Teoria de Jogos, métodos de controle de qualidade, segregação prisional e função de penas
por Luís Antônio Waack Bambace
Como dizia Churchill a democracia é ruim, mas não inventaram nada melhor. Se o cidadão pode reclamar de uma rua sem asfalto, que oficialmente foi asfaltada e está como está face a desvio de verba, há menos desvios de conduta de gestores públicos do que quando ele é intimidado a ficar quieto numa ditadura. Mas para sua voz ecoar, tem de ter uma imprensa livre que apoie cidadãos em reclamações. Mas há muito doido que acredita em Papai Noel, papagaio de pirata, e por aí vai. Se a caixa de pandora de grupos de poder escaparem de condenações em tribunais for aberta, ninguém sabe onde se vai parar. Alguém condenado foi investigado por uma instituição, teve a avaliação desta investigação feita pelo ministério público, e teve direito de defesa em um tribunal. Dosimetria obedece leis, código penal e outros itens. Quando só resta a um juiz uma pena muito severa, o mais provável é as leis terem sindo mal formuladas.
Vamos lembrar que em tese só 1/5 das pessoas são incorruptíveis contrapostas a 1/5 de pessoas corruptas, que sem ética buscam oportunidades de fazer coisas ruins às demais pessoas por motivos diversos. O resto quer fazer tudo certo, mas sob pressão pode fazer coisas erradas, 1/3 deste resto com pouca pressão, 1/3 com média pressão e 1/3 só com muita pressão. A chance, c1, do ônus de uma condenação multiplicada pelo tamanho da pena ao ser maior que a chance de ganho, c2, ao se fazer algo errado multiplicada pelo ganho, define a posição dos corruptos que agem sem pressão de ninguém e tem conduta racional. Se c1>c2, o corrupto que age livre de pressão e é racional não faz a ação. O resto das pessoas tem dois possíveis tipo de pena, a pena do sistema legal, e a pena imposta pelo sistema criminoso. A segunda pena pode ser sua demissão do emprego, se seu chefe é corrupto, riscos de maldades a sua família, ser morto e por aí vai. A Ormetà existe. Assim penas do sistema legal e sua chance de aplicação têm de ser altas para se contrabalançar as penas impostas por sistemas criminosos.
As penas têm 3 funções, isolar o criminoso para que ele não faça mais males a sociedade, algo evidente no caso de serial killers, reeducar o apenado, e desestimular outras pessoas a praticar o mesmo crime. O reeducar fica comprometido se um zé mané preso por não pagar pensão, ficar junto com gente perigosa de uma facção criminosa, e ficar entre as opções de morrer na cadeia ou entrar para a facção, sem chance alguma de se livrar de ambas. Daí a necessidade da segregação prisional, algo que o Brasil não pratica, e que cuja falta é o principal motivo para não se reduzir a idade penal. Aí vem a questão do desestímulo a outras pessoas, que não o apenado, de praticar o mesmo crime. Quão extenso na sociedade é o Plata o plomo do Pablo Escobar, e quantas pessoas não temem a morte se não aceitarem a propina.
Anistias, de impostos, livram a cara de muita gente que ficou sem emprego, teve azares da vida, mas também livra a cara de sonegadores costumazes, que sistematicamente não pagam impostos, tem amigos no poder, e periodicamente deixam de pagar dívidas tributárias de carona na ajuda aos desvalidos, levando vantagem desleal sobre concorrentes. Municípios do Brasil afora padecem com esta questão. Anistias outras, que não o indulto natalino, geram sensação a muita gente, que há grandes chances de impunidade, e aí, mais pessoas tendem a praticar crimes. Mesmo o indulto natalino é meio problemático.
O catecismo da igreja católica diz que para haver o pecado tem de existir o ato, senão coitado de muitos que olharam um outdoor com um mulherão de biquíni amarelo, a intenção de praticar o ato, senão coitado do distraído que pisa no pé de alguém e a consciência dos efeitos e deste ato, consciência sempre parcial. A consciência é algo que a lei já acolhe parcialmente no que se refere a gente com doenças mentais. Mas ainda não o faz no que se refere a lavagem cerebral e manipulação das redes sociais. Para pessoas com problemas psiquiátricos se exige tratamento, aí, talvez, devamos de ter algo similar para as vítimas de lavagem cerebral. Lavagem que lembra Goebbels. Um figurão político, esperto, que subiu vencendo vários desafios na carreira, e só o fez graças a uma alta compreensão da realidade, não pode ter como atenuante falta de consciência quanto a seus atos. O mesmo se dá com empresários de porte, diretores de grandes empresas, militares de alta patente, juízes, promotores, diplomatas e por aí vai.
A lei não pode retroagir se prejudicar ao réu. Mas pode se não prejudicar? Há na nossa legislação atenuantes relativas à lavagem cerebral feita pelas redes sociais? O empresário de porte que financiou atos golpistas não está no mesmo patamar que o trouxa que foi na praça dos três poderes. O sujeito que entrou no ônibus que foi a praça para aplacar a fome de dias com um sanduíche, não merece pena igual a de um grande empresário que foi lá motivado pela ganância e oportunidades de contratos públicos favorecidos. A quem muito é dado muito será cobrado. Não dá para aceitar a ideia simplista do porteiro crente de que se deve usar indistintamente o: com quem com ferro fere com ferro será ferido, a dinâmica da sociedade é muito mais complexa do que separar as pessoas entre boas e más, e acolher ideias maniqueístas.
