O Mercosul completa 34 anos de existência como uma das mais sólidas e ambiciosas iniciativas de integração regional do Sul Global. Fundado em 1991 com o Tratado de Assunção, nasceu com a missão de promover a integração econômica, social e política entre seus integrantes. Três décadas depois, consolidou-se como um instrumento estratégico para o desenvolvimento, a democracia e a paz regional.
Ao longo de sua trajetória, o bloco, integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e, mais recentemente, a Bolívia, foi capaz de multiplicar por mais de oito vezes o comércio entre seus países, especialmente no setor industrial. O comércio intrabloco chegou a representar mais de 20% das trocas comerciais dos Estados partes. Em decorrência das exportações de commodities para a Ásia, e também por nossa relativa desindustrialização, esses porcentuais se alteraram. Ainda assim, o intercâmbio continua a ser majoritariamente de bens com maior valor agregado, como veículos, autopeças, máquinas, produtos químicos e alimentos industrializados. Em 2024, o Brasil exportou para seus sócios do Mercosul mais de 20 bilhões de dólares, com destaque para a Argentina, principal destino das vendas de automóveis e produtos manufaturados brasileiros.
É importante ressaltar que os efeitos da integração vão além da economia. O bloco do Cone Sul é, hoje, uma referência mundial em mobilidade e cidadania regional. O Acordo de Residência de Nacionais dos Estados Partes já permitiu que mais de 1 milhão de cidadãos sul-americanos regularizassem suas situações migratórias, garantindo acesso a direitos sociais e trabalhistas. O Acordo Multilateral de Seguridade Social garante a portabilidade de direitos previdenciários entre os países do Mercosul. São avanços concretos, tangíveis, que impactam diretamente a vida dos habitantes da região.
O bloco tem sido ainda um esteio da paz e da estabilidade democrática. A Cláusula Democrática, firmada em Ushuaia em 1998, exige a plena vigência das instituições democráticas como condição para a participação no Mercosul. Para valorizar e contribuir na preservação dessa conquista, o Parlamento do Mercosul (Parlasul) instituiu, em 2017, o Observatório da Democracia, que já acompanhou mais de duas dezenas de processos eleitorais na região.
Também avançamos em termos de infraestrutura e energia. O Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) destinou mais de 1,5 bilhão de dólares a projetos que reduziram assimetrias regionais, especialmente no Paraguai e Uruguai. Projetos binacionais de transmissão elétrica, como aqueles que conectam o Brasil ao Uruguai e ao Paraguai, o uso compartilhado de usinas como Itaipu (Brasil–Paraguai) e Yacyretá (Argentina–Paraguai) e investimentos em rodovias, portos e saneamento básico nas zonas de fronteira demonstram o poder transformador do bloco quando há cooperação efetiva.
A recente entrada da Bolívia fortalece o Mercosul nos Andes e amplia seu potencial geográfico, energético e logístico. Com 68% das reservas globais de lítio concentradas na região, além de vastos recursos em gás, petróleo, energia solar, eólica e de biomassa, o bloco consolida-se como uma potência energética no cenário internacional. Isso nos posiciona de forma estratégica na transição energética e no avanço de novas tecnologias. A adesão boliviana consolida os corredores bioceânicos, conectando o Atlântico ao Pacífico e ampliando o acesso aos mercados asiáticos.
Fortalecer o bloco é uma vantagem em um momento de tensão geopolítica mundial
Não ignoramos os desafios. Embora o comércio interno no bloco tenha diminuído ao longo dos anos, em decorrência do aumento das exportações para a Ásia, o Mercosul segue decisivo para a região. Em meio a uma reorganização geopolítica global, a América do Sul precisa ter voz própria. A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos surpreende, especialmente a seus aliados históricos, com uma política externa unilateral e impactos severos sobre países em desenvolvimento.
O nível de tarifas impostas a produtos chineses revela o verdadeiro adversário estratégico dos EUA. E a resposta firme da China, com Xi Jinping afirmando estar preparado para “qualquer guerra” reforça essa tensão. Tarifas impostas sobre produtos industriais e agrícolas fragilizam cadeias produtivas e aumentam a vulnerabilidade de economias periféricas. Nesse cenário, o Mercosul é essencial como instrumento de coordenação regional, defesa dos setores produtivos e ampliação do peso da América do Sul nos fóruns multilaterais. Enfraquecê-lo comprometeria sua relevância política e capacidade de negociação.
O protecionismo, as guerras comerciais, a financeirização da economia e a emergência climática exigem da América do Sul um posicionamento autônomo e cooperativo. O Mercosul tem avançado em acordos com Cingapura, EFTA e União Europeia, e segue em negociação com Canadá, Emirados Árabes e Indonésia, sem abrir mão da proteção à indústria regional, da soberania nas compras públicas e da defesa ambiental com justiça social.
Romper com o bloco, como propôs recentemente o governo Javier Milei, da Argentina, seria um grave erro estratégico. Nenhum país sul-americano alcançará, isoladamente, condições melhores do que aquelas construídas em bloco. O futuro está em fortalecer a integração, gerar empregos de qualidade, agregar valor e investir em ciência, tecnologia e inovação para um desenvolvimento verdadeiramente soberano e compartilhado. Se ainda houvesse alguma dúvida sobre o erro estratégico de enfraquecer o bloco do Cone Sul, basta observar que estamos na iminência de assinar o Acordo Mercosul–União Europeia, e que até governos de extrema-direita, como o da Itália, antes contrários, passaram a apoiar o entendimento. O bloco continua uma ferramenta essencial de inserção internacional.
O Mercosul não é um fim em si mesmo. É uma ferramenta viva, em constante evolução, que deve servir aos nossos povos. A luta contra a desigualdade, a fome, a informalidade, a precarização do trabalho e as crises climáticas precisa ser travada em conjunto. O Parlasul está comprometido em fortalecer essa agenda social, democrática e solidária. •
*Deputado federal (PT–SP), líder da maioria na Câmara dos Deputados e presidente do Parlamento do Mercosul (Parlasul).
Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Desenvolvimento e democracia’