Após a Justiça da Espanha negar a extradição do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio Filho, acusado pelos atos anti-democráticos do 8 de janeiro e tentativa de golpe de Estado no Brasil, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a extradição de um búlgaro em pedido da Justiça espanhola.
A imprensa noticiou a decisão de Moraes como um tipo de retaliação ou “moeda de troca” do ministro da Suprema Corte, interpretado como um suposto ato político da Justiça brasileira. Contudo, em sua decisão, o ministro afirmou que, ao negar a extradição do brasileiro, a Justiça da Espanha estaria interrompendo o princípio da reciprocidade para fins de extradição em cooperação internacional.
“Solicito que o Governo da Espanha preste as informações ali requeridas, em 5 (cinco) dias, comprovando o requisito da reciprocidade, em especial do caso citado na referida decisão e previsto no artigo I do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha, sob pena de indeferimento do presente pedido”, escreveu o ministro.
Para o doutor em Direito e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Vladimir Aras, especialista em direito criminal, digital e internacional, a alegação do ministro do STF é equivocada.
Autor do livro “Cooperação Penal Internacional: Obrigações Processuais Positivas e o Dever”, Aras explica que o pedido de extradição do blogueiro bolsonarista à Justiça espanhola não teve como base o compromisso de reciprocidade, mas no tratado bilateral de Madrid de 1988.
E o acordo permitia uma liberdade do Estado, ou seja, do Brasil ou da Espanha, de negar a extradição por “vários motivos”. O pedido da Justiça brasileira de extraditar Oswaldo Eustáquio Filho poderia, assim, ser considerado um “delito político” pelas “autoridades do Estado requerido”, se assim a Justiça espanhola entender, ainda que de forma questionável pelo Brasil.
“Se estivéssemos diante de uma extradição passiva, caberia ao STF dizer se o pedido estrangeiro tinha ou não como objeto um crime era político. Como o pedido é ativo, compete à Espanha dizê-lo”, afirmou.
Segundo o professor, a Justiça brasileira pode recorrer da decisão da Justiça espanhola, mas a decisão caberá a eles. “A Espanha simplesmente cumpriu o tratado, conforme a interpretação de um seu tribunal superior, a Audiência Nacional.”
Assim, ao negar o pedido de extradição do búlgaro – Vasil Georgiev Vasilev, considerado fugitivo por crime de tráfico de drogas na Espanha em 2022 -, Moraes não poderia alegar que a Espanha quebrou o “requisito da reciprocidade”.
De acordo com Vladimir Aras, a decisão espanhola “fundou-se no direito vigente” do próprio tratado internacional acordado entre a Espanha e o Brasil.
Além disso, a decisão de quebrar ou indicar a quebra de um tratado internacional, ainda que no campo judicial, não compete às Justiças dos países, e sim ao representante do Estado, ou seja, ao presidente da República.
Para alegar que a Justiça espanhol interrompeu o tratado, o governo brasileiro precisaria recorrer, por meio de um recurso, junto ao MP da Espanha ou por um advogado contratado pelo Brasil para atuar na Justiça espanhola.
Aras também citou diversos exemplos nos quais os países, ainda dentro dos próprios tratados internacionais, não acataram a pedidos de extradição, por razões diversas, mas que estavam contempladas nos termos destes acordos estrangeiros.
“Podemos lembrar outros tantos casos nos quais o STF negou a extradição de foragidos procurados por outros países. Os motivos alegados pela Corte têm sido os mais variados, mas todos fundados na legislação vigente.”
“Noutras oportunidades, em pedidos passivos (Brasil como Estado requerido), o próprio STF indeferiu extradições de réus para outros países, valendo-se de razões previstas na lei brasileira ou nos tratados de regência. Cito o caso de Yakup Sagar (EXT 1693), cuja extradição para a Turquia foi negada pelo STF. Esse cidadão turco era acusado pelo MP de seu país de tentativa de golpe para a derrubada do governo. O STF considerou entre outros pontos a motivação política do pedido turco e indeferiu a repatriação”, exemplificou.