Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais do ex-presidente Jair Bolsonaro, ficou preso por seis meses sob a acusação de ir para os Estados Unidos, em dezembro de 2022, antes da manifestação de 8 de janeiro.

“A permanência prolongada do acusado no cárcere, mesmo diante da existência de provas cabais de que nunca saiu do Brasil, reforça a percepção de que a prisão não tinha fundamento jurídico legítimo, mas sim o propósito de forçá-lo a colaborar com a investigação em uma delação premiada” (‘Apócrifa’ e ‘fantasma’: ex-assessor de Bolsonaro rebate minuta do golpe, Poder360, 11/3/2025).

Mas a coisa ficou ainda. Conforme o advogado de Filipe Martins, Ricardo Fernandes, em entrevista ao Poder 360, a defesa verificou nos autos que a Polícia Federal solicitou os dados de geolocalização do Filipe de julho de 2022 até outubro de 2023, autorizado por Alexandre de Moraes em 31 de outubro de 2023, que foram fornecidos à PGR. Isso, para a defesa, deixa claro que a acusação tinha plena ciência de que o acusado, Filipe Martins, não teria participado das supostas reuniões que teriam tratado das supostas “minutas de golpe”. Martins é acusado de participar da elaboração e leitura da minuta aos comandantes das Forças Armadas (PGR agiu de “má-fé” ao incluir erros na denúncia, diz defesa de Filipe Martins, Poder360, 14/4/2025). Ademais, conforme a acusação:

“Apurou-se que, em 18.11.2022, FILIPE GARCIA MARTINS PEREIRA e JAIR BOLSONARO reuniram-se no Palácio da Alvorada justamente para esse fim. O colaborador MAURO CID confirmou a existência da reunião, cuja pauta era precisamente os termos do decreto golpista. De fato, os registros fornecidos pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) indicaram que FILIPE GARCIA MARTINS PEREIRA chegou ao Palácio da Alvorada, às 14h59 do dia 19.11.2022, nos exatos moldes relatados por MAURO CID” (Paulo Gonet Branco, ASSCRIM/PGR N. 212310/2024, 18/2/2025).

Ora, mas os dias não batem! E, retornando à entrevista com Ricardo Fernandes, tal fato não escapou à defesa, que declarou terem todas as denúncias contra o réu por base a delação de Mauro Cid, e “não são corroboradas por nenhum elemento de prova”.

A questão da localização ainda é essencial, pois contrapõe depoimentos dúbios coletados pela acusação. Como o depoimento do ex-comandante do Exército Freire Gomes, que corroborou parcialmente com a versão de Mauro Cid, citando “possível” presença de Filipe Martins durante leitura de “minuta do golpe”, em 7 de dezembro de 2022. Segundo o mesmo relato da defesa, o ex-comandante da FAB (Força Aérea Brasileira), Baptista Júnior, não teria indicado a presença do ex-assessor.

De acordo com a acusação, os comandantes e Filipe Martins teriam chegado ao Palácio naquele dia por volta das 8h30, e há registros de entrada e saída dos três comandantes das Forças, mas e Filipe? Ao justificar a presença do “núcleo jurídico” da suposta organização golpista na reunião, apontado como responsável pela elaboração da minuta, a Polícia Federal afirma que conseguiu identificar que o celular do advogado Amauri Saad aparecia na ERB (Estação Rádio Base) que abrange o Palácio do Alvorada. O advogado de Martins, Ricardo Fernandes, afirma que o mesmo poderia servir para justificar a presença de Filipe, mas não foi utilizado, porque Filipe não estava nos arredores do Palácio na ocasião (PGR agiu de “má-fé” ao incluir erros na denúncia, diz defesa de Filipe Martins, Poder360, 14/4/2025).

A defesa denunciou ainda que, apesar da resistência do ministro Moraes, obteve registros do Uber do acusado, que mostrariam que às 11h30 daquela manhã o ex-assessor entrou em um carro de aplicativo que saía da sua casa em direção à Asa Norte, em Brasília. Ricardo Fernandes defende que Filipe Martins passou aquela manhã em casa e que Moraes e a PGR têm os dados que confirmam a sua afirmação (idem).

Sobre a prisão, Filipe Martins foi preso pela Polícia Federal em fevereiro e solto em agosto de 2024, pois a PF alegou ter encontrado um arquivo – não se tratava de um documento oficial – no computador de Mauro Cid com uma lista de passageiros em voo presidencial para Orlando, nos EUA, em 30 de dezembro de 2022, e indicando suposta fuga. Os indícios de uma organização mafiosa vêm agora à tona, mas não no sentido indicado pela acusação: o registro de entrada de Filipe Martins, naquele dezembro, foi falsificado.

