No último sábado, dia 2 de abril, o portal Brasil 247 publicou uma coluna assinada pelo acadêmico Emerson Barros de Aguiar, de título Como a esquerda pode reagir?. A peça se destina supostamente à “proposição de saídas e de alternativas de combate”, porém, ela alcança esse objetivo de maneira efetiva? Apesar de permanecer num mesmo elemento ao longo de todo o artigo, Barros tem apenas uma proposta, que se desvia do fundamental:

“De fato, num momento em que a direita e a extrema-direita dominam tanto as mídias tradicionais quanto as novas mídias digitais, a esquerda precisa repensar sua atuação em várias frentes, sendo a primeira e, também, a mais urgente, a digital.”

“A primeira providência, nesse sentido, é incrementar a criação de ecossistemas de comunicação alternativa […] é preciso fortalecer modelos de financiamento recorrente, como clubes de apoio e assinaturas simbólicas, que garantam autonomia financeira e sustentabilidade […] estimular parcerias entre veículos alternativos […] ter uma presença multiplataforma”, etc.

Emerson Barros identifica que o problema da esquerda seria de saber utilizar a Internet, e apresenta uma receita de bolo para ter uma presença digital, num estilo coach/influencer. A questão, porém, é que a deficiência da esquerda em termos de comunicação decorre de outro fato: da deficiência política da esquerda, do fato de a esquerda brasileira, em sua maioria, não possuir política própria. Isso fica bem sintetizado na passagem:

“Não basta estar nas redes, é preciso coordenar campanhas, saber reagir a fake news e organizar respostas rápidas.”

Para se coordenar campanhas, é preciso em primeiro lugar que existam campanhas. A esquerda brasileira – à exceção do Partido da Causa Operária – não adotou a campanha da defesa da Palestina, e isso passado mais de 1 ano do início do genocídio. Quanto ao salário mínimo, também não há campanha em torno dele. Sobre a ruptura de relações com o Estado de “Israel”, tampouco.

Fora isso, resta a chamada “reação às fake news”. O problema é que resumir a atuação a responder notícias falsas não mobiliza ninguém. Até porque não há campanha nesse sentido. Para mobilizar suas bases, a esquerda precisa de um programa político. A atual campanha cuja bandeira é erguida por quase toda a esquerda é a chamada “sem anistia”, em apoio ao processo farsa do STF contra Jair Bolsonaro. Também não é algo que mobiliza as bases da esquerda.

Se o plano central é de defesa do governo das chamadas fake news, é preciso que exista algo a se defender. Até o momento, se viu o arrocho salarial e a tentativa de expandir a taxação sobre os trabalhadores. Assim, é impossível mobilizar qualquer base de esquerda, e por si, sem uma mobilização, as redes não darão conta de resgatar o governo. Fica evidente a falta de perspectiva de Emerson Barros no próximo trecho:

“Para que novas iniciativas surjam, é necessário, contudo, que sejam oferecidos cursos e mentorias em jornalismo digital, marketing de conteúdo, audiovisual e análise de dados para as equipes envolvidas nesses projetos. Fundações partidárias, sindicatos, ONGs e grupos privados progressistas poderiam prover esta formação. Isso pode ser feito por meio de parcerias estratégicas, apoio institucional e técnico, além de incentivo à produção de conteúdos que conectem temas relevantes com a linguagem e estética das redes.”

Os partidos e os sindicatos, ao invés de estabelecer campanhas em defesa dos trabalhadores, por aumento salarial, expansão de programas sociais, ampliação de garantias das liberdades democráticas, deveriam “oferecer cursos e mentorias”. Não se trata sequer de que grandes organizações estabeleça máquinas de comunicação próprias, para levar adiante sua política, mas de que ofereçam cursos.

A proposta acaba mesmo sendo contraditória com o que afirma o próprio Emerson no início:

“Uma leitora recentemente me acusou de recitar o óbvio em meu artigo sobre o uso da inflação pela Direita e Extrema-direita como ferramenta de expropriação econômica e de sabotagem política, e disse que o que realmente interessa é a proposição de saídas e de alternativas de combate. Eu acho que ela está certa.”

Ora, se é essa a arma da direita, por que não propor um programa de enfrentamento à inflação? De baixa nos juros do Banco Central, para permitir o investimento produtivo, com o aumento produtivo abaixando os preços; de aumento salarial e do poder de compra contra o aumento nos preços; de subsídios nos combustíveis para derrubar os preços de todo tipo de produtos? Ao invés disso, se propõe uma abstração:

“Em termos de conteúdo, o foco tem de ser em narrativas conectadas com o cotidiano e na produção de conteúdos que abordem temas concretos da vida das pessoas, como emprego, educação, saúde, cultura e segurança, sempre com uma linguagem acessível, emocionalmente envolvente e engajante.”

Generalidades. A proposta é de conteúdos “bons”, não há política alguma, não há proposta real. Treinar “influenciadores”, sem política alguma, não tem como trazer resultado. Não só é quase uma não-proposta, mas o que há de proposta é uma aposta no fracasso.

“A esquerda precisa reaprender a tocar corações com narrativas que falem de esperança, pertencimento e justiça, resgatando símbolos fortes e causas que unem, como o combate à fome, a defesa da educação pública e da saúde para todos.

“Pode-se contar histórias reais de heroísmo popular, de gente comum que resiste, luta e transforma.”

E onde entra a inflação, causadora da fome? A produção nacional, que dá base para os sistemas de educação e saúde? Emerson fala em economia de maneira genérica, parecendo fugir dos problemas reais enfrentados pelo povo. Parece quase uma sátira a forma como o articulista rodeia o problema sem nunca chegar a seu cerne:

“Outro desafio fundamental, possivelmente ainda mais difícil, é o da reconexão com as bases populares.

“As novas pautas da esquerda precisam surgir do cotidiano das pessoas reais. A escuta é fundamental para resgatar o público perdido para a extrema-direita.”

Mas ele inicia o texto afirmando que o problema fundamental em termos de propaganda é a inflação, ou seja, as condições de vida do povo. É preciso escutar algo mais além da ampla insatisfação com os preços nos mercados?

“É fundamental estar presente fisicamente em comunidades, sindicatos, igrejas progressistas, coletivos culturais e movimentos populares, investindo na formação cidadã e crítica, com cursos, rodas de conversa, podcasts e vídeos didáticos. Nesses ambientes é necessário identificar e formar novas lideranças jovens e periféricas, com linguagem contemporânea e que representem a diversidade real.

“O povo tem de estar no centro da transformação.”

As afirmações vazias não encobrem a fuga da realidade cometida pelo colunista. A diversidade nos movimentos populares é uma diversidade de pobres, que vivem em dificuldade. Formar lideranças requer um movimento, uma política, para que sejam formadas tais lideranças. Sem luta alguma, com generalidades, não há liderança a formar, e nem nada a fazer em lugar algum.

O colunista segue com uma quase infinidade de maneiras diferentes para dizer a mesma coisa: reconectar com as bases, voltar aos trabalhadores, aos oprimidos, com as novas gerações, estar onde o povo vive, etc. A desconexão é algo tão reivindicado, que seria relevante considerar a última vez em que o articulista saiu à rua.

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Last Update: 16/04/2025