Felippe Chaves quando se candidatou a vereador pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no município de Teresópolis (RJ)

Das coisas mais sórdidas que o capitalismo patriarcal pode produzir, do mais macrabro do fundamentalismo religioso dos que transformam Deus em razão para o ódio, do chorume de toda misoginia presente e compartilhada nos fóruns misóginos da deepweb e agora escancaradamente no YouTube surgiram eles, o supra sumo do horror pós-moderno: os cristãos redpills.

O caso da adolescente Jordana Vucetic, que, com apenas 15 anos, teve sua vida sexual exposta por gente dessa laia, é revelador sobre a gravidade desse fenômeno.

A garota é uma influenciadora cristã de Porto Alegre que vive em São Paulo. No Instagram, compartilha conteúdos sobre religião e dicas de moda e comportamento.

A moça se converteu ao cristianismo recentemente e relatou, em seu Instagram, diversas ofensas misóginas que recebe dentro e fora da igreja por não ter mantido sua virgindade, tal qual na idade média.

No canal do YouTube “Fúria e Tradição” (um canal clássico dos redpills cristãos), em vídeo intitulado “A igreja se tornou um local para zerar quilometragem de rodada” um homem adulto – Felippe Chaves, criador e principal rosto do canal – expõe um vídeo em que Jordana “confessa” ter perdido a virgindade antes de se converter ao cristianismo – o que, pra homens como ele, a torna menos digna de respeito.

Felippe Chaves é adulto, casado, pai de três filhos, pseudocristão e associado frequentemente ao movimento redpill por defender a “masculinidade tradicional”.

Um machista de carteirinha, que em 2024 criticou a jogadora Marta por uma expulsão em campo, referindo-se a ela como um “reflexo da mulher moderna”.

Um cara que odeia mulheres e não consegue – nem quer – disfarçar.

“Deu pra todo mundo e na minha vez quer esperar casar”, reclama o homem de meia idade ao expor a garota e acusá-la de “viver na prostituição.” Ele deixa claro que nunca se relacionou com a influenciadora e que está usando o vídeo apenas como “exemplo”.

Ao acusá-la de ter se convertido ao cristianismo “para continuar na mídia”, Felippe usa o vídeo publicado pela própria influenciadora para protestar contra mulheres que se convertem ao cristianismo e tomam a decisão de, a partir dali, só fazerem sexo após o casamento – uma decisão que diz respeito aos seus corpos e, portanto, apenas a elas.

“A digníssima passou a vida em um extremo da degeneração, aí do nada, pulou pra outro extremo: o da super santidade”, argumenta.

Pergunto: que passado tem uma pessoa com apenas quinze anos? Que direito um homem dessa idade tem de julgar uma adolescente por transar ou deixar de transar? O que o faz pensar que pode expor uma adolescente na internet sem consequências? E daí se ela tiver passado “a vida” fazendo sexo antes do casamento e depois decidir mudar?

Ele justifica dizendo que “quem foi criada para casar, age de acordo a isso desde cedo.” É a velha história: “ela sabia muito bem o que estava fazendo.”

É inimaginável que um homem adulto se sinta confortável para se referir assim a uma adolescente na internet, expor seu rosto, sua vida sexual, fazer acusações e questionar suas escolhas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente grita – e, em um país sério, esse cara seria preso.

Jordana publicou um vídeo em resposta a Felippe, e revelou o que a gente já sabia: mulheres que não se casaram virgens são perseguidas nas igrejas evangélicas, chamadas de “marmita”, “carro que zerou a quilometragem depois que entrou na igreja” e outros apelidos depreciativos que apontam para o controle tipicamente cristão do corpo e do comportamento feminino, mas agora com uma boa dose de misoginia escancarada.

E o pior é que não importa a idade, porque eles não poupam ninguém. Aos treze, quando minha mãe me obrigava a fazer cosplay de crente, eu mesma fui acusada de “prostituição” por beijar um garoto da igreja (hoje, a menina que me acusou foi banida da congregação por se assumir lésbica – rindo, mas com respeito).

A ideia de que mulheres precisam ser puras é cristã do velho testamento. Esses caras não sabem nem ser crentes direito, e o pior: usam a bíblia como escudo e a religião como justificativa para o que é simplesmente ódio. Ódio às mulheres, para ser específica – exatamente como os redpills não cristãos.

Mas o que são redpills cristãos?

Eles misturam elementos da ideologia redpill (movimento antifeminista que defende a “masculinidade tradicional” e acredita que a sociedade favorece mulheres) com princípios e linguagem do cristianismo conservador.

Em resumo: misoginia bem temperadinha com fundamentalismo religioso e com uma pitada de insegurança de macho alfa. Uma mistura desastrosa e indigesta do finado Nando Moura com Silas Malafaia – sim, um pesadelo.

Esses caras são ainda piores do que os redpills não cristãos, porque se convencem (e muitas vezes convencem aos outros) de que sua religião lhes dá o direito de julgar e expor adolescentes sem qualquer cerimônia.

Eles costumam defender a castidade pré-marital – mas só para as mulheres – e ideias como a submissão feminina e o homem provedor, acreditam que relações modernas são “degeneradas” e distantes do modelo cristão e reforçam papéis de gênero rígidos, perpetuando violência simbólica (e, nesse caso, direta) contra mulheres.

Não é incomum que acusem – como fez Felippe Chaves – mulheres não cristãs ou recém convertidas de “agirem como prostitutas.”

Felippe não é o único: alguns outros canais – todos criados e sustentados por homens – disseminam ódio contra mulheres em nome de Deus, como Esdras Carvalho, do Canal Homem de Honra, Douglas Batista, “O cristão racional” e Alan Lopes, do canal “Redpill cristã”.

Julgam mulheres – e meninas – em nome da “moral” e da “família” quando na verdade apenas reafirmam sua necessidade doentia de dominação.

Esse cara cometeu um crime: expôs publicamente uma adolescente na internet, que acabou sendo alvo de chacota e julgamento público, e isso precisa ser punido, ou tem tudo pra virar uma prática ainda mais comum.

Permitir que homens exponham mulheres, tantas vezes menores de idade, e mantenham ativos canais que existem única e exclusivamente para destilar misoginia cristã é uma prova de total descaso com todas as mulheres, cristãs e não cristãs.

Felippe Chaves deve servir de exemplo para que a raça dos redpills cristãos seja expurgada da sociedade como o lixo que é – ou isso ou caminharemos para a completa legitimação do ódio às mulheres travestido de moral cristã.

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Last Update: 16/04/2025