No dia 9 de abril, o governo norte-americano reconheceu uma falsificação em seu registro de entrada concernente a Filipe Martins no dia 30 de dezembro de 2022. O réu é autor de uma ação nos EUA para averiguar como, quando e por quem foi colocado o seu nome no registro oficial de entrada e saída dos EUA, o I-94. Abriu-se prazo para a produção de provas do processo. Segundo Fernandes, há provas e o nome de um agente do CBP (Alfândega e Proteção de Fronteiras, em tradução livre) dos EUA que teria participado da alteração” (EUA reconheceram fraude na entrada de Filipe Martins, diz defesa, Poder360, 14/4/2025).

A defesa acredita haver um mandante, e afirma que, até ao menos 12 de abril de 2024, não havia registro do tipo sobre Filipe, complementando que, “no período de 20 de abril a 1º de maio, uma comitiva da Polícia Federal viajou para Orlando e Nova Iorque, nos EUA, para investigações relacionadas aos cartões de vacina de Bolsonaro”. Ricardo Fernandes ainda declarou: “isso é muito caro. Não vai ficar barato. Todos os políticos americanos, os quais a gente está em contato, estão profundamente interessados no caso de Filipe” (idem).

O advogado ainda destacou que Alexandre de Moraes não reconheceu em momento algum a fraude, apesar de o Departamento de Segurança Interna dos EUA atualizar e informar que o último registro de viagem de Martins ao país foi em 18 de setembro de 2022, para acompanhar Jair Bolsonaro à ONU. No documento digital For: FILIPE GARCIA MARTINS PEREIRA, Most Recent I-94 (U.S. Customs and Border Protection), com a data de 18 de junho, o documento já aparece com a data corrigida, porém, Moraes manteve o réu preso por mais de um mês e meio após o fato, até 9 de agosto de 2024.

À época, a Alfândega de Proteção de Fronteiras de Orlando não possuía registro de entrada de Martins em fins de 2022, e a PF utilizou dados de um portal do DSI dos EUA que, contudo, aponta que as informações ali contidas “não podem ser utilizadas para fins legais”. Foi com base nessas informações duvidosas que Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva de Filipe Martins, mesmo face ao suspeitíssimo requerimento da PF:

“O nome de FILIPE MARTINS também consta na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial no dia 30.12.2022 rumo a Orlando/EUA. Entretanto, não se verificou registros de saída do ex-assessor no controle migratório, o que pode indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais. Considerando que a localização do investigado é neste momento incerta, faz-se necessária a decretação da prisão cautelar como forma de garantir a aplicação da lei penal e evitar que o investigado deliberadamente atue para destruir elementos probatórios capazes de esclarecer as circunstâncias dos fatos investigados” (grifo nosso; Alexandre de Moraes, Petição 12.100 Distrito Federal, 26/1/2024).

A ausência de prova acusatória serviu à PF para requisitar a prisão, e foi utilizada pelo ministro Alexandre de Moraes para conceder, no dia 26 de janeiro, o pedido! A situação, porém, piora e muito. À época, a Aeronáutica já não havia listado o nome do ex-assessor em resposta a pedido de Lei de Acesso à Informação sobre o embarque no voo do dia 30 de dezembro de 2022, requisitado a 3 de janeiro e respondido a 24 de janeiro de 2023, e o documento foi apresentado pela defesa quando do pedido de prisão (Pedido de informações sobre voo para Miami que transportou o ex-presidente da República Jair Bolsonaro, entre outros – Pedido 60141000024202381). Indo além, apesar de alegar que Martins possuía um paradeiro desconhecido, a PF o encontrou rapidamente quando foi concedido o pedido de prisão.

Em depoimento no dia 22 de fevereiro de 2024 – duas semanas depois de Martins ser preso no dia 8 –, o ex-assessor alegou não ter viajado para fora do País no dia 30, mas ter realizado viagem para Curitiba (PR) no dia 31 daquele dezembro, no voo LA3680 pela LATAM. No dia 1º de março, a PGR muda seu entendimento, após as provas apresentadas pela defesa, e emite parecer pela soltura de Filipe Martins. Contudo, a PF sustenta o pedido “com base apenas em uma nota publicada pelo portal Metrópoles (de propriedade do ex-senador por Brasília Luiz Estevão) em 4 de outubro de 2023. Essa lista nunca foi apresentada no processo”. A pedido de Alexandre de Moraes para a LATAM, no dia 14 de março, a companhia respondeu no mesmo dia, confirmando o embarque de Filipe Martins. Também foram pedidas as imagens dos embarques de ambos os voos, mas o aeroporto de Brasília alegou apagar os registros após 30 dias (Moraes pede que Latam confirme se Filipe Martins foi para Curitiba, Poder360, 14/3/2024).

Vale destacar dois fatos importantes. Primeiro, a defesa teve que se debruçar para provar a inocência de Filipe Martins frente à falta de provas por parte da acusação. Em segundo lugar, que apesar de estar provado de maneira evidente, sem qualquer sombra de dúvidas, que Filipe Martins não havia viajado para o exterior, ele permaneceu preso por mais cinco meses!

