compatíveis com o organismo de cada paciente, evitando tentativas frustradas de tratamento e efeitos colaterais. A tecnologia tem ganhado espaço no combate aos transtornos mentais, com resultados comprovados em melhora da qualidade de vida, economia e redução de afastamentos no trabalho.

Debruçado sobre o assunto, o psiquiatra Guido Boabaid May decidiu, em 2011, mudar o rumo de sua carreira. Com quase 20 anos de consultório, May frustrava-se com a incerteza na hora de prescrever. “O teste farmacogenético é como um GPS para guiar o médico na decisão de um tratamento mais rápido e efetivo”, resume. O estalo veio durante um congresso no Havaí, quando conheceu a tecnologia e decidiu trazê-la ao Brasil. No ano seguinte, fundou a GnTech. Instalada em Santa Catarina, a startup desenvolveu uma tecnologia pioneira no País para examinar o DNA de pacientes por meio de células da mucosa bucal. Com base na análise de genes e suas mutações, o teste farmacogenético indica quais medicamentos têm maior chance de funcionar e quais devem ser evitados. É uma forma de antecipar a resposta ao tratamento e reduzir os riscos de reações adversas.

A biotech brasileira participou de programas de aceleração que fizeram a operação engrenar e hoje oferece uma linha de testes que atendem de psiquiatras a cardiologistas, oncologistas, infectologistas e gastroenterologistas. Todos baseados no mesmo princípio: entender o código genético para personalizar a prescrição médica. É simples: o que funciona para um paciente pode não funcionar para outro, e isso tem origem no DNA. Segundo May, “99,9% das pessoas possuem ao menos uma variação genética que pode alterar a resposta aos medicamentos”.

Nos últimos anos, a empresa cresceu a uma média de 30% ao ano, ritmo que pretende manter em 2025. Os avanços tecnológicos reduziram em 60% o consumo de insumos importados e aumentaram a escala de produção. O próximo passo é captar 6 milhões de reais e ampliar a operação por meio de investimentos em novos testes voltados ao bem-estar, como aqueles que analisam os níveis de vitaminas e minerais. A empresa ampliou ainda a sua atuação com testes voltados a condições específicas, como intolerância à lactose e ao glúten, além de uma análise dedicada ao Transtorno do Espectro Autista. Os resultados, assim como nos demais exames, chegam na casa do paciente e no e-mail do médico em um relatório detalhado, e permite a ambos entender quais substâncias devem ser evitadas e como ajustar o tratamento às características genéticas de cada indivíduo.

A tecnologia foi desenvolvida pela GnTech, startup catarinense

Os preços dos testes variam entre 757 e 4.617 reais, parcelados em até 12 vezes. O objetivo é manter o equilíbrio entre precisão técnica, escalabilidade e acesso. O mais popular combina análise de dezenas de genes com custo competitivo e tornou-se uma opção de entrada para quem busca uma alternativa mais assertiva nos casos de ansiedade e depressão.

Além da atuação no mercado, a ­GnTech mantém um programa gratuito de formação para médicos em farmacogenética. Mais de 700 profissionais passaram pelo curso, uma forma de disseminar o uso da medicina de precisão no País. O impacto da tecnologia é mensurável. Um estudo canadense com quase 200 mil indivíduos mostrou que, em 20 anos, o uso sistemático de testes genéticos poderia reduzir em 37% os casos de depressão refratária e gerar uma economia de quase 1 bilhão de dólares em custos de saúde suplementar.

No Brasil, onde os afastamentos por transtornos mentais ultrapassaram 470 mil casos em 2024, o uso de um medicamento compatível com o DNA do paciente tende a reduzir o absenteísmo anual em até 78%. Em média, um paciente com tratamento incompatível afasta-se 20,8 dias por ano – com um tratamento compatível, esse número cai para 4,6 dias. O uso dos testes permite uma redução de 58% nas hospitalizações, 13% nas visitas aos prestadores de saúde e em 40% nas idas à emergência, o que alivia os custos e aumenta a previsibilidade para as operadoras de planos de saúde. Estudos mostram ainda que os testes aumentam em 50% a taxa de remissão de sintomas e reduzem em até 30% os efeitos colaterais clínicos relevantes, quando comparados ao tratamento convencional. Os resultados mais rápidos também reduzem os custos totais com medicamentos e internações.

A empresa investe em inovação para manter os custos sob controle e ampliar o alcance da tecnologia. Um dos reflexos mais visíveis foi a queda de 60% no uso de insumos, resultado direto da melhora nos processos laboratoriais. A economia gerada internamente permite que os preços finais dos exames permaneçam acessíveis, mesmo diante da complexidade envolvida nas análises genéticas.

O mercado é novo, mas começa a consolidar-se em ritmo acelerado. A combinação entre alta demanda por soluções mais eficazes, avanço tecnológico e custos mais competitivos cria um cenário promissor para os próximos anos. Para o doutor May, o futuro da medicina passa por compreender as particularidades biológicas de cada indivíduo. “Não dá mais para tratar todo mundo do mesmo jeito. Quando você entende o paciente por dentro, o tratamento faz mais sentido e funciona melhor.” •

Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sob medida’

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Last Update: 16/04/2025