“A impunidade leva à violência em qualquer segmento da sociedade, inclusive no futebol”. Essa frase poderia ter saído da boca de um Datena, de um apresentador qualquer dos programas policiais da TV aberta brasileira. Poderia ter vindo de qualquer figura da direita nacional — até mesmo do bolsonarismo. Mas é com ela que o comentarista esportivo Walter Casagrande Jr. abre seu artigo, intitulado É preciso punição severa para salvar vidas em estádios de futebol, publicado na última sexta-feira (11), no portal UOL.
Casagrande comenta a morte de dois jovens torcedores chilenos nos arredores do Estádio Monumental de Santiago, antes da partida entre Colo-Colo e Fortaleza pela Copa Libertadores da América, em 10 de abril.
As vítimas foram uma jovem de 18 anos, atropelada por uma viatura policial, e um adolescente de 13, morto ao ser esmagado por uma cerca que caiu durante a repressão aos torcedores que tentavam entrar no estádio.
Para Casagrande, o culpado pela tragédia não foi a ação policial, mas os próprios torcedores. “Duas mortes durante uma partida de futebol por causa da reação agressiva de uma torcida, sem que estivesse acontecendo nada que pudesse gerar tanta violência”, explica. O episódio, segundo ele, seria resultado da “ação de vândalos, arruaceiros e violentos, que não se importam com nada a não ser semear o caos”. O comentarista ainda afirma:
“Aqui na América do Sul, tudo pode acontecer durante uma partida de futebol em qualquer país. Vamos desde racismo, com imitações de macaco, ofensas raciais, homofobia, xenofobia e machismo, passando por torcidas que soltam bombas e sinalizadores, até agressões e invasões propriamente ditas.”
No texto de Casagrande, os torcedores são tratados como a origem de todos os males. Não seria mais lógico, então, defender a proibição total das torcidas nos estádios?
Casagrande não leva seu raciocínio até aí. Em vez disso, defende o caminho mais tradicional: a punição. “A Conmebol nada faz para resolver esses problemas, nada faz para punir os clubes e os torcedores”, escreve, e exige que a repressão seja ainda maior:
“Não venham com portões fechados, perda de mando de jogo ou qualquer punição branda desse tipo, como são acostumados a fazer. A impunidade da instituição facilita a violência, porque esses vândalos se sentem seguros pela falta de punição.”
“Vândalos”, “arruaceiros”, “violentos” — os termos usados por Casagrande para se referir aos torcedores são os mesmos usados pela direita e pela extrema direita para falar de grevistas, manifestantes, ocupações de terra e de moradia. A posição de Casagrande é a de quem defende uma política reacionária, típica da direita.
Seguindo Washington Luís, último presidente da República Velha, que disse que “a questão social é um caso de polícia”, Casagrande também acredita que tudo se resolve com repressão. Punição para o clube, punição para os torcedores. Mas não qualquer punição, não aquelas vistas como “brandas”, como perda de mando ou portões fechados. Ele quer algo mais pesado. Mas não explica exatamente o quê. Prisão? Processo criminal? Banimento das torcidas?
Em nenhum momento Casagrande menciona a ação da polícia chilena. E, no entanto, foi justamente a repressão policial que provocou a morte dos dois torcedores antes mesmo do início do jogo. Quem conhece os carabineros — a polícia repressiva do Estado chileno — sabe que seu trabalho é reprimir o povo, especialmente a classe trabalhadora, os camponeses e os índios. Casagrande omite tudo isso, livra a cara da polícia e joga a culpa toda nos torcedores.
Apesar de gostar de se apresentar como uma figura de esquerda, um “democrata”, e de lembrar sempre sua participação na “Democracia Corinthiana” e nas Diretas Já, Casagrande hoje se revela o contrário disso. Sua política atual é a do identitarismo dentro do esporte, política que reduz os problemas sociais a casos individuais, morais ou criminais, e que termina servindo à repressão. Ao defender punição como única resposta, Casagrande se aproxima — por outro caminho — da política da extrema direita. No fim das contas, é o que se costuma ver: o identitarismo criando uma espécie de bolsonarismo de segunda divisão.