Posteriormente, o documento oficial de entrada nos EUA de Filipe Martins apresentou sua entrada num voo internacional do dia 30 de dezembro, utilizando seu passaporte diplomático. Entretanto, o nome do ex-assessor vinha errado, como Felipe, a classe de visto vinha diferente da do réu, e aquele passaporte havia sido perdido em fevereiro de 2021 (EUA reconheceram fraude na entrada de Filipe Martins, diz defesa, Poder360, 14/4/2025).

Apesar de solto, o suposto risco de fuga, absolutamente irregular, impôs a Filipe Martins uma série de restrições, como: “uso de tornozeleira eletrônica; apresentação à Justiça do Paraná semanalmente; não se ausentar do Brasil; não usar as redes sociais, sob multa diária de R$ 20.000; e não se comunicar com nenhum dos investigados, inclusive, o ex-presidente” (idem).

Não fosse o bastante a profusão de irregularidades, ou ilegalidades cometidas pela acusação e pelo tribunal, Alexandre de Moraes ainda multou Filipe Martins no dia 7 de abril deste ano em R$ 20.000:

“‘Aplico a multa de R$ 20.000,00 pela referida postagem no perfil @desembargadorsebastiaocoelho, na plataforma Instagram e determino que o denunciado preste esclarecimentos, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sobre as razões do desrespeito, sob pena de imediata conversão das medidas cautelares em prisão.’

“Em 14 de outubro de 2024, Filipe Martins apareceu em um vídeo publicado por um dos seus advogados, o juiz aposentado Sebastião Coelho, em frente ao fórum de Ponta Grossa. Na legenda, o advogado escreve: ‘Rotina de segundas-feiras, imposta pelo ministro Alexandre de Moraes!’” (Moraes multa Filipe Martins em R$ 20.000 por post de advogado, Poder360, 7/4/2025).

No vídeo, Filipe sequer fala, por orientação do advogado.

Já no dia 9 de abril, Alexandre de Moraes recusou pedido da defesa para ter acesso às informações de localização de Filipe Martins, fornecidas à acusação. A defesa também pediu que, caso fosse rejeitado o pedido, que fosse indicado nos autos do processo onde estariam os dados. Isso é fruto do volume de documentos variados e desorganizados, que somam mais de 81 mil páginas, e que não incluem a integralidade dos dados obtidos pela acusação. A decisão de Moraes não menciona o segundo pedido. Para a defesa, os dados serviriam como mais uma prova de que Filipe não esteve nos EUA ao final de 2022, e que igualmente não estava presente no Palácio do Planalto durante as reuniões mencionadas.

Moraes justificou a decisão:

“A Primeira Turma do STF, ao receber a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), já afastou alegações de nulidades processuais quanto ‘à ausência de amplo e irrestrito acesso aos elementos de prova constante nos autos’ e quanto à ‘dificuldade da defesa em analisar a grande quantidade de documentos e mídias’ e, que por isso, ‘não há qualquer pertinência na alegação defensiva de cerceamento de defesa ou tática acusatória de document dump no âmbito’ do processo sobre o golpe” (Moraes nega acesso a dados de geolocalização de Filipe Martins, Gazeta do Povo, 10/4/2025).

Trocando em miúdos, Moraes afirmou que todas as afirmações da defesa sobre irregularidades no processo foram desconsideradas, em favor da acusação, apesar de flagrantes. Conforme o advogado Ricardo Fernandes, os referidos dados de geolocalização não estão disponíveis nos autos, e disparou:

“Houve inversão do método científico. A Polícia Federal partiu da conclusão que eles queriam chegar e começaram a caçar fatos que encaixavam-se na conclusão que eles já tinham chegado, sem confrontar com teses contrárias” (idem).

Ainda sobre Moraes, Fernandes denunciou em entrevista:

“Quando o ministro Alexandre de Moraes negou agora esse nosso pedido, para nós, da defesa, nada mais é do que uma confissão de culpa de que, sim, ele e a PGR detinha esses dados e eles, dolosamente, omitiram, não colocaram no processo, e não permitem a defesa a fazer provas. Qual é o medo de fazer provas?”

“Se essa conduta do ministro não é uma prova inequívoca de que ele está comprometido e a sua imparcialidade está comprometida em relação ao Filipe, e a própria denúncia ter sido apresentada quando o Filipe mostra, não só a suspeição e impedimento de Alexandre Moraes e do PGR, mas a incompatibilidade, se isso não for prova que estão perseguindo ele politicamente, perseguindo o Filipe, não pelo que ele fez, mas pelo que ele é, pelo que ele representa, isso, sim, é ferir de morte o Estado de Direito, o Estado da lei, por aquele que deveria ser o guardião dela” (Moraes age de forma “pessoal” contra Filipe Martins, diz defesa, Poder360, 14/4/2025).

A defesa de Filipe Martins colocou os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino em suspeita, e também o Procurador Geral da República, Paulo Gonet.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 16/04/2025