Há muito, a esquerda brasileira, em diferentes graus de pretensão sabichona, propaga retoricamente conceitos e ideias sobre o significado do imperialismo. Permitam-me emprestar a expressão usada por Rui Costa Pimenta – PCO – sobre o grau de discernimento da esquerda brasileira como um todo, ao designá-la de “esquerda de jardim de infância”, quando insiste em estabelecer analogias bastante vazias de conteúdo ao tratar do tema do imperialismo e outros tantos. Devido a uma série de lacunas de leitura, ou até mesmo da ausência total destas, a esquerda procura, com até muito esforço intelectual, transformar a abordagem “marxista” do imperialismo em algo que nunca existiu na concepção marxista — principalmente em Lênin, que desenvolveu essa teoria em pleno desenrolar da Primeira Guerra Mundial.

O imperialismo não pode ser pensado, atualmente, como se restringisse à abordagem histórica clássica da ocupação expansionista de territórios, a partir dos exemplos generalizados denominados “Império Romano”, “Império Asteca ou Inca”, “Império Russo” etc. Também não se trata simplesmente da fusão do capital industrial com o capital bancário desde o final do século XIX, já apontada, inclusive, por economistas de vertente não marxista, como Hilferding e Hobson. Karl Marx nunca escreveu uma teoria que usasse a expressão “imperialismo”, mas certamente influenciou diversos teóricos marxistas (e outros) a se debruçarem sobre o problema do desenvolvimento do capitalismo em sua forma embrionariamente monopolista, que, no final do século XIX, já demonstrava uma crescente capacidade de concentração de capital nas mãos de grandes conglomerados econômicos e bancários — mesmo que ainda de maneira incipiente.

Marx fez vários estudos e escreveu sobre capital fictício e portador de juros, economia mundial e outros tantos temas. Alguns desses trabalhos passaram a ser conhecidos a partir dos livros II e III de O Capital, editados por Engels anos mais tarde, após o falecimento de Marx. Outros grandes manuscritos foram descobertos a partir da década de 1930, e muitos ainda hoje estão sendo disponibilizados à sociedade por pesquisadores e militantes, a partir dos Grundrisse, escritos por Marx. A geração de marxistas que surgiu entre o final do século XIX e o início do século XX — como Rosa Luxemburgo, Leon Trótski, Bukharin e Lênin — conseguiu desenvolver abordagens teóricas como guias práticos na luta de classes nacional e internacional. Quando Lênin escreveu e publicou, em 1916, o panfleto (livro) O imperialismo, fase superior do capitalismo, procurou explicar que, na fase atual do capitalismo monopolista de Estado, a força econômica precisaria ser assegurada pela imposição militar, numa etapa ainda mais concentradora de riquezas garantida pelos monopólios multinacionais dos grandes conglomerados econômicos e bancários, tendo o Estado como alicerce da acumulação, reprodução e ampliação do capital em nível global.

Entre a Primeira e até o final da Segunda Guerra Mundial, várias nações pertencentes às hierarquias superiores da ordem mundial entraram em conflito para garantir uma maior fatia da superexploração do trabalho e da expropriação dos países periféricos, além do controle desse grande “condomínio fechado” das potências econômicas e militares globais. Após 1945, com a demonstração inequívoca de força por meio do lançamento de duas bombas atômicas sobre o Japão e com o poderio econômico avassalador dos EUA, o imperialismo passou a ser administrado por essa potência da América do Norte e do mundo.

A construção de um enorme aparato financeiro com instituições multilaterais como o FMI (Fundo Monetário Internacional), BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), todos ligados à ONU (Organização das Nações Unidas), e ainda em torno do BIS (Banco de Compensações Internacionais) de Basileia — também conhecido como o banco central dos bancos centrais —, que controla o sistema financeiro internacional, confirma a força imponente do imperialismo capitaneado pelos EUA. Somente esse aspecto já seria suficiente para explicar o poder econômico e financeiro mundial concentrado nas mãos desse “condomínio fechado” denominado imperialismo.

