Os moinhos de gastar gente e o adoecimento laboral brasileiro
por Rodrigo Medeiros
Uma reportagem publicada no portal digital G1, no dia 10 de março de 2025, assinada por Poliana Casemiro e Rayane Moura, trouxe informações relevantes sobre a crise de saúde mental brasileira. Em síntese, o Brasil tem o maior número de afastamentos por ansiedade e depressão em dez anos. Os números divulgados de 2024 revelaram que foram registrados mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais.
De acordo com as jornalistas, com base nos números oficiais, “o Brasil vive uma crise de saúde mental com impacto direto na vida de trabalhadores e de empresas”. Esse fato é revelado pelos números do Ministério da Previdência Social sobre os afastamentos do trabalho. Entre as explicações de psiquiatras e psicólogos consultados pela matéria constam os reflexos da situação do mercado de trabalho e as cicatrizes da pandemia.
O mercado laboral brasileiro é estruturalmente precário e essa precariedade foi reforçada pela reforma trabalhista de 2017. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o salário médio formal de admissão foi de R$ 2.162,32 para dezembro de 2024. Conforme calculou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), “em dezembro de 2024, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 7.067,68 ou 5,01 vezes o mínimo de R$ 1.412,00”.
Há quem alegue que vivemos em um contexto de apagão de mão de obra, enquanto 39% dos trabalhadores ocupados estão na informalidade e o rendimento real habitual encontra-se praticamente estagnado há dez anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pleno emprego com renda estagnada e precariedade laboral?
Em 2024, de acordo com a reportagem do G1, “foram 3,5 milhões pedidos de licença no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) motivados por várias doenças”. Ainda enfrentamos os “moinhos de gastar gente” quando analisamos o cenário através da expressão utilizada pelo professor Darcy Ribeiro para descrever o processo histórico de exploração laboral de seres humanos no Brasil.
Mulheres representam a maioria dos afastamentos, pois sofrem com a sobrecarga de trabalho, a menor remuneração, a responsabilidade do cuidado familiar e a violência. Elas ganham menos do que homens em 82% das áreas, segundo o IBGE, e os casos de feminicídio cresceram 10% nos últimos cinco anos. As mulheres sustentam quase 50% dos lares brasileiros.
Destaco que a insegurança financeira se manifestou com o aumento do custo de vida entre 2020 e 2024, quando os preços dos alimentos subiram 55%. A informalidade laboral, por sua vez, tornou-se crônica para 39% dos trabalhadores ocupados, apesar da redução recente ocorrida na taxa de desocupação. Como resposta ao crescimento dos afastamentos por motivos de adoecimento psíquico, o governo anunciou a atualização da Norma Regulamentadora de número 1 (NR-1), que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho.
Com essa atualização, o MTE fiscalizará os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). Multas poderão ser aplicadas em casos de metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, falta de autonomia no trabalho, assédio moral e condições precárias de trabalho, por exemplo. Mantida a hegemonia do paradigma neoliberal, dificilmente teremos resultados positivos com as medidas anunciadas até o momento.
No livro ‘Psicopolítica’, editado pela Âyiné, em 2018, o filósofo Byung-Chul Han analisou como o sujeito do desempenho, que se julga livre, é de fato um servo que explora a si mesmo. Nesse sentido, afirmou o filósofo, “o capital explora a liberdade do indivíduo para se reproduzir”. Ditadura do capital?
Segundo Han, “o neoliberalismo, como mutação do capitalismo, torna o trabalhador um empreendedor”. O regime não transforma “os explorados em revolucionários, mas sim em depressivos”, avaliou o filósofo. Ele afirmou ainda que “caminhamos para a era da psicopolítica digital, que avança da vigilância passiva ao controle ativo, empurrando-nos, assim, para uma nova crise de liberdade”. O regime neoliberal explora a psique, gerando um esgotamento que leva ao adoecimento mental dos trabalhadores.
O neoliberalismo progressista, não sendo capaz de entregar a prosperidade que promete, vem acentuando os problemas sociais e interditando as alternativas para solucioná-los. Estamos vivendo esse drama no Brasil. Para manter o sistema capitalista vigente, que vive em crise permanente, a democracia liberal conseguirá resistir aos avanços das novas formas de fascismo?
Ainda segundo Han, “a economia neoliberal, que para aumentar a produtividade reduz cada vez mais a continuidade e instala a instabilidade, impulsiona a transformação emotiva do processo de produção”. As emoções passam a ser utilizadas como recursos para intensificar o trabalho humano e alcançar uma maior produtividade. Esse drama também está presente no processo de precarização laboral em curso nos serviços públicos brasileiros, como bem descreveu o professor Luiz Henrique Lima Faria em um artigo de opinião publicado no GGN, em 10 de março de 2025. Para os interessados, recomendo a leitura.
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e editor da Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas (Rinterpap).
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