
O fórum online 4chan, criado em 2003, era conhecido como um dos principais difusores de memes da internet. Nos últimos anos, a plataforma, que saiu do ar após um ataque hacker nesta terça-feira (15), foi tomada pela extrema-direita e se tornou um antro de racismo, misoginia e conteúdo pornográfico. Segundo o jornalista Sal Hagen, da Universidade de Amsterdã, o 4chan costumava ser “um lugar lúdico e progressista”.
“Era um caos anárquico e desorganizado, onde qualquer pessoa podia postar algo”, explica Hagen. “O 4chan difere de outros fóruns porque os usuários não precisam se registrar, e não há quase nenhuma censura. Além disso, o volume de postagens é alto, já que elas são apagadas após um curto período”.
A imagem de um espaço progressista e brincalhão foi se transformando com o surgimento de movimentos extremistas no fórum. O escândalo chamado de “Gamergate”, em 2015, é apontado como o marco inicial dessa mudança, segundo Sal Hagen.
“Naquela época, foi lançada uma campanha de difamação online contra mulheres da indústria de games, depois que elas criticaram estereótipos misóginos nos videogames”, explica ele à Universidade de Amsterdã. “Muitos jovens, que até então não tinham ideologia política definida, se uniram por uma aversão compartilhada às críticas feitas aos ‘seus’ jogos”.
Como surgiu o 4chan

O fórum foi fundado pelo norte-americano Christopher Poole, então com 15 anos. A ideia era criar uma versão em inglês do japonês 2channel, que discutia principalmente mangás e animes.
Rapidamente, se tornou uma plataforma mais ampla, abordando todo tipo de assunto. Foi berço de inúmeros memes da internet, mas rapidamente ganhou notoriedade pela distribuição de conteúdo ilegal e por ser usado para anunciar ataques violentos que depois se concretizaram.
Em 2022, o autor de um massacre em Buffalo, no estado de Nova York, publicou um manifesto racista no 4chan antes de matar dez pessoas. O assassino, um supremacista branco de 19 anos, invadiu um supermercado e atirou nas vítimas, transmitindo o atentado em seu canal na Twitch.
Terreno fértil para a extrema direita
Em sua tese de doutorado Reactionary Rhythm (“Ritmo Reacionário”), Hagen analisa como o 4chan se tornou um espaço para postagens da extrema-direita e o que mantém esse movimento coeso. De acordo com o jornalista, dentro da plataforma há um “subfórum” chamado /pol/, destinado somente à política, que foi “criado inicialmente como uma ‘área de contenção’ para separar postagens extremistas dos demais tópicos, mas hoje é a parte mais ativa do fórum”.
As mensagens no /pol/ são apagadas rapidamente. “É contraintuitivo que esse movimento permaneça visível, já que as postagens somem rápido. Mas o alto volume faz com que o conteúdo seja muito repetitivo”, diz ele.
“Grande parte das postagens são memes e frases de efeito. Isso gerou uma cultura de memes muito forte. Através de diferentes estudos, argumento que esse tipo de discurso serve de terreno fértil para movimentos reacionários de extrema direita, pois essas ideologias costumam trabalhar com visões de mundo simplificadas e com estereótipos”.
Isso pode ajudar a explicar o domínio do bolsonarismo sobre a esquerda nas redes sociais e na internet em geral.
Há alguns anos, o fórum ganhou projeção por hospedar vazamentos de imagens íntimas de celebridade e por ter diversos apoiadores do presidente americano Donald Trump, como membros do QAnon, movimento que espalha fake news sobre pedofilia.
A “denúncia” da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra dos Direitos Humanos, envolvendo crianças da Ilha de Marajó (PA), por exemplo, foi inspirada em histórias fictícias que são compartilhadas no 4chan ao menos desde 2010.
Com o ataque hacker, alguns trechos do código fonte do fórum têm circulado nas redes, além de dados pessoais de moderadores e outros membros.