Complexidade da Inflação de Alimentos

por Fernando Nogueira da Costa

A inflação de alimentos é um fenômeno complexo, resultante de múltiplas interações entre variáveis econômicas, ambientais, geopolíticas e institucionais. É resultado emergente de um sistema dinâmico no qual choques específicos e fatores estruturais operam com diferentes intensidades em distintos contextos.

Para explicar o novo método de análise econômica, baseado em Ciência da Complexidade, uma análise integradora com ponderações relativas à importância típica de cada fator é didática. Tais pesos variam ao longo do tempo e do espaço – e devem ser vistos apenas como estimativas ilustrativas.

A quebra de safras e os acidentes climáticos têm muito alta relevância com peso imputado de 30 a 40% em episódios de choque de oferta. O mecanismo inflacionário ocorre por causa da redução da oferta física de alimentos, devido a secas, enchentes, geadas ou eventos extremos (El Niño, La Niña).

Tem impacto direto nos preços dos produtos agrícolas. Por exemplo, seca no Brasil e Argentina em 2021-2022 afetou a produção de soja e milho, pressionando preços globalmente. Enchentes no Rio Grande do Sul e seca no Centro-Oeste e Nordeste, em outros anos, demonstraram já efeitos do aquecimento global.

A gripe aviária e outras doenças zoonóticas têm de moderada a alta relevância, por ser setorial, com peso estimado de 5 a 10%, mas pode chegar a 20% no segmento de proteínas animais. O mecanismo se movimenta via mortalidade em massa ou abate sanitário de aves/suínos, levando à escassez de oferta e aumento de preços de carnes e ovos. Por exemplo, epidemias recorrentes de gripe aviária na Ásia, Europa e Estados Unidos impactam cadeias globais de proteína.

A taxa de câmbio  tem alta relevância em economias importadoras/exportadoras, como a brasileira, com peso estimado de 10 a 20%, variando com a intensidade da desvalorização. O mecanismo se dá pela valorização do dólar encarecer importações de fertilizantes, defensivos agrícolas, combustíveis e alimentos. Também estimula exportações, reduzindo a oferta doméstica. No Brasil, a depreciação cambial eleva preços internos de grãos mesmo com boa safra.

Em consequência, a taxa de juros tem relevância indireta e moderada com peso estimado de 5 a 10% e efeitos defasados. O mecanismo (equivocado no combate à quebra de oferta) é políticas monetárias recessivas buscarem conter a demanda agregada, mas seus efeitos sobre alimentos são limitados, dada a inelasticidade da demanda alimentar: ninguém pode deixar de comer! A interação sistêmica se dá porque a taxa de juros também influencia o câmbio e as expectativas inflacionárias.

Os preços dos combustíveis têm alta relevância via custos de produção e logística com peso estimado de 10 a 15%. O mecanismo de transmissão se inicia com o aumento dos custos de transporte afetando o custo de insumos como fertilizantes, a mecanização, além das entregas. O diesel é crucial para o escoamento da produção agropecuária. Por isso, choques nos preços do petróleo se transmitem rapidamente aos preços dos alimentos.

As cotações internacionais de commodities têm alta relevância em mercados globalizados com peso estimado de 15 a 25%, especialmente para grãos e oleaginosas. O mecanismo atua por meio de os preços globais impactarem os preços domésticos, via arbitragem internacional, inclusive com políticas de paridade de exportação. Por exemplo, a alta no preço do trigo por conflitos ou estoques baixos pressiona mercados domésticos.

A logística, a infraestrutura e os gargalos institucionais têm relevância estrutural, crônica, com peso estimado de 5 a 10%. O mecanismo se movimenta por causa das ineficiências na cadeia de abastecimento, perdas no transporte, armazenagem precária. Interferem no custo final ao consumidor, sobretudo em países em desenvolvimento.

As expectativas e o comportamento especulativo têm baixa a moderada relevância com peso estimado de 5 a 10%, mas em certas circunstâncias amplificam a inflação de alimentos. O mecanismo se dá especulação financeira em mercados futuros, comportamento de estocagem por agentes econômicos, expectativas autorrealizáveis.

