Passaram-se 838 dias entre o momento em que Jair Bolsonaro (PL) rompeu o silêncio após a derrota para Lula (PT) — com um incentivo a manifestações golpistas — e a sessão em que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal tornou o ex-presidente réu pela trama de 2022, nesta quarta-feira 26.

De lá para cá, Bolsonaro acumula derrotas no plano jurídico, assiste à queda em desgraça de aliados e vê em xeque sua liderança na extrema-direita, uma vez que se tornou inelegível em 2023 e tem a prisão como potencial destino.

A narrativa golpista

No início de dezembro de 2022, o bolsonarismo era pura conspiração e buscava, dia e noite, sinais de que uma ruptura aconteceria. No dia 9 daquele mês, o ex-capitão decidiu se aproximar de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, após se manter recluso desde o segundo turno. Achou por bem endossar o golpismo e mandar recados aos militares: “Nada está perdido. O final, somente com a morte. Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês”.

Semanas antes, em 18 de novembro, foi o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa, quem inflamou a multidão bolsonarista. Diante do Alvorada, disse: “Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”. Uma apoiadora mencionou que o grupo estava “no sufoco”, sob chuva. Braga Netto respondeu: “Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”.

Também naquele mês, veio a público o áudio em que o ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes menciona “um movimento muito forte nas casernas”. Era questão de dias, segundo ele, para ocorrer “um desenlace bastante forte na Nação”. Nardes não é alvo do inquérito do golpe e, graças ao ministro do STF André Mendonça, não sofrerá qualquer investigação.

Esses episódios, somados aos bloqueios de estradas, aos acampamentos diante de quartéis e à atuação de milícias digitais, ilustram o clima à época. A explosão veio em 8 de janeiro de 2023, com os ataques às sedes dos Três Poderes — símbolo da tentativa de derrubar o governo recém-empossado de Lula.

Posteriormente, Polícia Federal revisitou o que acontecia nos bastidores da conspiração. As frases “motivacionais” de Bolsonaro e Braga Netto à horda radicalizada não eram aleatórias, mas parte de um contexto em que o ex-presidente e aliados civis e militares se recusavam a aceitar a saída do poder.

Ainda no exercício do mandato, Bolsonaro já intuía seu destino em caso de derrota. Em 7 de setembro de 2021, lançou uma de suas declarações mais incendiárias: “[Só saio] preso, morto ou com vitória. Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória é de todos nós”.

O fracasso da conspiração viria acompanhado de uma sucessão de derrotas. Após os atos golpistas de janeiro, Bolsonaro passou a ser investigado como possível autor intelectual do terrorismo. Meses depois, viu ruírem as pretensões de se salvar pela política ao ser declarado inelegível por oito anos, condenado em dois processos no Tribunal Superior Eleitoral.

Menos de quatro meses após essa segunda condenação, veio a Operação Tempus Veritatis, da PF, que investiga a trama golpista para manter Bolsonaro no poder. Em 8 de fevereiro de 2024, o ex-presidente teve o passaporte apreendido por ordem do ministro Alexandre de Moraes e percebeu que a conspiração cobraria um preço alto.

A investigação se fortaleceu com provas colhidas em inquéritos anteriores: o das fake news, o das milícias digitais e o dos atos antidemocráticos. Tudo apontava para uma mesma engrenagem — e o cerco se fechava.

Tentativas de recuperar o passaporte foram negadas com veemência. Moraes passou a contar com respaldo da Primeira Turma e, quando necessário, do plenário. O STF, antes conhecido pela atuação de 11 “ilhas”, começou a falar com mais coesão diante das ameaças golpistas.

Com a proximidade do indiciamento e da denúncia pela Procuradoria-Geral da República, Bolsonaro passou a pedir anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Menos por preocupação com os “baderneiros” — termo que ele próprio usou — e mais por enxergar no perdão uma forma de recuperar fôlego político e ampliar sua margem de negociação com o STF.

Na prática, o ex-capitão tenta esticar a corda até 2026, mantendo-se como o líder máximo da ultradireita. Abrir mão da liderança e transferi-la a outro nome do campo seria admitir que está fora do jogo — o que, em sua frágil condição jurídica, o rebaixaria à condição de político do baixo clero.

Os crimes de Bolsonaro

A declaração profética de 9 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro falou pela primeira vez após a derrota para Lulaganhou novos contornos à luz das investigações. Dois dias antes, o então presidente havia ajustado a chamada “minuta do golpe” e convocado os comandantes das Forças Armadas para uma reunião no Alvorada. Segundo a PF, o objetivo era pressionar os militares a aderirem ao plano golpista. O Exército e a Aeronáutica resistiram. A Marinha, segundo a apuração, teria sinalizado apoio.

Era o auge da organização criminosa que planejava o ‘Punhal Verde e Amarelo’ — um sombrio plano que incluía, segundo a PF, até o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.

De acordo com a polícia, Bolsonaro “tinha pleno conhecimento do planejamento operacional” e participou diretamente da elaboração da trama desde 2019. O golpe só não se concretizou por “circunstâncias alheias à sua vontade”, como a recusa das Forças Armadas em fornecer apoio armado à empreitada.

Agora, como réu no Supremo, Bolsonaro responde por cinco crimes, entre eles tentativa de golpe e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A depender do desfecho, pode ser condenado à prisão.

Os próximos passos

Réu e sem espaço para recuos, Bolsonaro deve apostar tudo na aprovação do projeto de anistia, na tentativa de manter relevância e preservar o capital político que ainda detém. Enquanto isso, aliados observam à distância, à espera do momento certo para reivindicar o espólio eleitoral.

O STF dará sequência à instrução do processo, colhendo provas, perícias e depoimentos. Ao final, decidirá se condena ou absolve os réus. O fato de executores do 8 de Janeiro já terem recebido penas de 14 a 17 anos de prisão não sugere um desfecho promissor para o ex-presidente.

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Last Update: 26/03/2025