Dois guarda-chuvas
por Heraldo Campos
Quando rolou o recente aguaceiro no Litoral Norte do Estado de São Paulo, no final da primeira semana de abril de 2025, em Ubatuba, voltou à baila, pelos poucos dias de chuvas contínuas e intensas, os prejuízos humanos e materiais que causam uma grande quantidade de água, principalmente sobre os bairros ocupados pela população de baixa renda e menos favorecida pelo aparato urbano do município, na antiga e conhecida Ubachuva [1]. Segundo informações locais, o Bairro do Taquaral foi o mais atingido, onde sua drenagem vai formar o Rio Indaiá que, na sua desembocadura, separa as praias do Perequê Açu e da Barra Seca.
Porém, nos dois dias mais críticos, 05 e 06 de abril, choveu bastante no município pelas noites e madrugadas adentro, sem luz do sol, mas quando ela foi aparecendo, até o anoitecer, nos dias que saí para a rua na incumbência diária de comprar a mistura para o almoço, nem cheguei abrir o guarda-chuva. E aí é que morre o perigo: o esquecimento do guarda-chuva, sem utilidade momentânea, em algum dos seis lugares visitados para as compras.
Para não levar aquela bronca por causa do esquecimento do dito cujo, no dia seguinte logo cedo, com sol e céu limpo, começou o “calvário” na busca do desaparecido. No primeiro lugar revisitado, dos seis previstos, perguntou-se no “setor de achados e perdidos” se por acaso não haveria um guarda-chuva entre os desgarrados objetos esquecidos. Para surpresa, lá estava ele num cantinho da parede do estabelecimento e que foi prontamente entregue ao dono que saiu todo feliz naquele dia ensolarado e de céu azul.
Na sequência, andando pelo centro da cidade, para repetir a compra diária da mistura para o almoço, percebeu-se que o recém recuperado objeto de proteção contra as intempéries, estava um pouco envelhecido e enferrujado. Nesse momento, como surgiu uma dúvida, na rota do que seria a próxima parada para a procura do desaparecido repetiu-se a operação no “setor de achados e perdidos” e, para surpresa, apareceu um segundo guarda-chuva, idêntico, entretanto com um melhor estado de conservação.
Confuso e sem saber direito o que fazer diante do mistério da “multiplicação dos peixes”, com o aparecimento dos dois objetos de proteção das águas de chuva e do sol a pico, lembremos que São Pedro não é um invasor na vida da população e responsável pelos aguaceiros torrenciais que caem nos morros e nas baixadas, causando vítimas e perdas materiais, muitas vezes irreparáveis. Por isso, sabemos que o poder público deve estar sempre atento para a implementação de medidas estruturais (obras) e não estruturais (ações que não envolvem obras), baseadas em conhecimento técnico em áreas específicas, visando solucionar e/ou mitigar as situações de risco geológico e hidrológico na proteção da vida das pessoas.
Por outro lado, para fechar, não nos esqueçamos que os invasores [2] identificados na depredação dos prédios dos três Poderes da República, numa tentativa de golpe de estado no dia 08 de janeiro de 2023, devem ser devidamente responsabilizados (junto com seus mandantes) e não merecem a anistia porque estavam preparando o caminho para a instalação de mais uma ditadura, repetindo a última, como a de 1964. “Em si mesma, a loucura é já uma rebelião. O juízo é a ordem, é a constituição, a justiça e as leis” – Machado de Assis.
Fontes
[1] “Tomara que desça água” artigo de 05/04/2025.https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2025/04/tomara-que-desca-agua.html?view=magazine
[2] “Invasores” artigo de 23/01/2023.https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2023/01/invasores.html
Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).
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