Por fim, se O Mercado não funciona, são necessárias políticas públicas e regulação com importância variável conforme o contexto político e peso estimado de 5 a 15%. O mecanismo é através de subsídios, estoques reguladores, controle de exportações, programas de compra pública, regulação de preços como tabelamentos. Na realidade, podem amortecer ou amplificar choques.

Em uma visão holista de integração sistêmica, esses fatores interagem de forma não linear. Por exemplo, um choque climático reduz a oferta, enquanto uma desvalorização cambial simultânea amplia incentivos à exportação, agravando o desequilíbrio.

A alta dos combustíveis eleva custos logísticos e produtivos, retroalimentando a inflação. Exige resposta monetária e esta, por sua vez, afeta o câmbio e a atividade econômica.

Este método de análise econômica apresenta um modelo dinâmico simplificado em forma de sistema causal de retroalimentações (feedback loops), representando as principais interações influentes da inflação de alimentos. A estrutura reflete um sistema complexo adaptativo, com múltiplas variáveis interligadas por relações causais positivas e negativas, em distintos ciclos dinâmicos. Não à toa uso o pleonasmo retroalimentação ou realimentação (também denominada por feedback) para análise da inflação de alimentos

Em uma estrutura sistêmica de interações, o ciclo de oferta agrícola pode ser negativo ou estabilizador. O clima extremo ou acidentes climáticos provoca queda da produção agrícola, aumenta o preço dos alimentos e isso, eventualmente, dá incentivo à produção futura. Poderá arrefecer a pressão inflacionária em um ciclo amortecedor, mas com ritmo lento de correção, dependente de safras futuras.

O ciclo cambial-comercial positivo é amplificador: a desvalorização cambial aumenta os preços de importações de insumos e alimentos. Dá incentivo à exportação de alimentos com possível queda da oferta interna provocando inflação de alimentos. Daí há pressão sobre juros e torna possível nova valorização cambial da moeda nacional com retroalimentação parcial.

O ciclo monetário-expectacional é ambíguo por ser amortecedor com defasagem. A inflação de alimentos fomenta as expectativas inflacionárias. Estas provocam uma política monetária recessiva com aumento de juros em busca do controle da demanda agregada. Visa uma pressão baixista sobre preços, mas alimentos são inelásticos e tem menor eficácia sobre alimentos em vez do causado sobre bens industriais ou duráveis.

O ciclo dos combustíveis e logística é positivo ou amplificador. Aumento do preço dos combustíveis eleva o custo de produção e transporte. Este maior custo logístico é repassado para o preço final dos alimentos. A inflação de alimentos provoca reação política e monetária.

O ciclo das commodities e financeirização também é positivo e global. O maior preço internacional de commodities dá incentivo à exportação. Se esta aumenta, cai a oferta doméstica e pressiona o preço interno. Aumenta o interesse especulativo em contratos futuros. Esta especulação cambial provoca volatilidade e picos inflacionários.

 Finalmente, o ciclo de regulação e intervenção estatal é negativo e potencialmente estabilizador. A inflação de alimentos provoca pressão política. Esta estimula intervenções governamental com estoques públicos, subsídios, tabelamentos etc. Elas provocam queda do preço ou amortecimento temporário, mas podem gerar distorções e ineficiências futuras como efeitos colaterais. E a vida continua

Em resumo, com clima extremo, cai produção, sobe preço, eleva inflação de alimentos. A desvalorização cambial aumenta exportações e insumos importados com queda da oferta doméstica e aumento de preço. Maior preço do petróleo aumenta custo de transporte e dos insumos, repassando ao preço e à inflação. A inflação de alimentos provoca expectativas altistas dos juros e queda da demanda agregada sem certeza sobre o efeito no preço futuro. A alta de commodities eleva a exportação e a especulação cambial afeta o preço interno. Por fim, os devotos a O Mercado clamam, nessa circunstância, por política estatal com subsídios e estoques reguladores para diminuir o preço. Provoca distorções futuras…


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]

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Last Update: 14/04/2025