O controle do sistema financeiro mundial por esses países reflete o poderio econômico ou material — real e concreto — desse seleto grupo de países do G7, que certamente não contempla nenhum outro país considerado inimigo histórico, como a Rússia e a China. Apesar de a China ser, atualmente, a segunda maior economia do mundo, esse enorme país asiático não detém o controle dos processos de dominação do capitalismo monopolista mundial, e muito menos a Rússia, que está bem abaixo economicamente. Ser rico não garante a aceitação no clube da classe dominante mundial. Uma potência imperialista não pode ser definida pelo tamanho do seu território, pela capacidade militar ou mesmo econômica, se não estiver inserida num grupo controlador e dominador dos mercados mundiais de forma coercitiva. Para facilitar e contribuir com muitos ditos marxistas que relutam em penetrar na teoria marxista com disposição militante, podemos estabelecer algumas conexões importantes entre a base material ou econômica, o poder ideológico (parte fundamental da superestrutura) e a força diplomático-militar.

O imperialismo precisa controlar essas três grandes dimensões macroestruturantes para perpetuar o processo de acumulação, reprodução e ampliação do capital monopolista de Estado em grande escala mundial. Para colocar em prática esse poder de dominação, é necessário continuar reproduzindo e ampliando a superexploração do trabalho e a expropriação da esmagadora maioria dos povos e nações ao redor do mundo. Os Estados Unidos tornaram-se o guardião da manutenção do imperialismo, pela força econômica e pelo poderio militar, com cerca de 800 bases militares espalhadas pelo planeta e ainda mantendo parcerias estratégicas via OTAN, além de satélites do imperialismo como “Israel” no Oriente Médio, por exemplo. Ao mesmo tempo, cada país imperialista mantém bases ou influência militar em diversas partes do mundo, especialmente na África e na Ásia.

Observando o cenário mundial de longa data, entendemos que nenhum dos dois países apontados como imperialistas — China e Rússia — possui bases militares permanentes em outros países. Nem mesmo a Rússia, que detém a maior quantidade de ogivas nucleares do mundo e possui algumas das tecnologias militares mais avançadas do planeta — inclusive já reconhecidas por muitos generais do próprio Pentágono. Um imperialismo que não controla o sistema financeiro mundial — sendo esta, para a teoria marxista, justamente a base material — não pode ser considerado como tal. Isso vale tanto para a Rússia quanto para a China, que, apesar de um gigante econômico, não controla o mercado financeiro internacional. No que se refere à força militar, a Rússia também detém um poder gigantesco, mas, ao contrário dos EUA, não penetra estrategicamente no interior de países periféricos ou mesmo desenvolvidos, como a Itália, onde os EUA mantêm bases militares estratégicas. Ser um país imperialista sem o controle do sistema financeiro e da economia mundial como um todo, e sem ter bases militares estratégicas espalhadas pelo mundo, não caracteriza um país imperialista. Para completar o eixo dos três principais pilares da dominação estratégica imperialista, devemos convergir para o papel do controle da cultura e da ideologia dominante.

Marx e Engels, na obra A ideologia alemã, escrita em 1844, antes mesmo do Manifesto Comunista de 1848, apontavam com assertividade que os valores dominantes são produzidos e reproduzidos pela classe dominante, sendo amplamente absorvidos pela população mundial. Os meios de comunicação de massa da burguesia mundial, a indústria musical e cinematográfica, as redes sociais, as plataformas digitais e outras formas de pensamento, ideias, valores e princípios estão sob o controle de grandes bancos, indústrias, plataformas de serviços de telefonia, internet, logística, o grande comércio mundial, o petróleo, a energia, a indústria química, biotecnológica, farmacêutica, de computadores, a indústria bélica e tantas outras. Todas estão associadas a agências de publicidade, propaganda, marketing, jornais, revistas científicas e outros canais de informação — todos nas mãos dos potentados detentores do capital, como dizia Marx.

Agora, como uma revisão teórica provocativa — um exercício de aprendizagem e fixação de conteúdo para a esquerda: a China e a Rússia têm algum controle sobre esses grandes monopólios mundiais do aparato ideológico-cultural, militar expansionista e econômico, no sentido de sua centralidade produtiva, logística e financeira? Se têm, onde estão? Adianto que não irão encontrar. Espero que este texto tenha contribuído para que a esquerda compreenda melhor o significado amplo do imperialismo.

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Last Update: 14/04/2025