O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu pelo acolhimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas por tentativa de golpe de Estado. 

No voto, proferido na sessão desta quarta-feira 26 da Primeira Turma do STF, o ministro destacou a profusão de detalhes na peça acusatória da PGR, rebateu os argumentos das defesas e sinalizou que o caminho para os eventuais réus – caso a denúncia seja aceita pelos demais ministros Turma – não deverá ser fácil.

Moraes começou o voto dizendo que a PGR “descreveu satisfatoriamente os fatos ilícitos em todas as suas circunstâncias, dando aos acusados o amplo conhecimento dos motivos e das razões pelas quais foram denunciados”. 

O magistrado frisou que as sessões desta semana servem apenas para que o colegiado avalie se a denúncia apresentou fatos criminosos e circunstâncias, não servindo, ainda, para que se analise se os crimes, de fato, foram cometidos ou não pelos acusados. Essa outra etapa ficará por conta do processo penal, em si.

“A cognição neste momento é mais estrita, não uma mais exauriente, para já se atestar a culpabilidade, até porque não houve ainda o contraditório, a possibilidade de contestação de prova a prova”, salientou Moraes.

Eventos diretamente ligados à trama golpista, como os ataques feitos do 8 de Janeiro, também foram lembrados por Moraes.

“Existe na ciência o que se chama do viés de positividade. Até por uma autoproteção, nossos cérebros têm o viés de lembrar notícias boas e esquecer as notícias ruins”, contextualizou Moraes. “O dia 8 de janeiro de 2023 foi uma notícia péssima para a democracia, para as instituições, para todos os brasileiros e brasileiras.”

“Não houve um domingo no parque, não foi um passeio. Absolutamente ninguém lá estava passeando, porque tudo estava bloqueado e houve necessidade de romper as barreiras policiais”, completou o ministro.

Os argumentos de Alexandre de Moraes

No que se refere à denúncia, Moraes afirmou que “não há dúvida que Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta do golpe”. “As interpretações sobre o fato vão ocorrer durante a instrução processual penal. Se ele analisou e não quis, se analisou e quis, isso será no juízo de culpabilidade. Mas não há dúvida de que ele tinha conhecimento da minuta do golpe que foi apreendida“, sustentou o ministro.

Para Moraes, “há indícios razoáveis de recebimento da denúncia que aponta Bolsonaro como líder da organização criminosa”. Para o magistrado, é preciso não se esquecer que a lei penal veda uma prática que era de conhecimento do ex-presidente: “acampar na frente de quartéis para pedir decretação de golpe de Estado, para pedir a volta do AI-5, da tortura, a quebra da normalidade democrática”. Para Moraes, o próprio Bolsonaro pediu que os manifestantes golpistas se mantivessem em frente às unidades do Exército.

Ao tratar da denúncia contra Bolsonaro, em específico, Moraes também reconheceu que, ainda em 2021, o ex-presidente deu início à organização de um “estratégia para difundir notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro”, o que, aliás, levou à inelegibilidade do ex-capitão.

Moraes ainda respaldou o trecho da denúncia que aponta que Bolsonaro teria passado a “missão” a Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, de “comprovar que a eleição [de 2022] era fraudulenta”.

O ex-presidente Jair Bolsonaro em julgamento no STF em 25 de março de 2025. Foto: STF/AFP

Outros denunciados 

Em relação a Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Moraes indicou que ele teria utilizado o cargo para atacar instituições democráticas.

Ele ainda lembrou o histórico de Torres à frente do ministério do governo Bolsonaro, dizendo que “nada que um ministro da Justiça faz ou fala publicamente é irrelevante, para o bem ou para o mal”. “A utilização do cargo para atacar instituições […] nunca é irrelevante”, disse Moraes, afirmando que as ações foram desenvolvidas para “desacreditar o sistema eleitoral brasileiro”.

O ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, e o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, também não ficaram imunes à argumentação de Moraes. Segundo o magistrado, da denúncia narrou a “conduta ilícita” de Garnier, lembrando a reunião feita por Bolsonaro não apenas com ele, mas como o ex-ministro da Defesa Paulo Nogueira e o ex-comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, sobre a minuta golpista.

“Não é normal que o presidente que acabou de perder uma eleição se reúna com o comandante do exército, o comandante da marinha e o ministro da defesa para tratar de uma minuta de golpe”, disse Moraes.

No caso de Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, Moraes disse não haver dúvidas de que “há indícios fortes de autoria da participação […] nessa organização criminosa que planejou e executou a tentativa de abolição do Estado Democratico de Direito”.

A Abin, segundo Moraes, “não pode interferir em nada, muito menos no Poder Judiciário, muito menos na Justiça Eleitoral”. O órgão, de acordo com o ministro, foi utilizada “para a produção falsa de dados sobre as urnas eletrônicas”.

Ao tratar da denúncia contra Walter Braga Netto, ex-ministro do governo Bolsonaro e candidato a vice na chapa do ex-capitão em 2022, Moraes leu uma mensagem do militar em que ele supostamente mandava atacar a família de Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica. Segundo o ministro, “até a máfia” tem um código de conduta que poupa familiares.

“Até a máfia tem um código de conduta, de que os familiares são civis, que não entram na guerra; mas parece que aqui, lamentavelmente, nem isso foi seguido”, disse o ministro. Ele também aceitou a denúncia contra Braga Netto, dado o fato de que a PGR apresentou uma peça que mostra “de forma exata, concisa e detalhada os indícios” e participação do militar “na organização criminosa”.

No caso de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a denúncia deve ser aceita pelo fato de que ele “já fez colaboração [premiada] e confessou os fatos praticados”. 

Ao tratar a denúncia contra Paulo Nogueira, Moraes sustentou que “a Procuradoria demonstra que o acusado foi presencialmente ao Palácio do Planalto naquela reunião do dia 7/12/2022, quando foi apresentada pela primeira vez a minuta do decreto golpista”, e que a intenção de Nogueira será discutida na ação penal. Moraes lembrou, porém, “um general quatro estrelas, ministro da Defesa, poderia se recusar a cumprir uma ordem manifestamente ilegal do Presidente da República”.

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Last Update: 26/03/2025