Declarações de porta-voz chinês indicam interesse em fortalecer relações com a Embraer; tensão com EUA cresce após críticas sobre atuação chinesa na América Latina
O governo da China evitou confirmar nesta quarta-feira, 16, se companhias aéreas do país suspenderam a compra de aeronaves da Boeing, como havia sido divulgado na véspera pela agência Bloomberg.
Em entrevista coletiva, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, não respondeu diretamente sobre o tema e optou por destacar a relação comercial com o Brasil, com ênfase no setor aeronáutico.
“Gostaria de salientar que o Brasil é um importante país da aviação, e a China atribui grande importância à cooperação prática com o Brasil em vários campos, incluindo a aviação”, disse Lin, em resposta a questionamentos sobre os negócios com a fabricante norte-americana.
O porta-voz afirmou ainda que “a China está satisfeita em ver que as companhias aéreas chinesas realizam uma cooperação relevante com o Brasil, de acordo com os princípios do mercado”. A declaração foi interpretada como sinal de apoio à Embraer, fabricante brasileira que busca firmar um contrato para a venda de cerca de 20 jatos a uma empresa aérea regional chinesa.
As negociações entre a Embraer e o mercado chinês ocorrem há aproximadamente dois anos, com o apoio do governo federal.
Autoridades brasileiras, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros do governo, participaram de agendas diplomáticas na Ásia visando impulsionar as conversas. Apesar da mobilização, o contrato ainda não foi assinado.
A reportagem da Bloomberg publicada na terça-feira, 15, apontava que o governo chinês havia suspendido a compra de aeronaves da Boeing, empresa norte-americana que disputa com a Embraer parte do mercado de jatos regionais.
A publicação gerou reações no mercado financeiro e fez as ações da Embraer registrarem alta expressiva na Bolsa de Valores de São Paulo, diante da perspectiva de possível redirecionamento da demanda chinesa para a fabricante brasileira.
Durante a mesma entrevista coletiva, Lin Jian também comentou declarações recentes do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, que, em visita à Argentina, qualificou os investimentos da China em países emergentes como “vorazes”.
“O funcionário dos EUA fez essas observações na América Latina”, afirmou o porta-voz chinês. “Permitam-me salientar que a China empreende uma cooperação prática com os países da América Latina e do Caribe com base no respeito mútuo, na igualdade e no benefício mútuo, o que impulsionou muito o desenvolvimento socioeconômico nos países e foi bem recebido e elogiado por eles”.
Ao criticar o posicionamento de Washington, Lin fez referência ao histórico da presença norte-americana na região. “A intimidação e a pilhagem de longa data dos EUA deixaram a América Latina com veias abertas, e os EUA não estão em posição de apontar o dedo para a cooperação entre a China e os países”.
A embaixada da China em Buenos Aires também respondeu às declarações do secretário norte-americano. Em nota oficial, classificou os comentários como uma “calúnia maliciosa”.
O episódio se insere em um contexto de disputas entre China e Estados Unidos por influência geopolítica e econômica na América Latina.
Em meio à intensificação das tensões bilaterais, o Brasil tem desempenhado um papel estratégico, especialmente em setores como infraestrutura, energia e aviação civil. A aproximação entre Brasília e Pequim se intensificou nos últimos anos, com acordos comerciais, investimentos diretos e missões diplomáticas mútua.
Em 2023, a China foi o principal parceiro comercial do Brasil, respondendo por cerca de um terço das exportações brasileiras.
O setor aeronáutico é considerado um dos eixos centrais para a expansão da cooperação bilateral, com a Embraer ocupando posição de destaque na estratégia do governo brasileiro de diversificar mercados e ampliar a presença internacional da indústria nacional.
A recusa do governo chinês em confirmar a interrupção de compras da Boeing coincide com uma fase de reavaliação de sua política industrial, diante de pressões externas e sanções comerciais impostas pelos Estados Unidos.
O país asiático tem buscado alternativas comerciais e fortalecido alianças estratégicas com países do Sul Global, em especial na América Latina, África e Sudeste Asiático.
Ao priorizar declarações sobre o Brasil durante a coletiva desta quarta-feira, Pequim sinaliza que a parceria com Brasília no setor aéreo pode ganhar novo impulso. Embora o contrato com a Embraer ainda não tenha sido formalizado, a continuidade das tratativas e os gestos diplomáticos reforçam a expectativa de avanço nas negociações.