Pessoas de pouca instrução, cooptadas pelas redes ou talvez gente que explora de má-fé a religiosidade das pessoas, tem de ter acesso a mais informações para não serem sistematicamente massa de manobra de gente esperta. Não dá para aceitar a ideia de que todo policial é honesto, embora a grande maioria o seja, e que a partir desta hipótese errada não haja controle algum sobre policiais. Quantos crimes graves, que viraram manchete, não foram cometidos por policiais? Hoje tem gente com mais medo de aeroporto que de avião. Há gente boa e má em todas as profissões, generalização é um problema, mas uma coisa é certa, quanto mais poder um cargo tiver, mais difícil se afastar dele gente de má-fé. Tem muita gente com muito mais poder que o guarda da esquina, que arrisca a vida.
Quando eu era jovem tinham dois guardas-civis municipais que ficavam na praia junto a Basílica de Santo Antônio do Embaré, em Santos. Represavam a molecada que chegava dos bailes, e um deles escoltava todos com segurança, cada um a sua casa. Revesavam na função de escolta. Claro, tinham armas para proteger a todos os que escoltavam, e rádio para pedir eventualmente reforços. Caminhar pela praia às 4 da manhã era na época seguro, graças ao patrulhamento da madrugada. Policias federal, estaduais e municipais, permitem auditoria por comparação e maior agilidade na detecção de mudanças tanto positivas como negativas. Polícia civil e militar estaduais não são independentes sob esta ótica, tem comando único por parte de secretários de segurança. O supremo acertou em cheio na questão de ampliação da atuação das guardas municipais.
Em controle de qualidade, tem a curva de método de amostragem. Todo e qualquer método opõe a chance de aceitar algo ruim a chance de rejeitar algo bom. Métodos simples não conseguem manter ambas as chances em níveis aceitáveis. Algo que só é obtido por métodos mais sofisticados, como amostragem sequencial, com três tipos de decisão a cada passo: rejeitar, aceitar e testar mais. O mesmo princípio se aplica a questão de penas, e a chave do equilíbrio está, em nossa opinião, na sofisticação de agravantes e atenuantes. Precisa se aprimorar a questão de atenuantes e agravantes.
Mas será que os fatos lamentáveis de 8 de janeiro teriam ocorrido se a regulamentação das redes sociais, baseada na regulamentação europeia, tivesse sido aprovada no congresso? Há problemas de todo o tipo gerados pela terra de ninguém das redes sociais como: expansão das facções, polarização política via fake news, coordenação de brigas de torcidas de futebol. O que não se pode é abrir a porteira para a extinção da separação dos poderes no Brasil e que se instaure aqui o manda quem pode e quem tem juízo obedece. Se o legislativo invadir agora a competência do judiciário, repetirá a dose no futuro em outros temas?
Não vale a pena se arriscar a abrir a caixa de pandora de se enfraquecer a independência dos poderes. Há muita coisa em risco. O caminho para um país melhor não é achar um salvador da pátria, e dar a ele impensadamente poderes em excesso. Reis absolutistas de antes das cortes de Lisboa, fizeram estrago em toda a Europa. Lá fora, uma turba pagou o pato, e o chefe saiu ileso, deu no que deu. Concentração de poder é sempre ruim.
Tem a famosa frase de Marcus, Coleman e Deutsch do Handbook of Conflict Resolution: Quando os ânimos estão tensos, as pessoas não enxergam saída, e cabe ao mediador livre de tensões achar várias, e apresentá-las em uma ordem que facilite o diálogo e a um acordo entre as partes. Talvez seja a situação agora no Brasil. Não podemos dar brecha a uma coalizão infeliz entre quem tem dó de zé mané e gente graúda de má fé que quer se aproveitar deste dó. Lembrando que quanto pior o sistema prisional é, mais as pessoas acham injustas penas de reclusão a quem quer que seja. Lembrando o gato comeu, que ninguém viu. Os resultados do legislativo invadir as prerrogativas do poder executivo, parece que não estão sendo muito bons. Na reportagem ‘Pressionado pelo projeto da anistia, Motta avalia cenários; veja opções na mesa‘, no G1, já se cita que muitos dos que assinaram a urgência do tal projeto de anistia, no fundo acham as penas elevadas, e querem negociar com o judiciário reduções de penas.
Infelizmente, os deputados ainda não levam em conta a segregação prisional. Os filmes de prisioneiros de guerra mostram barracos sem grades em áreas cercadas. Será que a redução do custo da segregação prisional não pode se aproveitar deste modelo? Tudo bem que um soldado que foge em território inimigo tem mais chances de ser recapturado, mas, hoje há tornozeleira eletrônica, detectores de presença e zé mané urbano não se aventura no meio de região inóspita. Qualquer um no espaço entre cercas é detectado eletronicamente via sensores de presença, e aí a recaptura age a tempo. Duplo monitoramento e o agente local tem certeza da punição se não agir. Quem sabe não se faz do limão uma limonada, desenvolvendo-se a partir desta crise um modelo prisional de menor custo para apenados menos perigosos.
Luís Antônio Waack Bambace. Engenheiro Mecânico. PhD em Aerodinâmica Propulsão e Energia.
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