No artigo intitulado Anistia-2025 é um presente para golpistas, publicado no portal de esquerda Brasil 247 no último dia 18, o jornalista Paulo Moreira Leite assume uma posição que, sob o verniz de defesa da democracia, revela-se profundamente antidemocrática. Ele critica a possibilidade de anistia aos presos políticos atuais, rotulando-os como “golpistas” e sugerindo que os perdoar seria uma afronta à ordem democrática reconquistada após a Ditadura Militar (1964-1985). Eis sua colocação:

“Em 2025, quando se trata de investigar e condenar golpistas que trabalharam noite e dia contra uma democracia reconquistada após um quarto de século no qual nosso país foi submetido a governos tutelados pela força militar, o plano é uma nova ação entre amigos. Nada se investiga, ninguém é punido e, como se sabe, os golpistas de sempre estarão a postos para qualquer eventualidade.”

No entanto, sua argumentação desmorona diante de um princípio elementar: a anistia não é uma questão de simpatia política ou alinhamento ideológico, mas de reparação às ilegalidades cometidas pelo Estado. Houve abusos, prisões arbitrárias e violações de direitos fundamentais contra os manifestantes de 8 de janeiro de 2023, cujo crime foi participarem de um protesto pacífico, composto por pessoas desarmadas, que após expressarem seu descontentamento, voltaram para casa em sua maioria, enquanto o País voltava à normalidade nas horas, dias e anos subsequentes.

Diante disso, o único debate possível é se essas condenações devem ou não ser anuladas com base nas transgressões do poder público. Qualquer posição contrária, como a de Moreira Leite, escancara um apego autoritário à punição arbitrária, incompatível com um verdadeiro regime democrático.

O jornalista recorre ao exemplo da anistia de 1979 para sustentar seu ponto. Ele reconhece que ela libertou presos políticos da ditadura, mas lamenta que tenha impedido a punição de agentes repressores. É curioso, porém, que ele use esse precedente para atacar a anistia atual, como se as conjunturas fossem idênticas.

Em 1979, a anistia foi uma resposta às atrocidades de um regime de exceção que torturava e matava. Hoje, os presos que podem ser beneficiados não são torturadores ou algozes de um sistema opressor, mas cidadãos comuns, em grande parte detidos “por convicção” dos acusadores e em processos totalmente fraudulentos, acusados de atos que o próprio Estado inflou para justificar uma repressão desproporcional.

Leite escamoteia essa diferença gritante e prefere pintar todos como “golpistas” que ameaçam a “democracia”. Ora, se o Estado age fora da lei, prendendo pessoas sem respeitar garantias constitucionais, quem de fato ameaça o que se espera de um regime democrático? Não são os manifestantes, mas o aparato estatal que os silencia.

Outro ponto que expõe a fragilidade da posição do articulista é sua insistência em tratar a anistia como um “presente” imerecido. Ele insinua que perdoar esses presos seria uma espécie de conivência com supostos planos antidemocráticos. Onde está a evidência de que a maioria desses indivíduos – trabalhadores, donas de casa, aposentados – tinha a intenção ou a capacidade de derrubar o regime democrático?

O que se viu no 8 de janeiro foi um protesto de cidadãos. Ponto. A resposta do Estado, contudo, foi uma avalanche de crimes: detenções marcadas por irregularidades, prisões preventivas prolongadas sem julgamento, acusações genéricas baseadas em vídeos editados e depoimentos forçados. Se há algo a ser investigado, não é apenas a conduta dos manifestantes, mas a dos agentes públicos que transformaram um episódio que deveria ser corriqueiro em um pretexto para transformar opiniões em crime.

Sob a defesa da “democracia”, Leite termina defendendo um regime onde o direito de protestar é substituído por uma obediência cega às instituições que agem fora da lei. Ele esquece que a essência de um sistema democrático está na proteção aos direitos individuais, não na canonização do Judiciário ou da polícia.

Quando o Estado prende alguém sem oferecer um processo transparente, com advogados cerceados e julgamentos apressados, ele replica os métodos que o jornalista diz rejeitar e que eram característicos das ditaduras fascistas. Como, então, opor-se à anistia em nome da “democracia”, se a própria repressão aos presos de hoje ecoa as ilegalidades do passado? A contradição é evidente: o colunista do Brasil 247 clama por justiça contra “golpistas”, mas fecha os olhos para a injustiça cometida contra cidadãos que, na prática, são vítimas de um poder estatal descontrolado.

Ainda, ao chamar os presos de “golpistas de sempre”, Leite trata os cidadãos que seriam beneficiados por uma lei de anistia como se fossem uma casta de conspiradores profissionais e não brasileiros comuns que, movidos por insatisfação, saíram às ruas. Esse desprezo revela uma política que prefere punir a compreender, criminalizar a dialogar. Não é de se estranhar que tantos trabalhadores se desloquem para o bolsonarismo com uma política tão repressora.

Por fim, a oposição de Paulo Moreira Leite à anistia não resiste ao teste da coerência. Se ele reconhece que a anistia de 1979 foi justa por libertar vítimas de um sistema arbitrário, por que nega o mesmo princípio hoje?

A resposta parece estar em uma conveniência política: para ele, a democracia só vale quando serve aos seus aliados. Quando o Estado reprime adversários, mesmo que de forma ilegal, isso é aceitável. Trata-se de uma visão seletiva, que troca a defesa dos direitos fundamentais por uma cruzada ideológica.

A defesa dos direitos democráticos, no entanto, não deve jamais escolher lados: ela exige que as ilegalidades sejam reparadas, independentemente de quem as sofreu.

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Last Update: 19/03/2025